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Desafios para o Nível Micro Curricular – Professor e Turma

Capítulo III – Experiência Chave de Investigação

1. Desafios para a Organização Curricular no º CEB

1.4. Desafios para o Nível Micro Curricular – Professor e Turma

Quanto à micro estrutura curricular, Morgado(2000, p. 101) define-a como “o mosaico combinado de professores e alunos em constante interação”. E ainda que os níveis antecedentes,tal como apresentados, não permitam ao professor o pleno desenvolvimento de um currículo emergente, torna-se imprescindível que o professor reveja o seu papel63, pois, segundo Pacheco (1996 citado em Morgado, 2000, p. 105), o professor “goza de uma autonomia de orientação dentro de referenciais que lhe são impostos, mas que jamais determinam liminarmente a sua ação e o seu pensamento”. Portanto, ainda nesta linha de pensamento, corroboramos Morgado (2004, p. 434) na medida em que a autonomia curricular exige, acima de tudo, repensar o papel do professor, uma vez que este se torna preponderante para o desenvolvimento do currículo, sendo quem confere sentido prático ao seuvalor teórico(Morgado, 2000, p. 103). Assim,sendo objetivo do currículo emergente, à semelhança do currículo integrado, respeitar os conhecimentos prévios, necessidades, interesses e ritmos de aprendizagens dos alunos, deve-se essencialmente aumentar aquele que é atualmente o poder de participação e decisão do grupo, quer em termos de conteúdos quer em termos de recursos, de ritmos de trabalho e formas de avaliação (Santomé J. T., 1998,

63 O objetivo é ir além daquele que é definido oficialmente como o Perfil Geral e Específico de

desempenho do professor do 1.º CEB, definido no DL n.º 241/2001 de 30 de Agosto (Decreto-Lei, 1997), nomeadamente no que diz respeito a caraterísticas e capacidades fundamentais ao desenvolvimento do currículo emergente.

p. 187). Istoirá automaticamente levar a que o professor partilhe aquelas que têm sido as suas responsabilidades até então e,portanto, exigir a cada ator uma postura crítica relativamente ao currículo, explicadora de uma prática quotidiana reflexiva orientada para uma responsabilização como cidadão e que envolve uma participação em diferentes níveis (Morgado, 2004, p. 433). Como tal, associada a esta revisão de papéistanto do professor como do aluno, encontrar-se-ão de forma subjacente, novas formas de organização curricular que possibilitem aos professores que assim o queiram, assumir profissionalmente a autonomia(Leite, 2006), tendo em consideração tanto os níveis de decisão anteriormente mencionados como a revisão de práticas educativas sobre as quais previamente não haveria questionamento.

Perante a atual organização do currículo, por disciplinas, ainda que neste ciclo não tantocompartimentadas64, o que poderá facilitar a ação do professor em relação a níveis posteriores, o professor apresenta, segundo Santomé (1998) umdéfice de autonomia, que se revela na incapacidade de diagnosticar o que sucede nas salas de aula, de tomar decisões, de oferecer uma ampla variedade de recursos e de avaliar adequadamente o desenvolvimento do currículo. Portanto, o autor (op.cit: p. 115) destaca a importância da não compartimentação e rotulação das experiências dos alunos, ressaltando a ideia de que à medida que as crianças vão explorando o mundo que as rodeia, vão encontrando experiências de diferente índole, das quais o professor pode extrair significado, de acordo com as matérias exigidas oficialmente. Assim, torna-se urgente que também o professor pense o trabalho em termos de currículo, possibilitando-lhe uma perspetiva diferente daquilo que faz na sala de aula(Pacheco, 2001, p. 48). Isto exige ao professor uma postura de arquiteto do currículo e como tal, “um papel prático e de reflexão do programa, valorizando criticamente o trabalho que desenvolve e incorporando as necessidades dos alunos” (op. cit.). Esta interpretação dos programas é também ela uma fonte de poder situacional(Pacheco, 2001, p. 249), do qual o professor deve usufruir, considerando para tal modalidades mais clássicas como os centros de interesse Decrolyanos ou o método de projetos considerados por Kilpatrick. Uma vez que tanto uma modalidade

64 A este propósito vale a pena ter em consideração a ideia de Beane(2003, p. 92) pois “mesmo

quando uma abordagem por disciplinas é imposta a nível nacional e os seus resultados minunciosamente testados, parece existir quase sempre um determinado espaço e oportunidade para explorar outras abordagens”.

como outra permite ir ao encontro daqueles que são os ideaisdo currículo emergente, reforça-se a ideia deDecroly de que “o trabalho dos alunos não poderá ser circunscrito a um âmbito muito limitado, tanto em atividades como em horários” (Santomé J. T., 1998, p. 197). Quanto ao trabalho por projetos, estes baseiam-se numa “proposta entusiasta de ação para ser desenvolvida num ambiente social e deve servir para melhorar a qualidade de vida das pessoas” (Santomé J. T., 1998, p. 203), permitindo a transformação do currículo num conjunto de projetos, apoiados nos interesses dos alunos e em simultâneo geradores de novos interesses. Estas são modalidades que permitem assim ao professor justificar a sua autonomia, quer em termos de organização de espaçoe tempo, quer de planificação e avaliação, e ir além do cumprimento de normas e execução de programas para cada disciplina ou ano de escolaridade, valorizando-se, consequentemente, os processos e conteúdos em detrimento dos produtos (Morgado, 2010, p. 24). Para além de que travará aquele que constitui um outro desafio, a frequente utilização de manuais escolares querestringe o processo educativo e a tomada de decisão por parte do professor, quanto à organização do currículo, pois são vistos, de forma errada, comomediadores entre o currículo oficial e o currículo programado. Devem, portanto, ser substituídos, em grandes períodos de exploração, por outros recursos, utilizados também por adultos, permitindo ainda que a construção desses recursos resultedas necessidades auferidas aquando do desenvolvimento dos projetos em curso (Santomé J. T., 1998, p. 182).

Para além da concreta organização do currículo e de acordo comKelly (1980), que menciona a inexistência do desenvolvimento do currículo sem o desenvolvimento do professor(Pacheco, 2001, p. 48), redirecionamos agora a nossa atenção para um sem fim de capacidades transversais que o professor deve desenvolver, permitindo-lhe a aproximação a um currículo emergente com base nos anteriores pressupostos. De um modo geral, o papel do professor pode ser considerado complexo, mas ainda assim deve acontecer de forma fluida, deve ser visto em termos holísticos e circulares enquanto complemento à visão da criança anteriormente caraterizada(Edwards, Gandini, & Forman, 2016, pp. 155, 158). Enquanto coconstrutor de conhecimento, o professor é considerado parceiro tanto das crianças como dos pais e restantes adultos, com os quais deve, acima de tudo, desenvolver uma relação estreita com base na comunicação,cooperação e

confiança(op. cit.).Para que possa provocar os alunos ajudando-osa descobrir as suas próprias ideias e perguntas, deve escutar mais os outros, ao invés daquilo que estamos habituados a observar em contextos de salas de aula, nos quais o professor é o elemento que mais intervém. A moderação das intervenções constitui assim um dos desafios com que também nós, equipa de estágio, nos deparámos: definir quando e como intervir. Sabíamos que deveria ser feitonuma ótica de problematização, na formulação de questões abertas, no entanto, até mesmo essa intervenção deve ser medida em distintos âmbitos. Partindo-se de uma atenção individualizada às crianças com base na observação atenta e na documentação, tanto das suas ações como nas do próprio professor, variáveis como o próprio tom de voz e tempo de resposta devem ser tidas em consideração, uma vez que o pretendido não é solucionar imediatamente a questão em causa mas sim o de criar conflitos cognitivos entre a turma ou grupos de alunos. Apesar de, para principiantes, se tornar difícil a gestão deste processo, como foi o caso, torna-se um desafio interessante e estimulador da própria reflexão- na-ação.

Por outro lado, torna-se imprescindível que o professor tenha um bom conhecimento dos conteúdos oficiais que possibilite o alargamento das questões e consequentemente das aprendizagens.Mais ainda, este conhecimento permite ao professoratuar no improvisoacompanhando os interesses espontâneos das crianças, o que implicaum repertório de competências quefacilite aos professores agir na complexidade e na incerteza, escolher de entre as alternativasde acção aquela quefor a mais adequada num dado momento e lugar, sem que se transforme num momento de insegurança ou frustração(Morgado, 2007).Isto remete-nos, ainda, para uma naturalidade da prática em que sobressai a sensibilidade do professor,bem como a capacidade de envolver os outros através de formas mais criativas e expressivas de comunicação que permitam enfrentar as atividades com curiosidade e energia, tal como foi observável na prática da professora cooperante(Nóvoa, 1992).

Transversalmente a todas estas competências, existem caraterísticas inatas que se poderão tornar um ponto de partida, como a criatividade, a vontade de experimentar e arriscar novos modos de trabalhoconjugada com uma mentalidade aberta que permita escutar diferentes perspetivas e acima de tudo refleti-las(Nóvoa, 1992). Já Dewey, em 1933, defendia o ensino reflexivo, masDonaldSchon foi quem teve maior

peso na difusão do conceito.Pollard e Tann (1987) enunciaramas destrezas necessárias à reflexão desejada na prática educativa, referindo que das destrezas empíricas, analíticas e avaliativas da situação surgem destrezas estratégicas, práticas e de comunicação. A forma de reflexão mais utilizada aquando da prática de estágio foi a de indagação relacionada com o conceito de investigação-ação, que leva os professores a analisar a sua prática identificando, em conjunto com os restantes profissionais, estratégias para melhorar(Leite & Fernandes, 2010), desafio este que será esclarecido na experiência chave seguinte. Outra forma de reflexão utilizada foi a considerada espontânea, que Schoon chamou de reflexão na ação e permite aos professores improvisar na prática e resolver problemas,atuando com base num pensamento reflexivo. Para além desta capacidade de reflexão, é ainda desejável uma atitude autónoma e responsável do seu próprio desenvolvimento profissional, através da formação contínua e participação em políticas educativas(Nóvoa, 1992).