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2. CONCUBINATO E IGREJA: A PERSEGUIÇÃO NAS VISITAS PASTORAIS

2.3 VISITAS PASTORAIS E JUSTIFICATIVAS DE CONCUBINATO

2.3.2 AS JUSTIFICATIVAS DOS DENUNCIADOS

2.3.2.1 AS JUSTIFICATIVAS DAS MULHERES

Vimos que a justificativa de concubinato mais comum entre os denunciados foi a de serem casados (cf. tabela 2.7). Criamos uma tipologia, que se pode verificar nas tabelas 2.8 e 2.9,

147 Ibidem, p. 142-143.

148 Livro das visitas pastorais. nº 13, 1811-1813. ACMRJ. 149 FARIA, op. cit., p. 145.

das razões que teriam levado essas pessoas a se concubinarem. A metodologia privilegiou a análise por sexo, pois as justificativas eram, de modo geral, diferentes para os dois sexos.

Observamos que, embora o registro da denúncia tenha sido construído pelo visitador, o discurso das mulheres, às vezes, aparecia. Assim, o sexo feminino justificou o concubinato sob dois argumentos principais: o de terem sido “abandonadas pelo marido”, seguido de o de “ter o marido ausente ou viajando” (cf. tabela 2.8).

Ressaltamos o fato de a justificativa do denunciado não ter sido muito freqüente. No universo de 143 denúncias, apenas 20 mulheres e 43 homens justificaram perante o visitador a razão de seu concubinato (cf. tabelas 2.8 e 2.9, respectivamente).

TABELA 2.8

(Livro das visitas pastorais nº 13, 1811-1813. ACMRJ.)

Justificativas de concubinato, segundo as mulheres, entre os anos de 1811-1813

1811 1812 1813 Razões alegadas % % % No No No

Abandonada pelo marido 6 100 5 55.5 1 20

Marido ausente ou viajando - - 4 44.5 1 20

Separada do marido - - - - 1 20

Outras razões - - - - 2 40

Total 6 100 9 5

por conta própria

100 100

Maria Odila Leite da Silva Dias apontou que era grande o número de mulheres abandonadas na cidade de São Paulo, no século XIX. Esse fato já caracterizava a cidade desde o XVII.150 Mas, isto não ocorreu exclusivamente com São Paulo. O povoamento da região

mineradora, em fins do século XVII e início do XVIII, provocou a migração, sobretudo mascu- lina, para a região recém-descoberta. Fernando Torres-Londoño comprovou que em Minas Gerais, na segunda metade do século XVIII, a presença de mulheres abandonadas por seus maridos era comum.151 Esse fato estava relacionado à migração intensa de homens, que busca- vam os metais preciosos, onde quer que eles estivessem.

Os argumentos dos historiadores Maria Odila Dias e Fernando Torres-Londoño sobre o abandono de mulheres pelos homens, em São Paulo e região mineradora, valorizam os nossos resultados. Lembramos, contudo, que o pequeno número de registros é insuficiente para concluirmos definitivamente sobre o perfil dos concubinos no Bispado do Rio de Janeiro. É possível pensar que essas mulheres estivessem separadas de seus maridos, devido à migração destes em busca de melhores condições de sobrevivência. Se estamos corretos, podemos con- cluir que esse quadro é o que teria levado essas mulheres a buscarem novos companheiros, ainda que concubinos, para viverem com elas.

No contexto das visitas pastorais, os relatos dos homens denunciados e, às vezes, os de algumas mulheres, remeteram à questão da migração masculina. Não foi incomum, os de- nunciados justificarem estar concubinados com uma mulher casada, que havia sido “abandona- da pelo marido” ou que o tinha “ausente ou viajando”. Decerto, essas eram situações corriquei- ras no cotidiano colonial, especialmente da população mais pobre. Todavia, devemos relativizá- las nesse contexto em que analisamos as justificativas de concubinato.

A imagem da mulher colonial honrada associava-se à castidade, à reclusão e à sub- missão ao homem.152 Formalmente, as leis canônicas e civis atrelavam as mulheres aos seus pais, tutores ou maridos. Não é de se espantar que o principal argumento usado pelas mulheres

151 TORRES-LONDOÑO, op. cit., p. 97.

152 ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio

casadas, para justificar o concubinato, era o fato de terem sido abandonadas pelo marido. Certa- mente, esses argumentos serviam para fugir das punições impostas pela legislação canônica aos concubinos casados: a excomunhão, o degredo, o pagamento de multas, o não recebimento dos sacramentos e, por último, a expulsão da casa do concubino.

Com certeza, algumas mulheres casadas concubinadas tiveram experiências matri- moniais fracassadas e por isso desejaram se separar de seus cônjuges. A legislação canônica, porém, só permitia o divórcio em casos raros, mesmo assim, era preciso mover um processo demorado e caro, nem sempre acessível a todas as mulheres.153

A história de uma mulher casada que vivia em concubinato, em Trindade, nos cha- mou a atenção. Seu relato mostra um pouco das expectativas em torno do casamento. Generosa era casada, mas encontrava-se separada do marido “por vontade própria”. Sua ousadia em desa- fiar a Igreja lhe valeu uma dupla denúncia, quando a visita pastoral se instalou na freguesia onde morava. A ela foram imputados dois crimes: viver longe do marido sem autorização eclesiástica e concubinar-se. Os dois delitos dos quais foi acusada significavam para a Igreja uma grave ofensa ao matrimonio. Surpreendentemente, Generosa inverteu a situação, tornando-a favorá- vel a si própria. Segundo o visitador:

Aos vinte dias do mês de outubro de 1813 (...) apareceu Generosa Maria da Concei- ção, casada com João Alves da Costa que sendo denunciada nessa visita como divor- ciada por conta própria, e no que havia causado algum escândalo a essa freguesia (...) ela não tinha dúvida coabitar com seu marido debaixo das cláusulas seguintes: que havia de estabelecer uma casa para nela morarem separados de seus pais comuns, e a não maltratar e dando-lhe o necessário sustento, conforme a sua possibilidade, e no entanto conservar na casa de seus pais até o complemento do mesmo edifício, reser- vando para si o direito de intentar causa de divórcio com o dito marido, no caso que ele falte às sobreditas cláusulas....154

153 COSTA, Raquel Rumplesberguer L. D. da. Divórcio e anulação do matrimônio em São Paulo colonial. São Paulo, 1986. Disserta-

ção (Mestrado em História). FFLCH-USP.

Mesmo denunciada à visita, Generosa conseguiu demonstrar o seu descontenta- mento com o matrimônio, as suas expectativas em torno dele e condicionar a sua volta ao marido. A frustração em torno do casamento poderia influenciar a decisão de mulheres, como a Generosa dessa história, a se separarem de seus maridos.