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As infrações e as sanções tributárias e os regulamentos

No documento Competência Regulamentar Tributária (páginas 81-86)

CAPÍTULO 2 – DA COMPETÊNCIA REGULAMENTAR TRIBUTÁRIA

2.5 As infrações e as sanções tributárias e os regulamentos

Lopes Paulino destaca que, “como corolário do princípio da legalidade, a tipicidade determina que a lei especifique, de maneira clara e inequívoca, os elementos descritores do fato jurídico ‘infração’ e os dados prescritores da relação jurídica sancionatória”.92

Com efeito, os regulamentos, como atos administrativos normativos, não estão habilitados a criar infrações ou prever sanções tributárias, nem mesmo podem extrapolar o conteúdo significativo dos elementos essenciais da norma sancionatória ou, o que é pior, buscar, diante da ausência de um desses elementos, defini-los do nada em caráter inaugural.

Tomemos como exemplo a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 304/2003, que instituiu a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob) e tornou sua apresentação obrigatória para determinadas classes de pessoas jurídicas, sob pena de aplicação das sanções previstas em seus arts. 3.º, caput, II, e 4.º, caput, que assim dispõem:

Art. 3.º A pessoa jurídica que deixar de apresentar a Dimob no prazo estabelecido no artigo anterior, ou que apresentá-la com incorreções ou omissões, sujeitar-se-á às seguintes multas:

[...]

II – cinco por cento, não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta.

Art. 4.º A omissão de informações ou a prestação de informações falsas na Dimob configura hipótese de crime contra a ordem tributária prevista no art. 2.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

Ressalta-se que a Dimob constitui obrigação acessória criada com o objetivo de fornecer ao Fisco instrumentos para a fiscalização daqueles que vendam ou adquiram imóveis ou que paguem ou percebam aluguéis, tanto que são exigidos das construtoras ou incorporadoras, imobiliárias e administradoras de imóveis as quais deverão identificar as partes contratantes e o valor das operações realizadas. Contudo, como se pode notar, tal obrigação acessória, assim como a sanção para o seu descumprimento, foram veiculadas por meio

92 PADILHA, Maria Ângela Lopes Paulino. As sanções no direito tributário cit., p. 104.

de instrução normativa (ato infralegal), o que ensejou o questionamento por parte do “Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação, Administração, Incorporação e Loteamento de Imóveis e dos Edifícios Residenciais e Comerciais do Estado do Paraná”.

O desate da controvérsia deu-se com o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 961.284/PR, em sede do qual ficou consignado, quanto à obrigação acessória, que não existiria óbice à sua criação por meio de ato normativo da Administração Pública já que, por interpretação conjunta dos arts. 96, 100 e 113, § 2.º, do CTN, as obrigações acessórias decorrem da “legislação tributária” e essa definição também comporta as normas infralegais. Por outro lado, no que concerne à penalidade pecuniária veiculada, concluiu-se que a instrução normativa, embora tenha se reportado expressamente ao art. 57 da Medida Provisória 2.158-35/2001 e ao art. 2.º da Lei 8.137/1990, neles buscando seu suporte de validade, acabou por desbordar dos dispositivos legais referidos, incorrendo em ilegalidade.

Vale destacar que o art. 57 da Medida Provisória fazia referência inequívoca ao valor das transações “próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário”, o que restou suprimido na redação do art. 3.º, II, da Instrução Normativa 304/2003. Em última instância, o ato normativo teria ampliado os limites subjetivos da sanção pecuniária estendendo-a a novas categorias de pessoas jurídicas. Não bastasse isso, a previsão no art. 4.º da referida instrução, de que “a omissão de informações ou a prestação de informações falsas na Dimob configura hipótese de crime”, atrita com o disposto no art. 2.º da Lei 8.137/1990 consoante a qual para configuração de crime se faz necessário “fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar fraudes, para eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento do tributo”. Por outras palavras, o crime tributário deve advir de “falsidade” ou “omissão” inerente às próprias obrigações tributárias que tais empresas estão obrigadas a apresentar, e não das informações da Dimob, cuja finalidade é conferir à Fazenda informações suficientes à fiscalização das transações imobiliárias. O acórdão ficara ementado nos seguintes termos:

Tributário. Poder regulamentar. IN SRF 304/03. Sanções. Multa pecuniária. Ilícito penal. Princípio da legalidade. 1. Ao disporem sobre sanção pecuniária e ilícito penal decorrentes da apresentação incorreta da Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias – Dimob, as normas contidas nos arts.

3.º, II, e 4.º da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n.º 304/2003 extrapolaram o art. 57, II, da MP n. 2.158-35/2001, em combinação com o art. 16 da Lei n. 9.779 de 1999 e com o art. 97, V, do CTN. 2. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp 961.284/PR, 2.ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 22.09.2009, DJe 05.10.2009).93

Como abordado, perfilamos entendimento que exige instrumento legislativo para criação, em caráter inovador, de obrigações acessórias.

Portanto, além de a instrução normativa em apreço ser ilegal por dispor sobre matéria de sanção pecuniária e ilícito penal, também não estaria habilitada a veicular obrigações acessórias autônomas tal como é a exigência de fornecimento da Dimob. Como se relatou, pensamos que o próprio art. 16 da Lei 9.779/1999, de cuja essa instrução haure seu fundamento de validade é inconstitucional na medida em que realiza uma delegação demasiadamente ampla e sem qualquer critério balizador para que a Receita Federal crie, a seu bel-prazer, obrigações acessórias. Tal atribuição dilargada parece-nos que irremediavelmente malfere o princípio da legalidade.

Outro exemplo que merece ser colocado em evidência diz respeito à questão envolvendo os selos de controle do IPI. Com o objetivo de evitar que empresas em situação de irregularidade fiscal no desenvolvimento de suas atividades operacionais pudessem assumir uma posição de vantagem em relação aos seus concorrentes, a Receita Federal do Brasil passou a veicular,

93 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial 961.284/PR. Relator:

Ministro Castro Meira. Julgamento 22.09.2009. Órgão Julgador: Segunda Turma.

Publicação: DJe 05.10.2009. No mesmo sentido concluiu a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.035.244 sob relatoria do Ministro José Delgado: “Tributário. Recurso especial. Penalidade. Princípio da legalidade. 1.

Inviável, por via de Instrução Normativa, ampliar o conteúdo de objetivo punitivo tributário. 2. Qualquer multa por descumprimento de obrigação acessória depende de ter previsão legal. 3. As penalidades previstas nos artigos 3.º, II, e 4.º do INSRF 304 extrapolam dispositivos legais (art. 57, II, da MP n. 2.158-35/2001, combinado com o art. 16 da lei n. 9.779/1999 e com o art. 97, V, do CTN). 4. A INSRF 304, de 21.02.2003, que instituiu a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob), não pode, em desacordo com a lei, instituir hipótese de crime. 5. Afastamento da aplicação do art. 3.º, II e art. 4.º da IN n. 304/03. Ilegalidade. 6. Recurso especial não provido” (STJ, 1.ª Turma, Recurso Especial 1035244/PR, Rel. Min. José Delgado, j. 20.05.2008, DJe 23.06.2008).

via regulamento, o dever do contribuinte de IPI de comprovar o recolhimento do imposto e a inexistência de débitos para com a Fazenda Nacional, sob pena de não lhe conceder o direito de registro especial e o fornecimento de selos de controle.

Apesar de o cerne da questão estar relacionado, de um lado, à

“sanção política” engendrada pela Administração Pública (tendo em vista que a Secretaria da Receita Federal condicionou o livre exercício da atividade econômica do contribuinte à comprovação da inexistência de débitos, coagindo-o por via oblíqua ao recolhimento do imposto) e, de outro, a argumentos atinentes aos desequilíbrios de concorrência (posto que empresas que atuam em situações de irregularidade fiscal tendem a obter, cada vez mais, vantagens e condições favoráveis ao domínio do mercado), considerações de ordem formal, como a possibilidade de ato normativo administrativo criar uma obrigação para o contribuinte e impor-lhe uma sanção consistente em uma restrição de seus direitos – negativa de fornecimento do selo de controle –, não passaram despercebidos pelos Tribunais. Vejamos:

Selos de controle de IPI. Contribuinte em débito com a Fazenda Pública. O princípio da legalidade em matéria tributária está insculpido no texto constitucional. Quer isso dizer que entre nós e no regime jurídico em que vivemos só a lei stricto sensu, ou seja, o instrumento resultante do processo legislativo constitucional, pode obrigar o contribuinte ou restringir-lhe direitos. Tal construção tem fundamento na segurança jurídica ou certeza do direito. Os arts. 223 e 234 do Decreto n.º 4.544/02, ao restringirem direitos do contribuinte, implicaram ofensa ao princípio da legalidade. Outrossim, cabe ser afastada a aplicação da Instrução Normativa n.º 73/01, da Secretaria da Receita Federal. Descabida a exigência de prévio recolhimento de valores devidos pelo contribuinte para o fornecimento dos selos de controle de IPI – Súmula n.º 547 do STF (TRF4, 1.ª Turma, Apelação em Mandado de Segurança 2004.71.08.007748-0, Des. Federal Vilson Darós, DJU 26.07.2006).94

Tributário. Selos de controle de IPI. Negativa de fornecimento em razão de débito com a Fazenda Pública. Princípio da legalidade. Sanção política. Limite ao livre exercício da atividade econômica. Ilegitimidade. Súmula 547 do STF. 1. O

94 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Apelação em Mandado de Segurança n.º 2004.71.08.007748-0. Relator: Des. Federal Vilson Darós. Órgão Julgador: Primeira Turma.

Publicação: DJU 26.07.2006.

art. 234 do Decreto n.º 4.544/02, que condiciona o fornecimento de selos de controle de IPI à comprovação da regularidade no recolhimento do tributo, constitui ofensa ao princípio da legalidade, porquanto estabelece obrigação ao contribuinte e restringe-lhe direitos sem o devido respaldo legal, por meio de simples ato do Poder Executivo, extrapolando o âmbito do poder regulamentar outorgado. 2. A negativa de fornecimento de selos de controle de IPI em razão de situação de inadimplência fiscal implica sanção política obstativa do livre exercício da atividade econômica pelas empresas que industrializam bebidas alcoólicas e que, para tanto, necessitam das estampilhas, resultando em ofensa ao art. 170 da CF. Súmula n.º 547 do STF (TRF4, 2.ª Turma, Apelação/Reexame Necessário 2005.71.08.005560-8, Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, por unanimidade, DE 08.01.2009).95

Diante do exposto, nota-se que os agentes públicos não estão autorizados a criar quaisquer tipos de sanções, sejam multas, sejam imposições de deveres formais ou restrições de direitos. Não podem ainda arriscar dispor sobre um dos aspectos da norma sancionatória ou ultrapassar os limites definitórios estipulados na lei. Se o instrumento legislativo não delinear em termos pormenorizados a sanção criada ou, ao menos, estipular limites e critérios dentro dos quais a autoridade fazendária poderá atuar, será inconstitucional. Se o ato da Administração Pública for além da previsão traçada na lei, terá extrapolado sua competência regulamentar e será ilegal.

No documento Competência Regulamentar Tributária (páginas 81-86)