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Reportagem 8 "Matemática, emprego e teoria dos jogos" (Ed.176, p 72-75)

4 ANÁLISE DO DISCURSO E CULTURA ORGANIZACIONAL

4.1 Discurso, ideologia e prática social

O discurso pode ser considerado o enunciado inserido em seu contexto e gera efeitos de sentido que estão materializados nos recursos linguísticos. Segundo Fiorin (1995), enquanto o texto é individual, o discurso é social. “Há um nível grande de liberdade no âmbito da textualização, enquanto no nível discursivo, o homem está preso aos temas e às figuras das formações discursivas existentes na formação social em que está inserido” (FIORIN, 1995, p. 41). A investigação do discurso permite a verificação de quais valores, ideias e comportamentos são relevantes para uma sociedade, localizados em um tempo e um espaço determinados. Para Citelli (1995) “(...) O discurso é, ao mesmo tempo, prática social cristalizada e moderador de uma visão de mundo” (p. 56).

Nas relações entre as diversas práticas sociais (econômicas, discursivas, religiosas, políticas, de trabalho etc.) podem funcionar mecanismos ideológicos, postos em desenvolvimento por meio da linguagem, que opera signos verbais (palavras, textos) e não-verbais (imagens, gestos, materiais). Pêcheux (1988), valendo-se do pensamento althusseriano, resume: “(...) as ideologias não são feitas de ‘ideias’ mas de ‘práticas’” (p. 144). Essas práticas podem ser uma ação discursiva.

Os símbolos, por isso, podem ser veículos efetivos de implantação, sustentação e mudança da cultura organizacional. Entre eles, estão as metáforas e a promoção de novos mitos, por meio dos quais se pode inventar novas explicações para a maneira como as coisas são. Além disso, ritos e cerimoniais, entre eles ritos de passagem, ritos de melhoria (para recompensar aqueles comportamentos mais de acordo com as ideologias desejadas) e ritos de degradação (só usados quando o indivíduo já teve uma chance de mudança). A construção de sentido de uma cultura também ocorre pelo uso de uniformes, novos jargões, novas histórias que circulam, novas canções escritas e daí por diante (TRICE; BEYER, 2005, p. 388-9, tradução nossa). Martin (2005, tradução nossa) dá mais exemplos de ações que tornam concreta a cultura de uma organização: as histórias que as pessoas contam para aqueles que chegam para explicar “como as coisas funcionam”, modo como os

escritórios são organizados e os itens pessoais estão ou não dispostos, o modo como as pessoas se relacionam (com afeição, competitividade, ódio etc.) e assim por diante.

O discurso, composto por esses elementos, materializa a ideologia da eficiência organizacional, cujos benefícios se espalhariam para além dos interesses econômicos:

A ideologizada racionalidade funcional – tomada de decisão orientada em direção da melhora da eficiência ou da performance – promove a legitimação de organizações formais para o público em geral assim como para aqueles que trabalham com organizações específicas (PFEFFER, 2005, p. 293, tradução nossa).

A fim de enfocar essas complexas relações, nas mais diversas esferas, a Análise do Discurso se vale de peças como entrevistas, cartazes, reportagens, livros, fotografias, filmes etc. Uma vez que se apoiam na linguagem, todos esses suportes veiculam sentidos em conformidade com os produtores e também pelos receptores que filtram as mensagens.

Nesse cenário, os meios de comunicação são importantes na construção de representações acerca de fatos, reforçando ou combatendo opiniões, ideias e valores. Essas ações comunicacionais, contudo, não são transparentes uma vez que linguagem está embasada no signo e este, conforme Bakhtin (2002), não é transparente. “Um signo não existe somente como parte da realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico etc.” (p. 32). Cada signo ideológico é um fragmento material da realidade. Onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui, assim, um valor semiótico (BAKHTIN, 2002).

A linguagem, ao operar signos para representar o mundo, opera também as ideologias, que podem ser entendidas como

(...) significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação (FAIRCLOUGH, 2001, p. 116).

O entendimento da ideologia é central em ambas correntes da Análise do Discurso e, por isso, consiste em um ponto de intersecção entre os trabalhos de

Pêcheux (linha francesa) e Fairclough (linha inglesa), sendo o primeiro alinhado à teoria de Althusser e o segundo, aos trabalhos de Gramsci (MELO, 2009). Segundo Guilbert (2013), assim como Pêcheux, Fairclough conclui que toda análise do sentido de um texto deve se interessar pelo que está implícito à ideologia inscrita na materialidade do discurso. “Esse dispositivo pragmático põe em xeque a ‘incompatibilidade’ da ACD em relação a Pêcheux, algo totalmente improdutivo para a pesquisa sobre a evidência da ideologia” (p. 133).

Uma das preocupações da Análise do Discurso é enfatizar que a forma de circulação dos discursos gera um apagamento de seus “autores”. Quando os meios de comunicação de massa indicam modos de agir e pensar coerentes com a lógica empresarial, o discurso acaba se imbuindo de uma universalidade, sem uma autoria e uma origem histórica delimitada. Para Orlandi (2002), “é mais fácil responder à autoridade visível que à autoridade que não diz seu nome” (p. 109). Ou seja, as formas de resistência e mobilização e da não aceitação são enfraquecidas uma vez que o trabalhador percebe determinados mecanismos como algo dado, determinado, sem uma autoria nítida.

Dessa forma, a linguagem movida no discurso impulsiona um mecanismo ideológico, já que “a linguagem é o lugar privilegiado em que a ideologia se materializa” (BRANDÃO, 1998, p. 20). “Numa sociedade encantada pela ‘inversão’ de significados e pelo ilusionismo necessário da liberdade de escolha do indivíduo- consumidor” (BELLUZZO, 2013, p. 19), o lema do “querer é poder” é reforçado para o trabalhador, que exige de si mesmo a postura do chamado self made man, o homem que se faz por si mesmo, um empreendedor no mundo dos negócios.