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Nessa reportagem, toda a esquematização é referenciada com base no mundo das lutas marciais, especificamente o MMA (artes marciais mistas). Trata-se de uma modalidade esportiva que tem ganhado público e adeptos no Brasil e com grande repercussão na mídia televisiva, uma vez que seus espetáculos são transmitidos ao vivo e apresentam os brasileiros como lutadores potenciais nas competições.

A reportagem toma como gancho essas competições para estabelecer um paralelo entre os ringues e os ambientes corporativos, no intuito de evidenciar comportamentos dos lutadores que são desejáveis aos competidores/trabalhadores. O esquema gráfico da reportagem se apoia em uma coluna de texto corrido e mais seis boxes em formato do octógono (seguindo o formato dos ringues de MMA); cada box traz uma dica.

A figura principal da matéria é o lutador brasileiro Lyoto Machida, um dos entrevistados da reportagem e modelo a ser seguido.

O perfil desejado do profissional se apoia nos seguintes aspectos: ter características como calma, potência e resistência; autoconfiança, equilíbrio emocional “para deixar de lado o nervosismo, a ansiedade e o medo (...) alternando comportamentos de acordo com a situação” (p. 68). O trabalho emocional aqui

exigido é positivado pelo discurso, uma vez que não se contextualiza ou considera outras variáveis do ambiente organizacional. O indivíduo deve se controlar a qualquer custo, independente das condições em que se encontra. “A forma consciente como os seres humanos atuam para suprimir a distância entre o que estão sentindo e o ideal que têm do que deveriam sentir é o trabalho emocional, que (...) assume a característica de uma jornada de trabalho extra” (BONELLI, 2004, p. 358).

O tema também pode se relacionar com outro aspecto da cultura do trabalho, conforme explica Schumpeter (1982): “Há (...) o desejo de conquistar: o impulso para lutar, para provar-se superior aos outros, de ter sucesso em nome não de seus frutos, mas do próprio sucesso. Nesse aspecto, a ação econômica torna-se afim do esporte” (p. 65).

Intertextualidade

As fontes que consistem em um dos indícios da intertextualidade são: - Lyoto Machida, lutador brasileiro de MMA

- Rodrigo Minotauro, lutador de MMA

- Luiz Dórea, treinador brasileiro de lutas esportivas (que ficou famoso por ser técnico do ex-campeão do mundo de boxe Acelino Popó Freitas

- Uma professora de gestão de pessoas da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais

- A diretora de negócios da LHH/DBM. De acordo como site da própria empresa (www.lhh-brasil.com.br), trata-se da “líder mundial em mobilidade de talentos”, uma empresa especialista em “transição de carreira e desenvolvimento de talentos”.

As fontes de “especialistas” se dividem em dois grupos. Um relacionado do mundo das lutas, dos esportes, nas competições. São fontes-celebridades, conhecidas no meio em que atuam e que servem como exemplo e autoridade para legitimar os ensinamentos. Outro grupo se relaciona ao mundo empresarial, das empresas e das escolas de negócios. Ainda que não de forma explícita, percebe-se a relação com a figura do coach, do “treinador de esporte”, que oferece ferramentas para o controle emocional em um cenário de alta competitividade. O trabalho emocional deve ser mais intensificado quanto mais hostil for o ambiente laborativo. Na lógica da cultura do trabalho contemporânea, o estresse no trabalho funciona como um estimulante, um motivador para gerar mais ação e, consequentemente, mais resultados.

Interdiscursividade

A reportagem se aproxima tanto do estilo esportista (estilo metafórico predominante) quanto do discurso empresarial. Por ser uma modalidade cada vez mais forte em termos de prestígio e influência no Brasil e por ser o país um expoente na “produção” de campeões mundiais, o lutador de MMA adquire status privilegiado e capaz de servir de modelo para o homem comum. “O poder de persuasão de um discurso decorre em boa medida do fato de que leva o leitor a identificar-se com a movimentação de um corpo investido de valores historicamente especificados” (MAINGUENEAU, 2013, p. 73).

Figuras de linguagem

O discurso chamado para complementar o discurso empresarial, foco da publicação, é o discurso esportivo. Assim, o eixo metafórico está nas analogias

empresa/octógono, trabalho/luta, líder/lutador. O que une esses dois mundos são as habilidades, o equilíbrio emocional, a autoconfiança, a ação estratégica frente ao adversário, características como calma, potência e resistência, o respeito frente ao adversário. Ironicamente, a mesma voz que dá as dicas de respeito é a voz que incita uma disputa agressiva e calculada sobre o outro.

Percebe-se que o trabalho emocional se sobrepõe ao trabalho físico, este último mais comumente atribuído a policiais. A obsessão pela competição, a valorização da segurança nas disputas e a motivação estão atreladas a rotinas, tanto do trabalho policial quanto gerencial.

A metáfora é a figura mais abundante no texto e sempre recai sobre o mundo da competição: “Longe do octógono, muitos executivos travam batalhas diárias para aprovar projetos, coordenar equipes e se destacar” (p. 68, grifo nosso), “‘Os lutadores nos mostram a importância da intimidação, a capacidade de mostrar ao outro que você está no páreo e tão preparado quanto ele para a competição do mercado” (p. 68, grifo nosso) e “Achar que seu preparo, sua competência e sua formação são superiores a qualquer pessoa não ajuda em nada e pode colocar o

profissional em uma armadilha” (p. 69, grifo nosso). Logo, as metáforas do

mercado de trabalho com as corridas de cavalo e com as emboscadas nos remete a uma cultura organizacional de rapidez, eficiência e riscos, que recai, no fundo, sobre o indivíduo. O discurso gera um estímulo à competição, sobretudo, no âmbito individual.

A reportagem traz alguns clichês, que são expressões cristalizadas e desgastadas pelo uso, em uma construção linguística típica do mundo dos esportes.

“‘É na queda que aprendemos mais’” (p. 68). Ou então “(...) é preciso saber a melhor hora de agir” (p. 69). E “‘Estudar o adversário ajuda a montar a tática para conseguir a vitória’” (p. 69).

Da mesma forma que o mundo dos esportes incorpora os clichês, o mundo corporativo também conta com chavões, expressões desgastadas pelo uso e que, em geral, são vazias de significados concretos. São exemplos: “‘Estudar o mercado, estar atento às tendências e ter objetivos claros é essencial’” (p. 69); ou “é essencial que o líder tenha controle sobre suas ações” (p. 69). É interessante perceber como o

clichê, as frases já repetidas em aulas de administração, manuais de gestão, cursos e treinamentos para gestores, conteúdo midiático, enfim, proliferam-se e são engrandecidos uma vez que são proferidos pelos chamados “especialistas”. Faltam,

no entanto, exemplos concretos, profundidade discursiva para mostrar de maneira mais clara no que consistem tais ações.

Existe, no discurso administrativo, um tom utópico, muitas vezes vago; não apresenta concretude quando se tratam de ações de contrapartida da empresa em relação à sociedade. Na revista Você S/A o mesmo tom é assumido.

Modalidade

A modalidade presente no discurso é imperativa, o que vai ao encontro do próprio título da matéria: “As lições do octógono”. O discurso didático, pedagógico,

assim, se manifesta não apenas pelo léxico (“lições”, “aprendizado”) mas também nos tempos verbais. Cada box é iniciado com um verbo no imperativo: “Mantenha o equilíbrio”, “Confie em você”, “Encare a luta”, “Estude o oponente”, “Tenha paciência” e “Respeite o adversário”. Toda a reportagem é estruturada no formato

das dicas, do aconselhamento, recaindo sobre a redação dos manuais de autoajuda.

“Que todos façam assim”. Trata-se de uma ordem, “um ato diretivo final” (ADAM,

2013, p. 112).

O dever-ser é a tônica da modalização. O exemplo do lutador, reforçado pela imagem fotográfica, é construída logo no início, na abertura da reportagem com um descritivo detalhado sobre o perfil de Lyoto Machida, considerado um exemplo de sucesso a ser seguido.

Ethos

Inicialmente, o ethos construído no discurso demonstra um afastamento em relação ao tema. Trata-se de um intermediário entre as vozes que emergem e são trazidas para a reportagem. É como se o ethos estivesse apresentando um “round”.

Em alguns momentos, o ethos se aproxima das vozes dos entrevistados, passando a introduzir, com o uso da paráfrase, aquilo que será repetido pelo entrevistado. É o caso do trecho: “Pra vencer uma luta de MMA, o lutador precisa dominar várias técnicas e estudar a maneira e lutar de seu adversário” (p. 69). Em

seguida, Luiz Dórea, treinador brasileiro de lutas esportivas, fala o mesmo com outras palavras: “‘Estudar o adversário ajuda a montar a tática para conseguir a vitória’” (p. 69).

Campo lexical

Executivos

Especialistas de carreiras Líder

Gestor

Concorrente (no escritório): refere-se ao colega de trabalho como um concorrente

Fotografia

Em um fundo sólido, a iluminação ao fundo coloca em primeiro plano a figura do lutador Lyoto Machida, que também é fonte da matéria. A iluminação ainda tem focos específicos no rosto e nas mãos. Por isso, uma das primeiras informações é o contraste entre seu sorriso aberto e seus punhos cerrados. Essa contradição propõe que as lutas empresariais são agradáveis, motivando o indivíduo a lutar de maneira entusiasmada, porém, agressiva. A agressividade da postura corporal é “quebrada” pela fisionomia do rosto, sorridente e iluminado.

A roupa do lutador contribui para conferir leveza ao tema. Ele veste camiseta azul escura e calça jeans, uma roupa informal que se adaptaria a várias situações. A foto é “recortada” colocando a silhueta do lutador em destaque, privilegiando características como força e posicionamento do corpo (em alerta, preparado para a defesa e ataque).

A cor de fundo combina com o mesmo tom da roupa, cujo ponto de luz está bem atrás do corpo, projetando sua imagem para o primeiro plano. Há, portanto, o predomínio de cores neutras, mais frias. A competição não é mais relacionada à violência (o que poderia ser expresso pelo uso de cores quentes como o vermelho). A competição é, sobretudo, uma luta de nervos, psicológica.

Sua imagem está no meio de várias caixas de texto em formato octogonal, com as dicas (lições) para serem aplicadas ao mundo corporativo. Dessa forma, o lutador assume o ethos de um conselheiro, que com sua experiência e carreira bem- sucedida, consegue vencer.