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As iniciativas educacionais desenvolvidas pelas corretoras de valores.

C) Histórico da 'Bolsa de Valores do Brasil' e a caracterização da participação do investidor pessoa física.

2. As iniciativas educacionais desenvolvidas pelas corretoras de valores.

As corretoras de valores disputam clientes entre si oferecendo preços ou pacotes de corretagens, atendimento personalizado, softwares e plataformas de análise, relatórios de análise e

acompanhamento do mercado e, igualmente, diversos cursos e/ou palestras aos clientes.

Uma das estratégias para a atração de novos clientes é a promoção de palestras gratuitas de introdução ao mercado de ações no espaço físico da própria corretora ou de algum hotel70. Assisti a três dessas palestras, promovidas por duas corretoras distintas. Tais palestras assumem um tom repetitivo para quem já frequentou, como era meu caso, o curso de educação financeira da BMFBOVESPA. Na verdade, elas percorrem o mesmo trajeto, acima descrito, deste curso – estímulo ao planejamento financeiro, incitação a poupar, explanação sobre opções de investimento e apresentação de um estilo operacional 'conservador' - certamente os profissionais que as

prepararam tomam os cursos BOVESPA como inspiração o que, comprova o papel de liderança da instituição como agente de popularização dos mercados de ações.

Assim sendo, estas palestras de introdução também apresentam e defendem a preferência pelas grandes empresas e a crença no longo-prazo e na regularidade cíclica do mercado.

Em uma destas palestras, o palestrante, com intuito de motivar a audiência à adoção deste padrão de comportamento no mercado, conta o caso de uma senhora que ele conhecia. Esta senhora procurou “desde sempre” comprar o que lhe sobrasse de dinheiro em ações de um grande banco: hoje em dia, ela e sua família seriam os maiores acionistas pessoa física do Banco Bradesco. Seguindo o argumento, o palestrante explicava à audiência que comprar qualquer quantia de ações de uma grande empresa equivale a se tornar sócio desta empresa, apresentando então a seguinte pergunta retórica ao público: “ Quem não gostaria de se tornar sócio de uma grande empresa? De uma Vale, Petrobras, de uma Gerdau”?

O palestrante explica que o pequeno investidor deveria focar o longo-prazo e não se preocupar tanto com flutuações diárias, pois se no curto ou médio-prazo as bolsas passam por um 'sobe-e- desce' constante, o longo-prazo revelaria que o sentido das bolsas é sempre ascendente, na medida em que elas acompanham o crescimento da economia real, que também passa por ciclos de alta e baixa, mas cujo sentido geral é sempre a alta, como comprovariam o crescimento dos PIBs dos países ao longo das décadas. Neste sentido, bastaria aos investidores, segundo o palestrante, resgatar lucros quando identificassem os topos de mercado, esperando uma nova baixa para que reinvestissem seu capital nas grandes empresas que escolhessem: tarefa para a qual os operadores

da corretora poderiam ajudar os investidores.

Portanto, estas palestras desenvolvem argumentações e conteúdos muito semelhantes aos cursos

da BMFBOVESPA. Seus públicos também pareciam ser bem amplos: como as palestras são igualmente gratuitas, a impressão é de que poderia 'aparecer de tudo', ou seja, desde indivíduos que já investem e, descontentes por alguma razão com suas corretoras, buscam conhecer outras a curiosos que ainda desconhecem por completo a bolsa. O estilo operacional divulgado nestas palestras é o estilo que, no capítulo seguinte, os entrevistados identificam como 'conservador'. Novamente à exemplo do que vimos no curso BMFBOVESPA, este estilo é apresentado como o mais adequado a maioria dos pequenos investidores, já que ele não exige conhecimentos mais sofisticados sobre o mercado e nem maior tempo disponível para acompanhamento das bolsas.

Cadastrando meu e-mail nestas corretoras, por ocasião destas palestras de introdução, fui então convidado a outras modalidades de palestra e nessas, de fato, pude observar algo bem distinto do estilo 'conservador'.

Como esclarecido no primeiro capítulo, assisti outras três palestras, duas delas sobre plataformas ( softwares) de análise do mercado e outra sobre softwares que apontavam automaticamente pontos de compra e venda das ações.

As plataformas de análise são desenvolvidas e comercializadas( no sistema de assinatura mensal, como um portal de Internet por exemplo) por agências de mídia – este é o caso da AE BROADCAST da Agência de Informações Estado de São PAULO - ou empresas de

desenvolvimento de softwares, caso da CMA 4 SERIES da empresa de softwares CMA.

Uma das palestras de apresentação de softwares que assisti ocorreu justamente no escritório da própria empresa que desenvolveu o software na cidade de São Paulo. O palestrante apresentava noções e ferramentas de análise grafista e demonstrava como a plataforma operacionalizava essas ferramentas de análise. A plataforma tinha dados e preços de cotações atualizados em tempo real, não somente de ativos do mercado brasileiro, mas também de bolsas, moedas e títulos estrangeiros, era possível ligá-la ao home-broker da corretora do cliente e passar ordens de compra e venda diretamente por ela. Também era possível salvar gráficos com as análises feitas pelo investidor, exportar dados de movimentação financeira para o Excel, traçar parâmetros de acompanhamento de um ativo que geram 'alarmes' para avisar o investidor sobre momentos de compra ou venda etc.

Em outra palestra, os programas em questão eram os chamados 'robô-traders', ou seja, os softwares que incorporam um 'trading system', isto é, uma estratégia operacional, analisando

automaticamente ações escolhidas pelo usuário a partir destas estratégias, evidenciando aquelas que se encontram em um bom momento de compra ou venda segundo esta estratégia. Estes softwares são propagandeados como ferramentas que resolvem definitivamente a questão mais sensível

apontada pelos 'professores de bolsa': a blindagem emocional do ato de investir, ou seja, o controle sobre a eventual influência abrupta e perniciosa da subjetividade do investidor na tomada

de decisões, sobre o enviesamento das decisões pela ação dos sentimentos e impressões.

Estes softwares são produtos de um tema que, já há alguns anos, deixou a ficção científica para integrar o universo dos mercados financeiros: as formas de inteligência artificial. Eles são a

realização mais óbvia e radical da perspectiva analítica, apresentada no capítulo 1, da 'performatividade', ou seja, a capacidade de teorias e artefatos técnicos modelarem a ação econômica concretas de agentes e instituições. Os robô traders utilizados por grandes fundos de investimento e de 'hedge' trabalham com o conceito de 'high frequency trading', ou seja, são capazes de disparar, a partir de cálculos algorítmicos, múltiplas ordens de compra e venda por segundo, produzindo um grande volume de pequenos lucros diários no mercado.

A difusão de robô traders no universo dos pequenos investidores ainda é um fenômeno extremamente novo71, em nossas entrevistas, nenhum investidor o mencionou. A única menção ao robô trader foi realizada, rapidamente, por Márcio Noronha, um dos 'professores de bolsa' que entrevistei. Noronha afirmou que poderia programar um robô trader a partir da estratégia operacional que ele utiliza como investidor e ensina em seus cursos e colocá-lo para operar

automaticamente, contudo ele dizia que ainda assim preferia fazer isto por si próprio: ao que parece mesmo os 'professores de bolsa' defendem alguma subjetividade no processo decisório.

O público destas palestras era radicalmente distinto do público que notei nas outras ocasiões, ele era majoritariamente composto por pessoas que já eram clientes das corretoras que promoviam tais palestras e alguns deles revelavam experiência até mesmo com o complexo mercado de opções.

O leque de cursos e palestras de corretoras não contempla apenas demonstrações de softwares de análise, elas também encampam palestras e cursos de análise técnica e fundamentalista, muitas vezes concedidos por 'professores de bolsa', conhecidos entre os pequenos investidores.

Aliás, as associações entre corretoras e estes professores demonstram-se como mais uma das estratégias de concorrência das corretoras, que buscam fidelizar seus clientes através do

oferecimento de palestras com estes professores ou de descontos, a seus clientes, nos cursos que eles oferecem, buscando, de certa maneira, capitalizar o carisma acumulado por estes professores. Do ponto vista dos professores, esta associação também é interessante – revelando-se, portanto, como uma verdadeira simbiose de interesses - já que estes ampliam, através do contato mais próximo com os clientes da corretora, o público que suas mensagens acessam. Partiremos agora justamente para a análise de quatro destes professores.

3. Os 'professores' de bolsa e suas iniciativas educacionais: Márcio Noronha, Marcelo