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C) Histórico da 'Bolsa de Valores do Brasil' e a caracterização da participação do investidor pessoa física.

III. Quem é ( ou deve ser) conservador na bolsa?

A última questão que devemos contemplar antes de partir para a análise individualizada dos

entrevistados 'conservadores' é justamente esta: quem é ou deve ser 'conservador' na bolsa? Como vimos, há um consenso no universo do mercado financeiro acerca da nomenclatura 'conservador' bem como das práticas e visões de mercado a ela associadas: 'conservador' é aquele que investe nas blue chips, focando o longo-prazo e investindo apenas excedentes de poupança que não lhe sejam imediatamente necessários. Mas também parece haver um consenso face a quem deve adotar esta identidade operacional. Embora, muitas vezes, ela seja recomendada – como vimos no capítulo anterior – a todos ou à maioria dos pequenos investidores; certos materiais de educação do pequeno investidor tendem a representá-lo como o estilo absolutamente adequado a certos perfis de

investidor, tanto em seus discursos educativos, quanto nos momentos em que buscam explicar e dar conta do comportamento real destes perfis de investidores.

Nos sites especializados em investimentos, assim como nos portais eletrônicos de bancos e corretoras, encontra-se frequentemente ferramentas para aferição do perfil do investidor. Em geral, tais ferramentas constituem-se em uma série de cerca de vinte perguntas de múltipla escolha sobre as características sócio-econômicas do respondente que, ao fim do questionário, recebe, a partir de suas respostas, seu perfil de riscos – geralmente classificado entre categorias como 'conservador', 'moderado' e 'arrojado' – e sugestões sobre como compor sua carteira de investimentos entre opções como imóveis, ações, fundos de renda fixa etc.

Embora tais questionários possam variar entre si95, nota-se que todos associam fortemente certas características como idade maior que quarenta ou quarenta e cinco anos e número de filhos ao

padrão 'conservador'. Dois de nossos entrevistados rememoram nas entrevistas um livro de auto- ajuda financeira – infelizmente nenhum dos dois lembravam o autor ou seu título, mas ao que parece tratava-se do mesmo livro – em que o autor propõe uma simples equação matemática, que relaciona a idade ao patrimônio do investidor, para se chegar à porcentagem do capital que este investidor deve manter em bolsa. Na equação, como ambos lembravam, quanto maior a idade, menor parte do patrimônio deveria estar alocada em bolsa.

Em geral, portanto, para investidores mais velhos que quarenta anos e/ou com filhos,

recomenda-se menor exposição aos riscos da renda variável, a partir do raciocínio simples de que, com filhos, suas obrigações financeiras são maiores ou que , mesmo sem filhos, possuem menor tempo de vida econômica ativa para recuperar fortes perdas em bolsa, segundo sua idade.

Outro público representado como cativo da identidade operacional conservadora são as mulheres. O crescimento das investidoras em bolsa empolga os agentes e instituições interessadas na popularização do mercado acionário: iniciativas são criadas exclusivamente ao público feminino como o curso 'Mulheres em ação' pela BMFBOVESPA e o site MULHERINVEST, assim como a realização de pesquisas de mercado sobre o comportamento financeiro das mulheres.

Tais pesquisas sobre o comportamento financeiro das mulheres, por exemplo, são unânimes em afirmar que estas possuem um comportamento mais conservador que o registrado pelo público masculino. As pesquisas afirmam que a mulher tende a se preocupar mais com a estabilidade e o longo prazo e a confiar mais na assistência oferecida pelos bancos que os homens. No modo de explicar seus resultados na imprensa, os profissionais que as realizam comumente naturalizam tais diferenças, apontando para a existência de algo como ‘um jeito feminino de investir’, composto por um maior conservadorismo das escolhas, que se justificaria, segundo estes profissionais, em razão do papel e/ou da predisposição maternal das mulheres.

Sandra Blanco, coordenadora do site MULHERINVEST, ao comentar o maior

conservadorismo feminino, argumenta que: "A mulher pensa primeiro no futuro dos filhos, por isso opta por investimentos mais seguros, como a aquisição de um imóvel.” ( CRA, 2009) Cláudio Silveira, sócio da empresa de consultoria Quórum Brasil – que realizou pesquisas sobre o comportamento feminino - afirma que as mulheres não demonstram o caráter ‘imediatista’ dos homens no momento de decidir seus investimentos, observando que: "A preocupação da mulher com o futuro e a família pode justificar esse comportamento" ( UOL, 2009b)

Nosso grupo de entrevistados 'conservadores' não desmente estas produções discursivas a indicar os públicos ideais à identidade de 'conservador' na bolsa. Pois, dos sete entrevistados

'conservadores', dois são homens com idade superior a cinquenta anos, chefes de família com filhos, três são as mulheres que entrevistamos, todas declarando-se 'conservadoras' na bolsa. Os outros

dois, um universitário e um homem de 31 anos, ambos sem filhos, que de fato escapariam à caracterização prevista do 'conservador' declaram-se conservadores por serem iniciantes na bolsa, reputando este estilo ou identidade operacional como uma fase transitória, uma espécie de

familiarização ou iniciação no mercado. Um deles afirma em sua apresentação na entrevista ' sou conservador porque ainda estou experimentando este mercado', o outro identifica-se como 'em fase de aprendizagem', afirmando, em nossos dois encontros, que pretendia fazer investimentos de mais risco em bolsa para o futuro.

Como poderemos observar na análise individualizada dos entrevistados, eles também justificam seu 'conservadorismo' a partir de sua condição de gênero, familiar e/ou etária, evocando, ora, materiais de educação financeira, com os quais tiveram contato - e que corroboravam a associação entre esta condição e a identidade 'conservadora' em bolsa – ora as características, exigências ou responsabilidades advindas de suas identidades ou papéis sociais de 'mulher' ou de 'pai de família', que explicariam seu 'conservadorismo' em bolsa. Em outras palavras, a forma como os indivíduos internalizam e compreendem seus papéis e/ou identidades sociais, sob a mediação do contato com materiais de educação financeira, exerce impacto sobre seus estilos ou identidades operacionais na bolsa.

Em seu trabalho sobre clubes de investimento, Brooke Harrington ( 2008) esclareceu como papéis e/ou identidades sociais construídas e partilhadas pelos membros dos clubes podem operar como indutores de escolhas de investimento na bolsa. Segundo Harrington, face à virtual infinidade de opções de empresas para investimento em uma bolsa de valores96, a identidade de um clube de investimento, constituída através da interação regular entre seus membros, opera como um 'mapa mental' que foca certos setores e empresas que possuem apelo e/ou afinidade a determinadas identidades, excluindo outros e, deste modo, delimitando – a partir de critérios extra-econômicos, de pura afinidade identitária – um conjunto manejável de opções de investimento em relação ao qual as decisões de investimento serão tomadas97. Deste modo, Harrington retrata um clube de investimento composto por aposentados que decide investir em uma empresa por clara afinidade com a biografia de seu fundador, após um dos membros do clube expor a história desse fundador, que havia começado o negócio já em idade avançada. Ela também flagra um clube composto por mulheres que desistem de um investimento nas ações da Harley Davidson por julgarem suas motocicletas perigosas para seus filhos e maridos, ou ainda, o exemplo de um clube formado

96 Lembremos que a BMFBOVESPA conta, por exemplo, com mais de 500 empresas cotadas.

97 A partir de evidências estatísticas sobre a performance de clubes investimento nos EUA, Harrington demonstra que os clubes de composição mista entre os gêneros tendem a ter maior rentabilidade que os clubes formados só por homens ou só por mulheres. O argumento final do livro explica tal superioridade a partir do fato de que o 'mapa mental' dos clubes compostos pelos dois gêneros é mais amplo e diversificado que aquele dos clubes exclusivamente masculinos ou femininos.

primordialmente por engenheiros que recusam uma sugestão de investimento fundada em argumentos sobre o marketing de uma empresa, afirmando ao membro do clube proponente da sugestão, um publicitário, que as decisões do clube deveriam se basear em análises das empresas. ( idem, p. 43-71)

Como se percebe, enquanto o trabalho de Harrington lidava com clubes de investimento, nosso trabalho lida com investidores individuais. Ademais, Harrington trabalha as identidades dos clubes como indutoras de escolhas mais pontuais, como o investimento na empresa A ou B, nossa

dissertação entretanto busca, neste e no próximo capítulo, relacionar papeis e/ou identidades sociais a questões mais amplas, como a definição de padrões de risco e identidades operacionais no

mercado.