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CAPÍTULO II – O ESTILO DE COPINHA

2. Análises

2.1 Copinha e Herbie Mann: Diálogos com o jazz

2.1.2 As gravações

Foram selecionadas três gravações para serem transcritas (completas ou parcialmente), duas de Copinha e uma de Herbie Mann. Em ordem cronológica:

1. “Deve ser amor” (Baden Powell) foi gravada por Herbie Mann e lançada no álbum “João Gilberto e Herbie Mann – with Antonio Carlos Jobim” (Atlantic – 1965). A composição é de Baden Powell, que também participa como violonista, além dos músicos brasileiros Gabriel (baixo) e Papão (bateria)20. A gravação foi feita no Rio de Janeiro em 1962, porém lançado nos EUA pelo selo Atlantic, em 1965. Apesar do que sugere o título, Herbie Mann e João Gilberto não gravaram juntos nas mesmas faixas, o disco é uma mescla de temas gravados por cada um deles21. Tom Jobim participa cantando em uma faixa e assina quase todos os arranjos, com exceção das duas músicas compostas e gravadas por Baden Powell (“Dever ser amor” e “Consolação”). A maior parte das músicas gravadas por Mann são executadas na flauta transversal contralto (flauta em sol).

2. “Lamentos” (Pixinguinha/Vinicius de Morais) foi interpretada por Copinha na versão gravada por Baden Powell, lançado no disco “O som de Baden Powell” (Universal – 1968). Os músicos participantes foram Milton Banana (bateria) e Sergio Barrozo (contrabaixo), além de Baden Powell (violão) e Copinha (flauta).

3. “Chega de Saudade” (Tom Jobim) data de 1974 e foi gravada por Copinha e regional, durante a gravação do programa MPB Especial, dirigido por Fernando

19 Todos os áudios, tanto das músicas completas, quanto trechos dos exemplos musicais, podem ser

escutados neste link: https://soundcloud.com/mai-moraes/sets/o-sopro-de-copinha-reflexoes-sobre-a- flauta-na-musica-popular-brasileira

20 Não foram encontradas informações precisas sobre os músicos que fizeram esta gravação, pois o disco

não possui ficha técnica específica de cada música e segundo pudemos encontrar no site

www.discosdobrasil.com.br, cada faixa foi gravada por diferentes músicos.

21 As gravações correspondentes a João Gilberto são do disco Chega de Saudade, portanto, lançadas

Faro na TV Cultura. Os músicos do regional que acompanhou Copinha foram: Antônio D’Áurea (violão de 7 cordas), Waldomiro Marçola (violão de 6 cordas), Jaime Soares (cavaquinho) e Osvaldo Bitelli (pandeiro). Cada episódio do programa era dedicado a um artista que contava sua vida e tocava sua obra. Em 2000 foi lançado a série de discos chamada “A música popular brasileira deste século por seus autores e intérpretes” pelo selo SESC - SP, contendo todas as entrevistas realizadas nos 20 anos em que o programa esteve no ar.

As duas gravações do flautista brasileiro foram escolhidas dentre as centenas das quais realizou pela seguinte razão: embora tenha gravado uma quantidade incontável de músicas, a maioria dos registros o apresentam tocando a melodia (como é o caso da maioria dos choros), partes arranjadas (introduções, interlúdios, notas de apoio) ou contrapontos melódicos (esses muitas vezes improvisados, mas cumprindo a função específica de acompanhamento). Ou seja, são poucos os momentos em que Copinha aparece improvisando de forma jazzística nas músicas em que gravou como solista ou acompanhador. Por isso, a escolha das versões de “Lamentos” e “Chega de Saudade”, ambas possuem improvisos em um formato mais próximo ao que predomina no jazz, ou seja, executa-se a melodia uma vez, logo é aberta a seção de improvisos até o retorno do tema novamente. Foram escolhidas duas por serem curtos os trechos de cada uma (se comparado ao tempo de improviso de Herbie Mann, por exemplo), e por contemplarem situações distintas: “Lamentos” foi gravada em estúdio, enquanto que “Chega de Saudade”, por ter sido gravada em um programa de entrevista, tem um caráter mais informal. Vale ressaltar que “Chega de Saudade”, mesmo tendo longas frases de improviso, não obedece exatamente ao formato de improviso jazzístico, pois alterna constantemente entre melodias do tema e melodias improvisadas. Este assunto será aprofundado na análise mais adiante. A questão da instrumentação também é fator importante, em “Lamentos” Copinha é acompanhado por uma versão “abrasileirada” do clássico trio de jazz (baixo, bateria e violão substituindo o piano) e na segunda é acompanhado por um regional de choro em seu formato tradicional (violão 7 cordas, violão 6 cordas, cavaquinho e pandeiro).

“Deve ser amor”, em versão de Herbie Mann, foi selecionada, porque além da música ser de compositor brasileiro, também foi executada por músicos brasileiros. Isso auxilia na comparação entre os dois flautistas, pois ficam mais evidentes as diferenças

entre um e outro quando analisados em ambientes similares. Entre “Deve ser Amor” e “Lamentos” é interessante ressaltar a diferença de apenas 3 anos do lançamento entre uma e outra. Isto abre a possiblidade de que Copinha tenha recebido influência do jazzista, embora não possamos afirmar com certeza pela ausência de registros biográficos que tragam essa confirmação. Através da análise apresentaremos indícios musicais que fortalecem esta proposição, apesar de ser muito difícil chegar a uma afirmação conclusiva.

Nesta comparação de Copinha, flautista brasileiro, com Herbie Mann, flautista norte-americano, o principal assunto que nos atrai é a improvisação, por isso a análise foi organizada de modo a destacar este aspecto das gravações.

Importante ressaltar que as transcrições das gravações de Copinha foram escritas na fórmula de compasso 2/4, enquanto que a de Mann está em 2/2. Nos momentos em que comparamos ritmicamente os trechos de um e outro deve-se considerar a transposição dos compassos.

Forma

“Deve ser amor” é uma música composta em duas partes (parte A e parte B, ambas de 8 compassos) com forma AABA. Na gravação, a estrutura é a seguinte:

Tema: Introdução – A – A – B – A Improviso em: (A – A – B – A) x 3

Variação do tema em: A – A/ Improviso em B/ Variação do tema em: A Tema: A – A – B – A

Improviso em: A – A (termina em fade out)

“Lamentos” é um choro de duas partes (parte A - de 24 compassos - e parte B - de 32 compassos), normalmente tocados na seguinte ordem: A A B B A B B A Coda. Originalmente, a parte A está em Ré Maior e a parte B em Si menor, porém neste arranjo

a parte B, ao invés de ser tocada no tom relativo menor, é transposta para o homônimo menor, ou seja, Ré menor.

A versão de Baden Powell tem a seguinte forma:

Tema: Introdução A – A – B Improviso em: A

Coda

“Chega de Saudade” é também uma música em duas partes (parte A e parte B) e na versão de Copinha é tocada da seguinte forma:

Tema: Introdução A – B Improviso: A

A tabela abaixo mostra a sequência de partes em que é tocada a música e em quais delas são realizados os improvisos (grifo vermelho):

Deve ser amor Intro A A B A A A B A A A B A A A B A A A B A A A B A A A Lamentos Intro A A B A Coda

Chega de Saudade

Intro A B A

Tabela 2 – Estrutura formal das três gravações

É evidente o maior destaque dado ao improviso na gravação do flautista Herbie Mann em relação às duas gravações de Copinha. Por ser um tema mais curto (o chorus completo possui 32 compassos) é repetida mais vezes, porém podemos notar que mais da metade da gravação é reservada ao improviso, enquanto que em “Chega de saudade” e “Lamentos”, menos de um terço do tempo total da gravação é improvisada. Isso mostra que, mesmo incorporando um procedimento de improvisação jazzístico, ainda há um certo pudor em encarar determinado repertório de música brasileira da forma como se procede em um standard de jazz. “Deve ser amor”, ainda que composta por um brasileiro, é uma música que propicia o improviso, pois seu tema é curto e a melodia, assim como a

harmonia, é mais simples. Já “Lamentos” e “Chega de Saudade” possuem uma estrutura um pouco mais complexa: as seções são mais longas e com desenhos melódicos mais sinuosos, o ritmo harmônico é mais rápido, apresentam inversões de acordes, entre outras características que tornam a música menos propícia ao improviso.

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