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Isenções, remissões, anistias, incentivos fiscais e regulamentos

No documento Competência Regulamentar Tributária (páginas 86-200)

CAPÍTULO 2 – DA COMPETÊNCIA REGULAMENTAR TRIBUTÁRIA

2.6 Isenções, remissões, anistias, incentivos fiscais e regulamentos

art. 234 do Decreto n.º 4.544/02, que condiciona o fornecimento de selos de controle de IPI à comprovação da regularidade no recolhimento do tributo, constitui ofensa ao princípio da legalidade, porquanto estabelece obrigação ao contribuinte e restringe-lhe direitos sem o devido respaldo legal, por meio de simples ato do Poder Executivo, extrapolando o âmbito do poder regulamentar outorgado. 2. A negativa de fornecimento de selos de controle de IPI em razão de situação de inadimplência fiscal implica sanção política obstativa do livre exercício da atividade econômica pelas empresas que industrializam bebidas alcoólicas e que, para tanto, necessitam das estampilhas, resultando em ofensa ao art. 170 da CF. Súmula n.º 547 do STF (TRF4, 2.ª Turma, Apelação/Reexame Necessário 2005.71.08.005560-8, Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, por unanimidade, DE 08.01.2009).95

Diante do exposto, nota-se que os agentes públicos não estão autorizados a criar quaisquer tipos de sanções, sejam multas, sejam imposições de deveres formais ou restrições de direitos. Não podem ainda arriscar dispor sobre um dos aspectos da norma sancionatória ou ultrapassar os limites definitórios estipulados na lei. Se o instrumento legislativo não delinear em termos pormenorizados a sanção criada ou, ao menos, estipular limites e critérios dentro dos quais a autoridade fazendária poderá atuar, será inconstitucional. Se o ato da Administração Pública for além da previsão traçada na lei, terá extrapolado sua competência regulamentar e será ilegal.

Como relatado, a competência tributária não abarca somente a habilitação para a instituição ou majoração do tributo, mas também encampa a autorização para a criação de isenções, que podem ser concedidas apenas quando destinadas à realização de finalidades constitucionalmente consagradas.

Sob a perspectiva doutrinária, pode-se afirmar que as teorias voltadas para a elucidação do fenômeno da isenção, na dialética ínsita do discurso científico, completaram-se e aprimoram-se ao longo do tempo, não sendo errôneo arriscar a dizer que são em resumo três as teorias que buscam explicar a “isenção tributária”: (i) isenção como dispensa legal do pagamento do tributo;96 (ii) isenção como hipótese de não incidência tributária legalmente qualificada;97 (iii) isenção como “regra de estrutura” que mutila parcialmente um dos critérios da regra-matriz de incidência tributária.98

Não nos aprofundaremos nessas distinções conceituais. Fiquemos apenas com a noção apresentada por Paulo de Barros Carvalho,99 por ser elucidativa e esclarecedora, de que a isenção tributária é uma regra jurídica que investe contra um ou mais dos aspectos da regra-matriz de incidência tributária, reduzindo-lhe o âmbito de abrangência. A isenção poderá atingir tanto o antecedente da norma tributária (minando seu critério material, espacial ou temporal) como o seu consequente (compreendendo o critério pessoal ou o critério quantitativo).

96 No sentido, são as lições de Rubens Gomes de Souza: “[...] Não se deve confundir o nascimento do crédito em sentido formal com o nascimento da obrigação tributária em sentido substantivo: a isenção, sendo uma dispensa de pagamento, pressupõe, com efeito, a incidência, ou seja, a existência da obrigação tributária substantiva” (SOUZA, Rubens Gomes de. O fato gerador do imposto de renda. Apud BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 161). Na mesma linha, consignava Amílcar de Araújo Falcão: “[...] Com a isenção coisa diversa se passa. Ocorre o fato gerador: o legislador, entretanto, se limita a determinar a inexigibilidade do débito assim surgido” (FALCÃO, Amílcar de Araújo. Imposto de consumo e isenção condicional. Apud BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária cit., p. 161).

97 No sentido, cf. as lições de José Souto Maior Borges (BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária cit., p. 190).

98 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário cit., p. 450.

99 Idem, ibidem.

Colocadas essas premissas, e para os fins deste estudo, há de se ressaltar que também as regras isentivas, por observância do imperativo da legalidade, somente podem ser criadas por lei.100 Relembra José Souto Maior Borges que, “assim como existem limitações constitucionais ao poder de tributar, há limites que não podem ser transpostos pelo poder de isentar, porquanto ambos não passam de verso e reverso da mesma medalha”.101 Na mesma toada, Roque Antonio Carrazza102 é incisivo ao asseverar que tanto a competência para tributar como a competência para isentar estão submetidas ao princípio da legalidade (arts. 5.º, II, e 150, I, da CF), uma vez que a Constituição não teria deixado dúvida de que ninguém deve recolher o tributo ou deixar de fazê-lo (isenção), total ou parcialmente, senão em virtude de lei.

Soma-se a isso a constatação de que no plano infraconstitucional o próprio Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) dispôs em seu art. 97, VI, que só à lei é dado “estabelecer as hipóteses de exclusão do crédito tributário”, uma das quais é justamente a “isenção” (cf. art. 175, I). Nessa senda, ato normativo infralegal que veicule isenção antes de inconstitucional, será ilegal por malferimento da lei complementar em matéria tributária.

Observa-se que as isenções, de uma forma ou de outra, e na linguagem mais leiga, constituem verdadeiros “benefícios ou favores fiscais” a certa categoria de contribuintes. Embora sob a perspectiva técnica possam atingir ora um conjunto determinado de bens, ora uma qualificação específica dos sujeitos passivos, ou ainda certo recorte de espaço territorial, por exemplo, na prática o seu efeito é sempre o mesmo: a não arrecadação do tributo.

Tendo isso em vista, é de concluir que somente a lei, como instrumento proveniente do Legislativo, possui a qualificação suficiente para veicular essa espécie normativa. O que se está querendo dizer é que, apenas

100Lei, aqui, refere-se a instrumentos legislativos lato sensu. Até porque nosso sistema constitucional permite que as isenções possam ser concedidas a) por lei ordinária; b) por lei complementar; c) por tratado internacional devidamente aprovado, ratificado e promulgado;

e d) por decreto legislativo estadual ou do Distrito Federal, em matéria de ICMS.

101BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária cit., p. 8.

102CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário cit., p. 986.

por meio de um processo legislativo dialógico e transparente, possibilitar-se-á aos cidadãos estar a par das eventuais isenções propostas pelos seus representantes, de modo que, assim, possam fiscalizar se tais isenções não se traduzem, a bem da verdade, em privilégios odiosos concedidos sem qualquer critério e sem qualquer respaldo constitucional, em afronta ao princípio da isonomia.

Geraldo Ataliba, em defesa dos órgãos legislativos (federal, estadual, municipal) como únicas fontes normativas do Direito aptas a emanar normas genéricas e abstratas contendo preceitos inovadores vinculantes, já previa essa qualidade inerente às leis. Nas palavras do jurista:

[...] a tessitura informativa do processo de formação das leis garante não só ampla discussão dos projetos, com sua consequente publicidade, como possibilidade de colaboração, crítica, advertência e organização de movimentos de esclarecimento ou, mesmo, pressão sobre os legisladores. É o processo “contraditório” ou dialogal da elaboração do Direito, a que tão enfaticamente se refere Franco Montoro.103

Ora, é de notar que atos administrativos normativos que surgem do labor dos gabinetes dos órgãos do poder Executivo não estão habilitados a conceder isenções tributárias. Eventual decreto regulamentar que crie isenção tributária, ao que nos parece, será descabido e inválido. Embora, na prática, os beneficiados por essa concessão não vão questioná-la, qualquer cidadão poderá propor uma ação popular com o objetivo de provocar o Poder Judiciário para que controle o ato administrativo inválido, retirando-o do ordenamento e, a depender do caso, para que responsabilize (nos termos do art. 85, inc. VII da CF) a autoridade que o editou, sujeitando-a às sanções cabíveis.104

O mesmo pode-se dizer com relação à remissão (perdão legal do débito tributário) que na terminologia do Código Tributário Nacional figura como uma causa extintiva do crédito tributário (art. 156, IV) e da anistia (exclusão do crédito tributário no que concerne às penalidades pecuniárias – arts. 175, II, e

103ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3. ed. atualizada por Rosolea Miranda Folgosi.

São Paulo: Malheiros, 2001. p. 22.

104CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário cit., p. 1003.

180). Ambas somente podem ser criadas por meio de lei editada pela pessoa política tributante (nos termos, inclusive, do citado art. 97, VI, do CTN).

Ademais, vale ressaltar que a própria Constituição Federal dispôs no § 6.º de seu art. 150 que

[...] qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 3, de 1993.)

Infelizmente, a prática demonstra que, não raramente, as Administrações Públicas se valem de atos infralegais para concederem isenções ou outros tipos de favores fiscais para certas categorias de contribuintes com o escopo de estimular a atividade profissional com a geração de mais empregos ou, mesmo, incentivar o desenvolvimento econômico da região. Em outros casos, o que é muito pior, esses benefícios são concedidos tão somente para angariar apoio político. Em qualquer situação, a Constituição estipula uma limitação formal para o desempenho da competência instituidora de isenções: o veículo introdutor há de ser um instrumento legislativo.

Ocorre que na maioria dos casos tais isenções, uma vez criadas por regulamentos, adentram no ordenamento (tornam-se válidas), passam a viger e, não se pode negar, até serem extirpadas, produzem efeitos concretos para seus beneficiados em detrimento da arrecadação e do patrimônio público. O comportamento também é comum no âmbito do ICMS, no qual a exigência para a veiculação de isenções é ainda mais rígida porquanto os Estados e o Distrito Federal tenham de celebrar entre si convênios que, para transformarem-se em direito interno de cada uma dessas pessoas políticas, deverão ser por elas ratificados mediante decreto legislativo. Tal procedimento específico tem por objetivo, como abordado, evitar a “guerra fiscal” entre as diversas regiões do País.

Outra questão interessante que toca diretamente nessa temática é aquela referente às “isenções condicionais”. Como se sabe, as isenções, no que consente aos requisitos exigidos para sua fruição, podem ser tanto

“condicionais” como “incondicionais”. Essas últimas são concedidas de forma gratuita (unilateral), isto é, não dependem do cumprimento de qualquer requisito especial para serem desfrutadas. Aquelas primeiras, por outro lado, são concedidas a título oneroso (bilateral), dado que, para serem fruídas, exigem uma contraprestação do beneficiário que deverá atender e preencher os requisitos apontados na lei isentiva.

Diante do exposto, impende destacar que é a própria lei concessiva da isenção condicional que deverá estipular todos os requisitos necessários para sua fruição pelos contribuintes. Por outros termos, não poderá o legislador deixar ao juízo da administração a tarefa de editar, por meio de atos normativos, os termos das condições exigidas para o desfrute do benefício.

Tais exigências, por imperativo de legalidade, hão de estar previstas e delineadas no instrumento legislativo. Aliás, não é difícil concluir que, ao pretender dispor sobre os requisitos para a concessão de isenção, o Executivo também poderá atuar de forma não isonômica, ora beneficiando, ora prejudicando determinados contribuintes. Portanto, à Administração Pública caberá tão somente proferir o ato individual e concreto concessivo da isenção pleiteada. Por outros termos, as autoridades administrativas apenas estão habilitadas a verificar se os requisitos dispostos na lei estão presentes naquelas situações específicas que lhes são apresentadas.

Para melhor esclarecer o que estamos intentando elucidar, tomemos o exemplo da Lei 10.865/2004 que condicionou a concessão e a possibilidade de gozo do benefício da redução a zero das alíquotas de PIS e Cofins incidentes sobre a importação de determinados produtos à regulamentação expedida ao juízo do Poder Executivo. Previu o inciso II do § 13 do art. 8.º dessa Lei que “o Poder Executivo poderá regulamentar [...] a utilização do benefício da alíquota zero” para uma série de produtos previstos no § 12 do mesmo dispositivo (materiais e equipamentos destinados ao emprego na construção de embarcações; papéis para a impressão de jornais; máquinas e

equipamentos para a indústria cinematográfica, aeronaves, entre outros).

Pensamos que a Constituição Federal não prevê delegações como essa. Em última instância, o Poder Executivo fica autorizado a condicionar a fruição do benefício e, por via de consequência, determinar se o fato é tributável ou não tributável (sujeito à alíquota zero). Luís Eduardo Schoueri, ao tratar da questão, assevera que, nesse caso, “ardilosamente, fixou-se, por lei, ampla base de tributação, deixando-se ao alvitre do Poder Executivo a expedição de atos normativos concedendo benefícios fiscais”.105

Situação diferente dá-se quando o ato individual e concreto da Administração tributária figura como uma “condição de aplicabilidade da lei”.

Isto é, a própria lei concessiva da isenção ou do incentivo fiscal estipula os requisitos (as exigências) a serem observados, mas estabelece que somente irromperá sua eficácia e surtirá seus efeitos com a expedição de um ato administrativo do órgão competente encarregado de verificar a presença das condições no caso concreto. Constatado o preenchimento das exigências estipuladas em lei, defere-se o benefício. Não constatado, indefere-se o benefício.

Mais uma vez, valemo-nos das lições de Schoueri:

Uma coisa é o papel do Poder Executivo na criação do tributo (ou na definição de sua hipótese), que é reservado ao legislador, sem qualquer delegação. Outra situação é o legislador, ao descrever a hipótese tributária, incluir atos da Administração. Estes já não aparecem, neste caso, em sua função normativa, mas como meros fatos jurídicos, que, em conjunto com tantos outros fatos previstos na hipótese, dão por concretizado o fato jurídico tributário.106

105SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário cit., p. 316.

106SCHOUERI, Luís Eduardo. A legalidade e o poder regulamentar do Estado: atos da administração como condição para aplicação da lei tributária. In: PARISI, Fernanda;

TORRES, Heleno; MELO, José Eduardo Soares (Coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Roque Antonio Carrazza. São Paulo: Malheiros, 2014. v. I, p. 194 e ss.).

O mesmo se diga sobre a norma jurídica veiculadora da isenção ou do incentivo tributário: uma coisa é o papel do Poder Executivo na criação da isenção (na definição de sua hipótese ou, adicionamos, na de seus requisitos), que é reservado ao legislador, sem qualquer delegação. Outra situação é o legislador, ao descrever a regra isentiva, incluir atos da Administração. Estes não vão figurar em sua função normativa (regulamentar), mas como meros fatos jurídicos.

Veja-se, por exemplo, a chamada Lei 7.713/1988, que estabelece isenção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre os rendimentos relativos a aposentadorias, pensão ou reforma para pessoas portadoras de doenças graves.107 Caso o contribuinte preencha os requisitos predispostos na lei, deverá solicitar a realização de laudo pericial que comprove a sua moléstia nos órgãos administrativos competentes. No caso de pessoas que recebem por meio do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), será necessário levar a documentação até o órgão onde ela será analisada por um médico próprio. Se for considerada apta, o próprio INSS encarregar-se-á de cessar a dedução do imposto. Em casos como esses, pensamos que é plenamente legítima a atuação da Administração Pública, na medida em que o ato administrativo figura como uma condição de aplicabilidade da lei. Por outras palavras, a norma de isenção existe, é válida e é vigente, mas somente surtirá seus efeitos de desnaturação da incidência tributária para aquela classe específica de contribuintes (“os portadores de moléstia grave”) após um ato autorizativo administrativo.

Outro interessante exemplo, no que concerne aos incentivos fiscais, pode ser vislumbrado na “Lei Rouanet” (Lei 8.313/1991) que institui o Programa

107Consoante o inciso XIV do art. 6.º dessa Lei, ficam isentos do imposto de renda “os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”.

Nacional de Apoio à Cultura/Pronac, cujo texto legal veicula uma série de benefícios tributários. Depreende-se que para fazer jus a tais incentivos o legislador exige, entre outros requisitos, que o projeto cultural seja apresentado ao Ministério da Cultura a quem cabe decidir acerca de seu enquadramento na Pronac. Também aqui nos parece que o órgão administrativo não decide acerca das condições e requisitos para a concessão ou não do incentivo, mas tão somente verifica se aqueles estão presentes no caso concreto. Merecem destaque, por serem esclarecedores, os registros de Luiz Eduardo Schoueri:

Vê-se que uma das condições de eficácia da lei que concede o incentivo tributário é um ato, individual e concreto, da própria Administração Pública. Não fica ao arbítrio desta, contudo, decidir se o incentivo fiscal deve, ou não, ser concedido. O legislador por meio de conceitos indeterminados, dispõe sobre os requisitos para os incentivos. A Administração, por sua vez, concretiza o conceito ao reconhecer a presença de tais requisitos.108

Via de regra, incentivos fiscais são precedidos de certas condições que devem ser preenchidas por aqueles que pretendam usufruir do benefício.

O referido autor109 ainda relata outros exemplos como a Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438/2006) que permite a dedução do imposto de renda pelas pessoas físicas ou jurídicas dos valores despendidos a título de patrocínio ou doação no apoio direto a projetos desportivos e paradesportivos. Tal projeto também deverá ser aprovado por um órgão da Administração Pública (o Ministério do Esporte) cujo ato de aprovação servirá de condição para a aplicação do tratamento tributário correspondente.

O mesmo pode-se dizer, ainda na trilha das lições do indigitado autor, 110 do Regime Especial de Incentivo ao Desenvolvimento da Infraestrutura/Reidi, instituído pela Lei 11.488/2007, que prevê a suspensão, com posterior conversão em alíquota zero, de PIS/Cofins em determinadas transações para pessoas jurídicas que tenham projetos aprovados pela

108SCHOUERI, Luís Eduardo. A legalidade e o poder regulamentar do Estado: atos da administração como condição para aplicação da lei tributária cit., p. 211.

109Idem, p. 212.

110Idem, ibidem.

Administração para a implantação de obras de infraestrutura nos setores de transportes, energia, saneamento básico ou irrigação. Não se demora a perceber que a adesão a esse regime e a fruição dos efeitos tributários dele decorrentes também dependem de um ato individual e concreto que, nesse caso específico, será de competência própria da Secretaria da Receita Federal.

Com efeito, reitera-se que isenções, remissões, anistias tributárias e, ainda, quaisquer outros incentivos fiscais somente podem ser editados por meio de instrumento legislativo. Também perfilamos entendimento de que suas condições e requisitos (mesmo que na prática tenha sido “institucionalizada” a regulamentação, via ato infralegal, das condições para que se fruam benefícios fiscais) hão de estar delineados na lei. À Administração Pública caberá apenas aferir, de forma vinculada, se aquelas condições estabelecidas na lei estão presentes ou não no substrato factual (isto é, se foram preenchidas pelo contribuinte que pleiteia a isenção) ou, no máximo, dentro do âmbito de sua discricionariedade, verificar se as exigências prefixadas para a concessão do incentivo fiscal foram atendidas pelo cidadão que quer fazer jus do benefício.

Entretanto, de nenhuma forma estará habilitada a disciplinar, como lhe convier e por meio de atos normativos, as condições para a obtenção da isenção ou do incentivo.

Passemos agora, no item subsequente, a refletir sobre as imunidades tributárias.

2.7 As imunidades tributárias e os regulamentos

As imunidades tributárias consistem naquelas normas constitucionais que estabelecem a incompetência das pessoas políticas da Federação para tributarem certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.111 Tais normas

111CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário cit., p. 818.

Endossando a mesma ideia, Misabel Derzi doutrina que a imunidade pode ser conceituada como “regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não competência das pessoas políticas da Federação para tributarem certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução

delimitam (no sentido negativo) as competências tributárias das pessoas políticas e junto com estas performam o campo dentro do qual o legislador está habilitado para a criação de tributos. Podem ser definidas, em linguagem técnica, como

[...] a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.112

Consoante as lições de Regina Helena Costa,113 as imunidades tributárias, embora não sejam princípios, decorrem da aplicação ou manifestação de um princípio, denominado “princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação”. Relembra a autora que o texto constitucional previu uma série de direitos e liberdades fundamentais que devem conviver harmonicamente com a atividade tributante do Estado. As normas imunizantes, nesse contexto, vêm exatamente garantir, nas situações e com relação às pessoas que apontam, que a tributação não inviabilize o exercício de direitos constitucionalmente garantidos.

Diante desse cabedal teórico, poderíamos indagar: os regulamentos (como atos normativos administrativos) podem reportar-se às normas de imunidade que, como dito, são de patamar constitucional? Pensamos que a resposta só pode ser negativa. Como fora ressaltado, no direito positivo brasileiro, a atividade regulamentar volta-se tão somente para (i) possibilitar e viabilizar a correta execução de uma lei (regulamentos de execução); (ii) ou, em caráter excepcional, por previsão expressa da própria Constituição e com autorização do Legislativo, dispor de matéria que, em princípio, estaria sob

parcial, a norma de atribuição do poder tributário” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas.

In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 374).

112CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário cit., p. 190.

113COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. Teoria e análise da jurisprudência do STF.

3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 44.

reserva de lei (regulamentos autorizados, habilitados ou delegados).114 Nossa Constituição, portanto, diferentemente da Constituição francesa, por exemplo, não previu espécie de “regulamento autônomo” que se reporte diretamente aos termos do texto constitucional, independentemente de uma lei intermediadora.

Portanto, não se vislumbra como válido juridicamente o exercício de uma competência administrativa regulamentadora de uma norma constitucional de imunidade.

Ademais, o próprio texto constitucional estabeleceu, na hipótese em que condicionou a imunidade, que a exoneração se daria “atendidos os requisitos da lei”. Veja-se o teor do art. 150, VI, c, da CF que, ao estabelecer a imunidade das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, fez constar a necessidade de atender aos requisitos de lei. Por se tratar a imunidade de uma limitação constitucional ao poder de tributar, tal lei só pode ser aquela qualificada como complementar (art. 146, II, da CF). Por conseguinte, a regulação de imunidades, quando previsto, dar-se-á por meio de lei complementar, e não de regulamentos.

Calha, nesse contexto, ressaltar, com espeque em Regina Helena Costa, 115 que as normas imunizantes receberam do constituinte carga normativa suficiente para sua aplicação imediata, não demandando intermediação legislativa para tanto. Aliás, se o próprio art. 5.º, § 1.º, da Constituição dispõe que “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” e levando-se em conta o fato de que as imunidades veiculam direitos subjetivos e garantias ao contribuinte, há de se concluir que também tais normas teriam aplicação imediata.

Nas lições da autora, constata-se que as normas imunizantes podem ser “normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata” (hipótese nas quais serão designadas imunidades incondicionadas, posto independer de outro

114Como vimos, nossa Constituição apenas concebeu esses regulamentos naquelas hipóteses excepcionais em que o Poder Executivo estará autorizado a manejar as alíquotas dos impostos extrafiscais e regulatórios (II, IE, IPI, IOF e CIDE-combustíveis) reduzindo-a ou restabelecendo-a dentro dos limites legais.

115COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias cit., p. 103.

comando para produzir integralmente seus efeitos, a exemplo da imunidade mútua das pessoas políticas – art. 150, VI, a), ou “normas de eficácia contida/restringível e aplicabilidade imediata” (hipótese na qual será denominada imunidade condicionável e, embora também possua aplicabilidade imediata, poderá sujeitar-se a restrições em sua eficácia, a exemplo da citada imunidade das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos – art. 150, VI, c).

De toda forma, consoante os ensinamentos da professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, jamais poderão as imunidades serem qualificadas como “normas constitucionais de eficácia limitada”. Nas suas palavras:

[...] se [...] a norma constitucional não definir, de modo suficiente e expressamente, a situação de exoneração tributária que aponta, remetendo ao legislador infraconstitucional a incumbência de fazê-lo, estar-se-á diante de mera isenção, com fundamento em norma constitucional de eficácia limitada.116

Três conclusões podem-se inferir das lições prenunciadas: (i) somente lei complementar pode regular normas constitucionais imunizantes; (ii) tal regulação somente ocorrerá naquelas situações em que a própria norma constitucional assim requer (hipóteses de imunidades condicionáveis); (iii) esse disciplinamento, via lei complementar, não impede a aplicação imediata da norma constitucional, mas tão somente pode restringir-lhe a eficácia no tocante às exigências relativas à pessoa beneficiária da imunidade.

Nesse contexto, o Código Tributário Nacional, lei complementar em matéria tributária, ao dispor sobre as imunidades dos partidos políticos, das entidades sindicais de trabalhadores e das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, condicionou a sua fruição ao cumprimento, pelas entidades, dos seguintes requisitos delineados no art. 14:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no

116COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias cit., p. 103.

No documento Competência Regulamentar Tributária (páginas 86-200)