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As formas empíricas de racionalidade interdependente apuradas entre os 'conservadores'.

C) Histórico da 'Bolsa de Valores do Brasil' e a caracterização da participação do investidor pessoa física.

II. As formas empíricas de racionalidade interdependente apuradas entre os 'conservadores'.

Os trabalhos de Knorr-Cettina e Brueger, revisados no capítulo 2, nos ensinam que as telas

dos computadores são 'artefatos apresentacionais' ( do inglês appresentational devices) que tornam as escolhas de todos participantes do mercado, bem como os dados e fatos que as influenciam, presentes e visíveis através de gráficos, da evolução das cotações e do fluxo de notícias e dados: se, a linha do gráfico de preços da Vale começa a se mover para cima, um investidor logo intuí que o 'mercado' - ou seja os demais investidores - está aceitando preços cada vez maiores para ações da Vale; se o IBOVESPA tem dias seguidos de alta, depois de um mês difícil, um investidor começa a pensar que o 'mercado', ou seja, os demais investidores estão mais otimistas etc. Em outras palavras, a racionalidade do investidor é dirigida ao comportamento e às expectativas de seus pares no

mercado, ou seja, os demais investidores: é uma racionalidade interdependente.

A partir dos relatos dos entrevistados 'conservadores', apuramos duas formas concretas de racionalidade interdependente, isto é, duas técnicas práticas de enxergar dados e gráficos que representam o comportamento dos demais investidores no mercados e de tomar decisões a partir destes dados e gráficos.

A primeira destas formas é decidir a compra de Vale ou Petrobras a partir das variações do IBOVESPA. Surpreendentemente, esta forma concreta não é ensinada ou teorizada por nenhum professor de bolsa: os entrevistados desenvolveram-na de modo espontâneo e instintivo, ao que parece, como veremos, sob influência do modo como a imprensa reporta o dia à dia da bolsa brasileira, salientando a correlação entre o IBOVESPA e as 'estrelas' de nosso mercado, Vale e Petrobras.

daquela crença, que vimos defendida no capítulo anterior, na regularidade cíclica do mercado, ou seja, que uma ação movimenta-se por ciclos, em geral recuperando os níveis de preço anteriores, depois de uma grande queda por exemplo. Ela também é uma técnica que os entrevistados relatam de análise espontânea e instintiva dos gráficos, a relembrar os conceitos básicos de análise técnica94, mas que não se encontra formalizada nestes conceitos. Comecemos pela forma empírica de

racionalidade interdependente que usa o IBOVESPA como sinalização para a compra ou venda de Vale e Petrobras.

O IBOVESPA é citado a como principal fonte para o acompanhamento da performance geral do mercado pelos entrevistados. É constante e previsível a menção do IBOVESPA, porque, assim como a Vale e a Petrobras, ele é onipresente nos meios e canais de informação. Quando se afirma que a bolsa subiu ou desceu, no jornal, telejornal ou Internet, é desse índice que se fala e a ele que o jornalista se refere logo após anunciar a manchete, explicando-o, em geral, como o índice das ações mais negociadas na bolsa ou o ‘termômetro’ que mede o nível de atividade geral do mercado. Frequentemente, a explicação é seguida pela menção ao crucial peso da Vale e da Petrobras na composição do índice, já que, no mais das vezes, a flutuação do índice é explicada, total ou parcialmente, pela flutuação destas ações.

Quando se trata de mercado financeiro, portanto, é desta forma que os canais de mídia povoam a cabeça de seus consumidores: citando com incansável frequência os papéis da Vale e da Petrobras e o IBOVESPA, bem como o fato de que estes papéis e o desempenho do índice são fortemente correlacionados. Dificilmente poderia se sustentar que este modo de reportar o que há de essencial no cotidiano do mercado é uma escolha intencional dos grandes canais de mídia para supostamente influenciar a ação do investidor em um determinado sentido. A mídia assim o faz porque o

IBOVESPA é, de fato, o índice de mensuração geral do mercado e os papéis da Vale e da Petrobras possuem, realmente, um peso formidável na formação do índice e na dinâmica do mercado como um todo.

E, de fato, apuramos em nossas entrevistas que esta é a operação básica dos investidores que se auto-identificam como ‘conservadores’ no mercado de ações brasileiro: a compra de ações ou fundos de Vale ou Petrobras, decidida em função das variações do IBOVESPA, tipo de operação estimulada e reforçada pelo modo corrente, exercido pela mídia, de reportar o que ocorre de básico e essencial no cotidiano de uma bolsa de valores que é, efetivamente, movida a petróleo e minérios e pela previsível consulta ao índice como forma mais comum e básica de acompanhar a evolução do mercado.

Um dos entrevistados verbaliza com precisão este efeito da consulta ao índice: “ Eu corro atrás

da média do mercado, quando o IBOVESPA começa a cair, eu espero ele subir 1 ou dois dias para comprar Vale ou Petrobras, quando ele sobe, eu espero ele cair mais 1 ou 2 dias, para sair...” Outro investidor, ao explicar porque consulta diariamente o IBOVESPA, afirma: “ Já com o IBOVESPA, dá pra ter uma boa sinalização de Vale e Petrobras”.

Esta associação de reforço mútuo entre as principais blue chips e o IBOVESPA aparece até mesmo na estigmatização dos padrões de investimento mais conservadores que se nota no discurso de um entrevistado que se identifica como um investidor entre “o arrojado e o moderado”, ele ironiza: “Eu não entendo esse pessoal que só fica mudando de Vale pra Petrobras... Quer blue chips? Compra o IBOVESPA e vai dormir tranquilo: é a mesma coisa!”

Assim sendo, a concentração do investimento nas duas ‘estrelas’ do mercado e o recurso ao IBOVESPA como o principal modo de orientação reforçam-se mutuamente, constituindo um efeito de ‘performatividade’ do índice sobre o comportamento dos conservadores que negociam Vale e Petrobras, em outras palavras, um instrumento utilizado para o acompanhamento do mercado – e sua correlação com as empresas favoritas dos 'conservadores' frequentemente comentada inclusive pela grande mídia – modelam o processo de tomada de decisão dos 'conservadores'.

A outra técnica prática que notamos é engendrada pela consulta frequente aos gráficos de preço dos ativos, muitas vezes, ela aparece combinada com o acompanhamento do IBOVESPA.

Estes gráficos de preço são compostos por dois eixos: o eixo horizontal gradua os intervalos de tempo selecionados pelo investidor – há gráficos de variação diária, semanal, mensal ou mesmo aqueles que cobrem intervalos de 3 anos – enquanto o vertical gradua os preços de cotação do ativo a cada unidade de tempo.

Como vimos no capítulo anterior, a análise baseada em gráficos é conhecida como ‘análise técnica’ ou ‘grafista’. Grosso modo, ela parte do pressuposto de que é possível estabelecer alguma preditibilidade sobre a evolução futura de um ativo a partir da análise de seu histórico de cotação e volume de demanda, mediada por equações matemáticas.

Não obstante, entre os entrevistados conservadores, apenas um manifestou conhecimento dos princípios básicos da 'análise grafista', ressalvando, contudo, que além desses princípios básicos, todo o resto lhe pareceria 'muita coisa para um cara como eu que tenho outra atividade e não tenho muito tempo disponível para ficar no mercado'. Desta maneira, em geral desconhecendo a análise grafista e também a sua 'adversária', a análise fundamentalista, os entrevistados 'conservadores' exercem uma espécie de análise grafista espontânea e instintiva, informada pela crença na 'regularidade cíclica' do mercado, ou seja, na ideia, como vimos anteriormente, de que após uma queda o mercado sempre tende a recuperar seus níveis anteriores.

a seu histórico de cotações. Estando a cotação atual baixa, ou seja, havendo uma distância razoável entre a cotação atual e cotações passadas, os entrevistados afirmam esperar sinais de subida do ativo em questão, a partir do acompanhamento do IBOVESPA ou de notícias que lhes pareçam

favoráveis, para efetuar a compra das ações. Efetuada a compra, eles dizem manter o investimento até que o preço da ação aproxime-se dos níveis anteriores. Mas por quanto tempo os conservadores 'seguram' seus investimentos até que isto aconteça?

Veremos na análise das entrevistas que o 'longo-prazo' dos conservadores é mais curto que o longo-prazo apregoado pelas instâncias de educação financeira, há uma distância entre discurso e prática que os conservadores frequentemente atribuem, em tom de mea culpa ao longo das

entrevistas, à falta de maturidade ou disciplina como investidores. Deste modo, os negócios podem ser encerrados, com lucro ou prejuízo, em virtude de uma notícia, conselho, ou impressão

momentânea que lhes influencie. Quando o futuro evidencia que o encerramento 'intempestivo' do negócio foi uma decisão acertada, os entrevistados tenderão a tomar a mesma decisão face a um evento ou impressão que lhes pareça semelhante no futuro, quando, no entanto, a decisão prova-se equivocada, eles irão justamente se penalizar pela falta de 'disciplina' ou 'sangue frio' para ter esperado os efeitos redentores do longo-prazo, como tantas vezes ocorreu nas entrevistas.

Em suma, notamos que a escolha da consulta aos gráficos como procedimento para a tomada de decisões exerce um interessante efeito performativo, reforçando aquela concepção cíclica dos movimentos da bolsa, defendida pelas instâncias de educação financeira. Pois, à medida que o investidor compra um ativo principalmente porque observa que seu preço atual está abaixo de seu histórico de cotações, ele está implicitamente agindo com base na crença de que o mercado acionário é regido por regularidades cíclicas, ou seja, que uma ação sempre voltará a ocupar patamares que, em um dado momento, ela já ocupou. Assim uma de nossas entrevistadas afirma “ você tem que pegar o histórico [de um fundo de ações] para ter uma projeção do futuro”, outros dois entrevistados relatam, de modo semelhante, usar os gráficos para ter parâmetros para julgar os pontos máximos e mínimos das ações de Vale e Petrobras. Outra de nossas entrevistadas também afirma a preferência pelos gráficos de histórico, já que “você tem que saber o que já aconteceu, para saber o que vai acontecer”.

Desta forma, a incorporação de noções de regularidade cíclica pela consulta aos gráficos orienta-se no sentido semelhante à confiança e/ou otimismo com o longo prazo incutido pela produção discursiva típica das instâncias de educação financeira. Quando concebemos a crença na 'regularidade cíclica' do mercado e a confiança no longo-prazo, reforçadas pela adoção dos gráficos, conjugada à técnica prática que apontamos para a consulta do IBOVESPA, podemos apreciar o todo do enquadramento de referenciais e informações econômicas que incitam, favorecem e modulam

padrões de investimento dos entrevistados 'conservadores': concentrados nas blue chips, focados no longo prazo e movidos pela crença de que passados de valorização serão repetidos, em outras palavras, acessamos aí a racionalidade interdependente entre os conservadores, pois são justamente através das técnicas de acompanhar o IBOVESPA e de verificar distâncias entre cotações atuais e cotações passadas pelos gráficos que os 'conservadores' tentar antecipar o comportamento do mercado, ou melhor, o comportamento dos demais agentes para tomar suas decisões com referência ao mesmo. Assim sendo, é possível afirmar que a observação do IBOVESPA e análise instintiva dos gráficos são as formas como estes investidores procuram enxergar e interpretar o comportamento e as expectativas dos outros investidores no mercado.