• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – AS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS EM LICITAÇÕES E

2. AS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS NOS CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS

552 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo: vol. I, Introdução. 3a. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 569. No mesmo sentido: PRATES, Marcelo Madureira. Sanção Administrativa Geral: Anatomia e Autonomia. Coimbra: Almedina, 2005. p. 69.

553 SAYAGUES LASO, Enrique. Tratado de Derecho Administrativo, vol I. 3a. ed. Montevidéu:

FCU, 2010. p. 437. Tradução nossa.

554 FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 40. No mesmo sentido: NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Sanções Administrativas e Princípios de Direito Penal.

Revista dos Tribunais, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, vol. 775, p. 449 et seq., Mai. 2000.

555 Ibid., p. 40-41.

O que caracteriza determinado contrato como um contrato administrativo é sua submissão ao regime jurídico de direito administrativo.556 Segundo António Menezes CORDEIRO,

“Ele poderá ser marcado pela subordinação de uma parte à outra, pela exorbitância de certas cláusulas e/ou pela sujeição a um interesse público, sujeição essa que opera como justificação para que uma das partes possa, unilateralmente, introduzir modificações no acordado”.557

Uma das decorrências da subordinação de uma parte (o particular) à outra (a administração) e da exorbitância de certas cláusulas é o poder sancionatório detido pelo contratante. Pablo LEIZA ZUNINO ensina que esta prerrogativa “encontra sua justificação na necessidade de assegurar a efetiva e devida execução do contrato”.558 Fundado nessa mesma compreensão, Diogo Freitas do AMARAL afirma que as sanções podem ser aplicadas ao contratado particular, “seja pela inexecução (total ou parcial) do contrato, seja pelo atraso na execução, seja por qualquer outra forma de execução impertinente ou defeituosa, seja ainda porque o contraente particular tenha trespassado o contrato para outrem sem a devida autorização da Administração”.559

No direito brasileiro, o poder sancionatório está previsto no art. 58 Lei 8.666/93, segundo o qual “o regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: (…); IV aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste”. Contudo, ele não se resume a isso. As infrações não se restringem à execução defeituosa do ajuste, conforme se depreende do art. 88, que contém tipos como fraude fiscal, atos ilícitos que visem frustrar os fins da licitação e conduta inidônea. Ademais, as sanções não estão limitadas ao âmbito contratual.

Se, no direito português, “a sanção mais grave que a Administração pode

556 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, vol. II. Coimbra: Almedina, 2009.

p. 498.

557 CORDEIRO, António Menezes. Contratos Públicos: Subsídios para a dogmática administrativa, com exemplo no princípio do equilíbrio financeiro. Coimbra: Almedina, 2007. p.

49.

558 LEIZA ZUNINO, Pablo. Contratos de la Administración Pública. Montevidéu: FCU, 2012. p.

458. Tradução nossa.

559 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, vol. II. Coimbra: Almedina, 2009.

p. 633-634.

aplicar ao seu co-contratante consiste na própria rescisão do contrato”560, de acordo Maria João ESTORNINHO, no Brasil, as sanções mais graves são a “suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos” e a “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública”, previstas no art.

87, que se protraem para além do contrato. Por isso é que, para Hely Lopes MEIRELLES:

“A declaração de inidoneidade não é, a rigor, uma penalidade contratual, mas, sim, uma sanção administrativa genérica, imposta por determinada entidade estatal, com a finalidade de impedir o acesso de pessoa física ou jurídica comprovadamente inidônea às suas licitações e contratações enquanto perdurarem os motivos que a ensejarem ou até que o punido promova sua reabilitação (Lei 8.666, de 1993, art. 87, IV). Sendo a mais grave das sanções administrativas aplicáveis ao particular interessado em contratar com o Poder Público, só pode ser aplicada pela autoridade indicada na norma legal que a consigna, nos casos e pela forma expressamente estabelecidos, sempre com oportunidade de defesa, como prescreve, corretamente, a lei atual (art. 87, §3o)”.561

A distinção proposta por Hely Lopes MEIRELLES provoca questionamentos de diversas ordens.

2.1 AS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PODEM SER APLICADAS NO SILÊNCIO DO CONTRATO?

No trecho acima citado, Hely Lopes MEIRELLES esboçou uma classificação distinguindo penalidade contratual e sanção administrativa genérica. Entende-se, porém, que a distinção não encontra amparo no texto legal. Todas as sanções da Lei 8.666/93 são penalidades contratuais, inclusive quando aplicadas com fundamento no art. 88. Tanto é assim que sua incidência ocorre somente quando as condutas nele previstas são praticadas “em razão dos contratos regidos por esta Lei”. O fato das sanções do art. 87, III e IV, terem efeito pro futuro562, isto é, para além do prazo de

560 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003.

p. 129.

561 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 12a. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 231.

562 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 101.

vigência do contrato não lhes retira o caráter de sanção contratual, nem as transforma em sanções administrativas genéricas, expressão destituída de sentido e que parece reportar-se ao conceito de relação jurídica geral, já rejeitado no presente trabalho.

Relevante, ao nosso ver, é a diferenciação proposta por Bernardo Strobel GUIMARÃES quanto ao fundamento que anima a imposição das penas de suspensão do direito de licitar e de declaração de inidoneidade, pois isso impacta diretamente no regime jurídico aplicável. Segundo ele, se tais sanções decorrerem da inexecução total ou parcial do contrato, ou seja, de infração ao art. 87, caput, da Lei 8.666/93, “tem-se, portanto, que elas sempre dependem do que estiver disciplinado no instrumento contratual, não sendo cabíveis penas que se fundem diretamente em lei”.563

Supera-se, assim, a orientação tradicional, reafirmada por Jean RIVERO, no sentido de que “a Administração é sempre senhora de decretar a sanção correspondente à falta verificada, mesmo no silêncio do contrato”.564 Como bem observa Bernardo GUIMARÃES:

“não haveria qualquer razão para apenas a pena de multa ser prevista claramente no contrato e as outras não, como parece fazer crer uma leitura assistemática dos preceitos do art. 86, §1o e 87 caput da Lei 8.666/1993. O que se exige para a aplicação de multas, exige-se para as demais sanções, que devem estar formalmente previstas no contrato para poderem ser aplicadas”.565

Refere-se o autor ao fato do art. 86, §1o, da Lei 8.666/93, preceituar que o atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora,

“na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato”. O art. 87, II, dispõe igualmente que pela inexecução total ou parcial poderá ser aplicada a sanção de

“multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato”. Diante disso, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo, em precedente citado por Marçal JUSTEN FILHO566, que “se não há previsão da cláusula penal nem no ato

563 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. As sanções nos contratos administrativos e a inadequação do poder de polícia para justificá-las. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP. Belo Horizonte, ano 12, n.133, p. 32-39, Jan. 2013.

564 RIVERO, Jean. Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 1981. p. 146. No mesmo sentido:

GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo, parte general, tomo I. 8a. ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003. p. XI-25.

565 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. As sanções nos contratos administrativos e a inadequação do poder de polícia para justificá-las. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP. Belo Horizonte, ano 12, n.133, p. 32-39, jan. 2013.

566 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11a. ed.

São Paulo: Dialética, 2005. p. 622.

convocatório e nem no contrato não há como exigi-la. Inteligência do art. 87, II, da Lei 8.666/93, com a redação dada pela Lei 8.883/94”.567

Essa opinião é partilhada por Pablo LEIZA ZUNINO:

“Portanto, em matéria de sanções contratuais também necessitamos de uma previsão anterior que tipifique dita sanção para que esta possa ter validez uma vez ocorrido o decumprimento que a justifique. Se a previsão anterior de sanção não existe, a sanção será nula”.568

Indagar-se-á: O que ocorrerá se houver inexecução da avença sem que as respectivas sanções estejam previstas no instrumento contratual? Ora, basta que a administração rescinda unilateralmente o contrato, na forma do art. 78 da Lei 8.666/93, e que promova a respectiva ação de reparação de danos, como sugere LEIZA ZUNINO.569 Além disso, é necessária a instauração de sindicância para apurar a responsabilidade pela omissão.

Esta solução atende não apenas o interesse coletivo subjacente à contratação pública, como também respeita os princípios da vinculação ao instrumento convocatório e da tipicidade. Recorde-se que o princípio da tipicidade exige a explicitação da conduta infracional com um mínimo de densidade para que se possa compreender qual comportamento proibido e, ainda, exige que se estabeleça uma correlação entre tal comportamento e uma sanção específica. Como, sozinho, o art. 87 da Lei 8.666/93 não atende esses requisitos, dependendo da indispensável complementação do edital e do contrato, o silêncio destes inviabiliza por completo a aplicação de sanções por inexecução contratual.

Diametralmente oposta será a conclusão caso a aplicação das sanções do art.

87, III e IV, derive de ofensa ao art. 88. Nesse caso, o comportamento proibido não decorrerá da inobservância das cláusulas contratuais, mas de condutas já tipificadas em lei como crime, o que torna dispensável sua previsão no contrato. Ademais, tais condutas, embora devam guardar relação com contratos administrativos, independem de sua efetiva celebração. Assim, mesmo no silêncio do contrato as sanções do art.

87, III e IV, poderão ser aplicadas desde que o seu fundamento seja um dos incisos do

567 TJSP, 8a. Câmara, ApCiv 250.747.1/1-00, rel. Felipe Ferreira, j. 14/8/1996. Apud: Revista dos Tribunais, vol. 734, p. 325, Dez / 1996.

568 LEIZA ZUNINO, Pablo. Contratos de la Administración Pública. Montevidéu: FCU, 2012. p.

460. Tradução nossa.

569 Ibid., p. 460. Tradução nossa.

art. 88 da Lei 8.666/93.