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As fontes do Currículo Emergente e o seu desenvolvimento

Capítulo I – Experiências-Chave em Educação Pré-Escolar

1. Currículo Emergente

1.4. As fontes do Currículo Emergente e o seu desenvolvimento

Para o desenvolvimento de um currículo emergente é necessário ter em consideração que este não significa apenas“satisfazer ou responder a perguntas, mas,

em vez disso, ajudar as crianças a descobrir respostas e, mais importante ainda, ajudá-las a indagar a si mesmas questões relevantes” (Edwards, Gandini, & Forman, 1999, p. 114), pois apesar de não existir um currículo planeado, os objetivos não são perdidos de vista mas “o porquê e como se chegar até eles são mais importantes”. Por isso, os professores, que seguem as crianças e não planos, reconhecem a importância do património de cada criança, ao nível de talento, de conhecimentos, de experiências, de pesquisas, de documentação para o desenvolvimento desse currículo (op. cit.: 100). No início de cada projeto, os professores reunem-se e discutem as possibilidades de desenvolvimento ou de provocação, preparando-se “para todos os estágios subsequentes do projeto – mesmo se o inesperado acontecer.” (op. cit.: 115). Tal não significa que se baseiem no improviso ou no acaso, no entanto, o trabalho com as crianças implicaincerteza e inovação. Existe a certeza do que estudar, se a aprendizagem segue o seu próprio fluxo, tempo e lugar, como é que esta pode ser organizada, o que vale a pena promover, entre outras questões que, apesar de fulcrais, não compensam o que não se sabe. Porque “não saber é a condição que nos faz continuar a procurar, estamos na mesma situação que as crianças.” (Edwards, Gandini, & Forman, 2016, p. 78). Se o significado é entendido como emergente, os significados que emergem nas salas de aula não são possíveis de determinar previamente, ou seja, o currículo não pode ser planeado com base nesses mesmos significados(Osberg & Biesta, 2008). Este entendimento do currículo redefine a responsabilidade educativa de uma forma que reconhecea imprevisibilidade da experiência vivida como o resultado de uma boa prática, e não como muitos encaram, como um sinal de fracasso (op. cit.).

Para Jones e Nimmo (1994), há uma série de fontes (provocações) de onde pode surgir o currículo emergente, desde os interesses das crianças, dos professores, do

desenvolvimento de tarefas, do meio ambiente físico e social, de situações inesperadas, de materiais, e a partir das quais é possível realizar uma planificação conjunta (Jones, 2012, p. 68). Para percecionar os interesses das crianças, é valorizada em Reggio Emilia a pedagogia da escuta para o alcance dos objetivos, que desempenha um papel fundamental no desenvolvimento desta abordagem, “como ajudar as crianças a encontrarem significado no que fazem, no que encontram e no que vivenciam?”(Edwards, Gandini, & Forman, 2016, p. 235). Esta escuta das crianças, das suas brincadeiras é então uma ação fundamental na perpeção das suas necessidades e interesses, materializada através da documentação pedagógica, assunto a que voltaremos na experiência chave seguinte. No entanto, é essencial que a escuta seja aberta a todos os sentidos, reconhecendo-se assim as múltiplas linguagens da criança, gerada pela curiosidade dos adultos em ouvi-las, exigindo-se o tempo necessário a que se produzam perguntas e não respostas (op. cit. 236). Os interesses dos adultos, são também em determinadas ocasiões, através da partilha de experiências de vida, fontes do currículo emergente. Contudo, existem alguns cuidados a ter em consideração no que diz respeito ao papel do adulto,pois estes podem, sem intenção, terminar com os genuínos interesses das crianças, perdendo-se o foco da emergência do currículo. Tal como aconteceu na prática educativa, cada uma das estagiárias acompanhou projetos com temas nos quais cada uma não se sentia “à vontade”, evitando-se o condicionamento do currículo àquilo que é o património de conhecimentos do adulto ou interesses do mesmo. Sabemos que o ambiente físico pode também ser uma fonte propícia ao desenvolvimento do currículo, uma vez que influencia e condiciona as experiências do ser humano. Sendo este natural, torna-se ainda mais imprevisível na sua influência, devido à inexistência de um padrão condicionador das ações e, portanto, uma fonte muito considerável ao desenvolvimento de um currículo emergente. Também durante a prática de estágio, foi valorizado o espaço exterior e as experiências no mesmo, evidenciando-se os cuidados na manutenção dos ambientes naturais, sem as habituais infra-estruturas condicionantes da ação da criança. Outra fonte de currículosão as situações inesperadas, decorrentes por exemplo de qualquer outra experiência, que devem ser incorporados nos planos a curto ou longo prazo.

Estas fontes do currículo emergente, são identificadas, em qualquer momento, numa discussão de interesses, na escuta dos significados implicados pelas palavras das crianças(Edwards, Gandini, & Forman, 2016), o que posteriormente sustenta conversas em que o educador realiza questões que deem significado às observações, investigações e experiências. No entanto, existem momentos em que não é possível a realização de questões tão diretas para o desenvolvimento do currículo e, portanto, o educador deve criar encontros entre os interesses e as crianças, ou seja, “provocar ocasiões de crescimento intelectual genuíno para uma ou mais crianças (...) para reestimular e estender as suas discussões e atividades”(Edwards, Gandini, & Forman, 2016, p. 173). Também no desenvolvimento do projeto “Peixes”, as crianças foram provocadas pelos adultos, possibilitando-lhes, de acordo com os interesses, o encontro com múltiplas representações de peixes.

Nessas conversas, são discutidas as expectativas bem como a origem do interesse, o adulto anota as ideias, as perguntas, as reflexões e, com base nessa documentação, os professores reorganizam os interesses, os objetivos em conceitos gerais, podendo assim dar seguimento às propostas negociadas com as crianças e restante comunidade, ou seja, segundo Forman (2016), “um interesse não é o bastante (...) no ambiente educacional da escola cabe ao professor especular sobre o que motiva o interesse e apoiar os conceitos, e não necessariamente o interesse” (Edwards, Gandini, & Forman, 2016, p. 261). Assim, quando traduzimos uma ideia, um interesse, um material para uma rede de conceitos, também designada como

webbing, ferramenta utilizada no currículo emergente para criar um plano

experimental, avaliamos com as crianças se vale a pena prosseguir para a materialização do projeto, realizando-se então o plano conjunto (Seitz, 2006).

No desenvolvimento de projetos com base num currículo emergente, a organização do ambiente educativo faz-se em torno dos mesmos, proporcionando-se experiências para uma investigação mais aprofundada. Neste caso,tal foi conseguido através da organização dos materiais, com o apoio de livros às investigações acerca dos Peixes, ou através de parcerias com pais e outras instituições, para o desenvolvimento de teorias realizadas pelas crianças. As oportunidades criadas devem ser significativas para as crianças, que as ajudem no desenvolvimento das suas ideias, permitindo-lhes ver, negociar e participar no mundo real, tal como

defendido por John Dewey. (Seitz, 2006, p. 4). O que acontece durante e após estas experiências é que tanto as crianças como os adultos voltam a teorizar sobre as questões iniciais, levando a que este seja um processo cíclico, considerando-se que“Attentive care must be devoted to the conditions which give each present experience a worthwhile meaning”(op. cit.: 5), é possível que surjam novas questões e o seu aprofundamento pode levar a novas provocações.