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As instâncias de consagração: concessão, acumulação e transferência de capital científico

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.3 As instâncias de consagração: concessão, acumulação e transferência de capital científico

Meadows (1999) aponta mais do que motivos teóricos para a prática da colaboração científica, sugerindo aspectos pessoais que aproximam ou afastam potenciais coautores. Bourdieu (2013, p.23) corrobora o anteriormente exposto ao afirmar que “[...] os efeitos da necessidade estrutural do campo só se realizam por meio da contingência aparente das ligações pessoais, fundadas nos acasos socialmente organizados dos encontros e dos convívios comuns e na afinidade do habitus, vivida como simpatia ou antipatia.” Sendo assim, quanto maior for o capital social do pesquisador, maiores são as possibilidades de mobilizar colaboradores. Isso tanto sob o ponto de vista do capital científico temporal, ao estabelecer alianças políticas, por exemplo, quanto do capital científico puro, ao criar laços colaborativos entre autores que, por conseguinte, aumentam o capital social do pesquisador.

No que concerne ao modus operandi da pós-graduação no país, ele se constitui como processo formativo e de iniciação do orientado no campo acadêmico e se dá – primeiramente – por meio da articulação e concessão do capital social e científico de seu orientador. Essa relação, em especial, busca não só a inclusão de um novo membro no campo (mediante a aprovação dos pares, seja na avaliação de trabalhos ao longo da titulação, seja na outorga do diploma), mas também o prestígio científico dos cursos stricto sensu. Não se pode negar que a obtenção do título de mestre e de doutor, além de permitir a entrada (e locomoção) no campo, chancela e ratifica a erudição tanto do orientando, quanto do orientador, ,pois ambos

constroem o percurso rumo à “[...] objetivação do não objetivado [...].” no referido caso à obtenção de prestígio científico. (BOURDIEU, 2013, p.31).

Em especial, mediante o domínio que assegura sobre as instâncias e os instrumentos de consagração, academias, dicionários, prêmios ou distinções (nacionais, pelo menos), o poder científico institucional [...] chega a produzir o efeito de halo carismático, especialmente sobre os jovens pesquisadores, frequentemente levados (e não somente pelo servilismo interessado) a emprestar as qualidades científicas daqueles dos quais dependem para sua carreira e que podem assegurar-se assim de clientelas dóceis e de todo o cortejo de citações de complacência e de homenagens acadêmicas. (BOURDIEU, 2004, p.39).

Weber (1974) menciona que toda relação de dominação envolve em certa medida uma vontade de obedecer. Por mais cruel e determinista que essa afirmação possa parecer, ao analisar a estrutura do campo acadêmico observa-se que as relações dominante-dominado são fluídas, o que não quer dizer volúveis, ou melhor, para galgar maior capital temporal algumas condutas e comportamentos subservientes são determinadas pela hierarquia do campo. Assim, “[...] sob o risco de me intrometer no que uma instituição científica tem de mais íntimo e mais sagrado, isto é, o conjunto de mecanismos e procedimentos pelos quais ela assegura sua reprodução [...].” (BOURDIEU, 2004, p.62) pensar os processos de avaliação, progressão e inclusão de membros no campo prevê observar criticamente o reforço aos antigos laços, aos objetos de pesquisa hierarquicamente superiores e, por conseguinte, um perpetuum móbile, ou seja, a manutenção das estratégias vigentes que permite e ratifica a reprodução no campo. Em contrapartida,

[...] parece inteiramente desejável reforçar a capacidade coletiva de resistência que os pesquisadores devem ter, apesar das concorrências e dos conflitos que os opõem, para estar em condições de resistir às intervenções mais ou menos tirânicas dos administradores científicos e de seus aliados no mundo dos pesquisadores [...].” (BOURDIEU, 2004, p.61, grifo nosso). O membro do campo de forma individual não possui capital suficiente (social e científico) para engendrar modificações. Assim, o poder de articulação e de reflexão fica a cargo dos grandes grupos (reunião de membros com relevante capital social e científico) como a única possibilidade de articulação contra os já naturalizados mecanismos de reprodução na Ciência. Entretanto, em que medida isso se daria? Sabendo dos limites impostos pelo campo, como forma de delimitá-lo e garantir sua legitimidade, não se pode imaginar grandes revoluções simultâneas. Caso isso ocorresse não se veria progresso científico, mas sim, a ruptura do próprio campo. Em sendo assim, de acordo com os postulados de Bourdieu (2004, 2013), essas alterações aconteceriam de modo sutil e gradual afiançando a permanência do campo no cenário científico mundial.

As instâncias de consagração e as formas de relações de poder estabelecidas, distinguem aquele que pode ter voz, aquele a quem é dado o direito de manifestação do espírito do corpo (porta-voz autorizado), dos pressupostos que regem e comandam o campo, como resultado da assimilação des enjeux e do próprio ethos do campo. Na presente comunicação o foco se dá à produção científica dos bolsistas de produtividade 1A/CNPq acreditando-se que possam revelar, mediante sua posição de destaque no campo, histórias e trajetórias construídas na edificação de suas carreiras e, por conseguinte, auxiliar na análise crítica do próprio campo da Educação.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa caracteriza-se como estudo de autoria, pois essa modalidade de investigação proporciona não só uma visão ampla da classe profissional que compõe o campo (suas características como gênero, titulação, vínculo institucional entre outras), mas também permite a identificação das práticas de disseminação científica, bem como facilita um melhor entendimento do papel e da influência exercidos pelas agências de fomento no que concerne à distinção dos pesquisadores por meio da concessão de bolsas de produtividade no contexto de produção do saber.

Para tanto, o estudo analisa o currículo Lattes dos 2635 bolsistas de produtividade (PQ-1A/CNPq da área de Educação no Brasil. A prospecção dos trabalhos publicados e relacionados na aba para produção bibliográfica considerando-se: artigos completos publicados em periódicos; livros e capítulos de livros foi feita no currículo Lattes entre os dias 05 e 12 de julho de 2014, abrangendo o período de três anos antecedente à concessão da bolsa, ao pesquisador, até do ano de 2014.

Os dados foram analisados utilizando-se o software Excel para a construção das planilhas, tabelas e gráficos. Entre as técnicas utilizadas ressaltam-se: as cientométricas. É sabido que inúmeras críticas são feitas à aplicação de estudos métricos para a explicação de fenômenos sociais. Nesse sentido, Bourdieu (2004) aponta que o emprego das técnicas métricas, em desalinho a uma análise social, funcionaria como ratificador das posições de poder, uma vez que os critérios de avaliação são propostos pela cúpula dominante. Ora, cabe

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Embora o relatório de área (2013) apresente 25 bolsistas utilizou-se a lista disponibilizada pelo CNPq em “Bolsas em Curso” da área de Educação por considerar a informação mais atualizada.

Disponível em:

<http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.prc_comp_cmt_links?V_COD_DEMA NDA=200310&V_TPO_RESULT=CURSO&V_COD_AREA_CONHEC=70800006&V_COD_ CMT_ASSESSOR=ED >. Acesso em: 10 jul. 2014.

aqui a ressalva de que essa elite é formada por membros do próprio campo aos quais são impostos os mesmos critérios, embora seu capital científico temporal proporcione, não raro, a conversão facilitada em capital científico puro.

Entende-se, portanto, que com a sua utilização aliada à reflexão sociológica será possível analisar satisfatoriamente o fenômeno proposto. Com essa possibilidade, parte-se da convicção de que o conjunto das relações entre autores e contexto voltam à construção e institucionalização científica, graças às descobertas e transformações significativas para a sustentação das universidades. Favorece-se, desse modo, a reflexão, não somente sobre conteúdos, como também sobre expressões discursivas passíveis de categorização e estudos, graças às possibilidades concretas de análise de seu conteúdo, tanto sob uma visão diacrônica, quanto sincrônica da produção científica em pauta. (BUFREM, 2006).

4 O UNIVERSO QUANTITATIVO CONSTRUÍDO PELOS BOLSISTAS