• Nenhum resultado encontrado

3. ANÁLISE DAS TRADUÇÕES

3.9 As ilustrações

3.9.1 As ilustrações da edição de 1967

A capa da edição de 1967 merece destaque nesta análise porque ela contém uma ilustração de Mary Poppins voando sobre os telhados das casas, diferente-mente da edição em inglês de 1962, que contém só o rosto da personagem. Para melhor compreensão, é preciso ver a figura 3 da subseção 2.2.1, que descreve a edição de 1962, e a figura 5 da subseção 2.2.2, que descreve a edição traduzida por Grieco. O desenho da capa da edição de 1967 é em preto e branco sobre fundo com listras cor de rosa. Assim, a estratégia adotada nessa capa sugere que ela foi adaptada para atender às exigências do mercado brasileiro, que provavelmente tinha a imagem da babá voadora em mente a partir da popularidade do filme Mary Poppins dos Estúdios da Disney, de 1964. A quarta capa dessa edição, que contém

PUC-Rio - Certificação Digital 1412284/CA

uma foto de Julie Andrews como Mary Poppins (ver figura 6 da subseção 2.2.2), corrobora essa sugestão.

Quanto ao conteúdo da obra, a edição de 1967 traduzida por Grieco apresen-ta a maioria das ilustrações criadas por Shepard e contidas nas edições de 1962 e de 1997, com uma exceção: o acréscimo de duas figuras iguais entre si contendo os personagens do livro. Cada uma dessas figuras ocupa duas páginas e, como já dito, aparece duas vezes no livro (2ª capa e folha de guarda; folha de guarda e 3ª capa). Assim, a edição de 1967 contém 43 ilustrações em preto e branco feitas por Shepard. De forma semelhante às edições em inglês de 1962 e 1997, na edição de 1967 há quinze figuras maiores contendo legendas com frases retiradas do livro. As demais figuras são pequenas e sem legendas. Essas legendas são um item inte-ressante por serem dispensáveis do ponto de vista da compreensão do leitor. Isso acontece porque o texto do livro é mais do que suficiente para explicar as ima-gens, o que pode ser comprovado pelo fato de as figuras menores não terem le-gendas.

Além disso, na edição brasileira de 1967 as imagens são posicionadas em locais semelhantes àqueles da obra fonte. Esse posicionamento permite que as ilustrações não antecipem questões que o texto ainda não mencionou. A seguir estão duas ilustrações exemplificativas: a primeira ocupa a página inteira e tem legendas (M.P., Grieco, 1967, p. 40), e a segunda está mesclada ao texto (ibid, p. 90):

Figura 14: Ilustrações do chá com tio Peruca e a mulher dos passarinhos

PUC-Rio - Certificação Digital 1412284/CA

A figura à esquerda mostra o tio Peruca, Mary Poppins e as crianças Jane e Michael tomando um chá pouco convencional (estavam todos voando e rindo de-vido ao gás do riso). Essa imagem só aparece páginas depois que a situação é des-crita no texto, dando assim bastante tempo para o leitor imaginar a cena antes de ver a ilustração de Shepard. Da mesma forma, a figura da mulher dos passarinhos localizada à direita só é mostrada na última página do capítulo a seu respeito.

Outro comentário importante a ser feito e que pode ser depreendido das imagens acima é que na edição de 1967, assim como no texto de partida de Tra-vers, não há destaque especial para as ilustrações. É como se elas fossem uma sequência do texto, já que são em preto e branco e o texto também é. Nesse senti-do, pode-se dizer que há certa fluidez entre o verbal e o visual.

Outro ponto a se considerar na edição de 1967 são as ilustrações que contêm texto e como esse texto é tratado. A seguir, há três exemplos desse tipo de situa-ção, retirados de três locais distintos do livro (M.P., Grieco, 1967, p. 25, 106 e 124):

Figura 15: Ilustrações contendo texto

O texto da primeira figura à esquerda não foi traduzido para o português, embora exista na edição original de 1962 e 1997. Contudo, como o texto da ilus-tração fonte é praticamente ilegível e não tem relevância para a história, as letras da figura em português foram distorcidas e aparecem como traços sem significado algum. Não obstante, é um caso que merece atenção, pois, em outra situação, tal modificação poderia ter afetado a situação retratada pela figura.

A segunda figura anterior mostra objetos da loja da sra. Corry: bolinhos de gengibre decorados com estrelas, pirulitos e potes de balas. Como é possível ver na ilustração, o pote de balas (acid drops, em inglês) virou frasco de cola. Nesse caso específico, a alteração do texto se encaixa na situação do livro porque a sra. Corry, suas filhas e Mary Poppins prendem as estrelas dos bolinhos de gengibre no céu com cola, para o espanto de Jane e Michael. Assim, muito embora o texto em português não reflita exatamente o texto do original, ele funciona no contexto

PUC-Rio - Certificação Digital 1412284/CA

de chegada. Porém, é uma situação que poderia ter gerado consequências prejudi-ciais à obra caso a tradução do texto da figura não se encaixasse na trama da histó-ria. Essa questão parece ser apenas um detalhe e, por isso, é muitas vezes relegada a segundo plano pelo adulto. Contudo, as crianças e os jovens são atentos aos de-talhes e rápidos em criticar pontos de inconsistência, caso haja32.

A terceira figura anterior mostra um detalhe de uma ilustração maior, con-tendo o Almirante Bum dentro de uma jaula no zoológico, como se fosse um bi-cho preso. A placa exibida na imagem foi traduzida a fim de representar o perso-nagem enjaulado. Como já foi visto na seção 3.4 sobre nomes próprios, o nome encontra-se traduzido em sintonia com o texto da edição de 1967, atendendo às exigências do contexto meta.

As duas próximas figuras são exemplos de ilustrações que não estão em harmonia com o texto, ou seja, a imagem diz uma coisa e o texto diz outra (M.P., Grieco, 1967, p. 135 e 146):

Figura 16: Ilustrações que não estão em harmonia com o texto

No caso da figura à esquerda, o texto menciona que as crianças encontram uma jiboia, que é uma cobra conhecida no contexto brasileiro. Contudo, conforme já mencionado na subseção 3.3.3 sobre vocabulário desconhecido do público in-fantojuvenil, a ilustração não mostra uma jiboia, mas uma cobra-real (em inglês, Travers usou o termo Hamadryad) com parte do seu corpo erguido e as abas aber-tas por trás da cabeça33. Assim, informações incorretas são fornecidas,

32 Esse comentário surge da minha experiência de treze anos como professora de crianças e jovens, bem como de oito anos como autora de livros didáticos infantis para ensino de inglês como se-gunda língua. 33 https://pt.wikipedia.org/wiki/Cobra-real, acessado em 29/01/2016. PUC-Rio - Certificação Digital 1412284/CA

mente acreditando-se que o leitor infantojuvenil não saberá a diferença. Há, então, uma subestimação da capacidade de percepção do leitor.

A figura da direita mostra os brinquedos comprados pela personagem Maia para presentear suas irmãs: um fogão com panelas, uma vassoura, uma corda de pular, um livro, um bambolê, um pião e um pato de borracha. Porém, no texto o pião foi substituído por uma caixa de música (ver seção 3.6) e, assim, texto e figu-ra não combinam. Esse é apenas um detalhe, pois a ilustfigu-ração é pequena e os brinquedos retratados não estão muito claros.

E como Mary Poppins é retratada nas figuras? A seguir encontram-se quatro ilustrações da personagem (M.P., Grieco, 1967, folha de guarda, p. 17, 45 e 152):

Figura 17: Ilustrações de Mary Poppins feitas por Shepard

As figuras mostram uma mulher magra, que não é bonita nem muito simpá-tica, com um nariz arrebitado, usando um sobretudo, vestido, xale, sapatos femi-ninos, chapéu adornado com flores, luvas, bolsa e sombrinha. O que diz o texto traduzido por Grieco? Mary Poppins tem “cabelo negro e lustroso” e “parece uma boneca de madeira com cabeça pintada” (M.P., Grieco, 1967, p. 16). É “magra, de pés e mãos compridos e finos” (ibid, p. 18). Sua cabeça é “erguida e cheia de alti-vez” (ibid, p. 22). A maioria dos elementos das figuras (xale, chapéu, bolsa etc.) é mencionada mais de uma vez ao longo do livro com destaque para a sombrinha exótica que possui uma cabeça de papagaio na ponta do cabo (ibid, p. 25). Ao longo do texto, Mary Poppins é vista como severa, silenciosa, brava e misteriosa, características abstratas, mas que condizem, dentro do possível, com as ilustrações acima. PUC-Rio - Certificação Digital 1412284/CA

Em resumo, percebe-se que a estratégia geral adotada em relação às ilustra-ções da edição de 1967 foi a de seguir a obra de partida. Ou seja, as figuras são, em geral, as mesmas do original de Travers, e seu posicionamento ao longo da obra também é bastante semelhante ao do texto fonte. Nas poucas ilustrações que contêm texto, ele foi tratado de formas distintas, dependendo da situação. Em momentos em que o texto da obra foi reescrito para atender às exigências do con-texto brasileiro (por exemplo, Hamadryad que virou jiboia e top que virou caixa de música), as figuras se mantiveram como no contexto de partida, gerando algu-mas inconsistências entre texto e imagens. No caso dessa edição de 1967, as ilus-trações são secundárias ao texto, complementando-o sem ofuscá-lo. Elas aguçam a curiosidade e imaginação dos leitores, promovendo uma leitura que agrega ele-mentos visuais e textuais.