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3.4 — As metáforas multimodais da crise económica

Fazemos reverência ao estudo de Bounegru/Forceville (2011) que reconhece a vigência de 25 metáforas que estruturam conceptualmente um total de 30 cartoons relativos à crise económica. O referido estudo está organizado por domínios-fonte dominantes das imagens metafóricas, a saber, CATÁSTROFE/DESASTRE (NATURAL), DOENÇA/MORTE e PEDIR ESMOLA, constatáveis a partir da recolha de trinta cartoons, cujos autores são oriundos de vários países. No contexto dos domínios-fonte são identificadas várias metáforas, de que apenas citaremos aquelas que nos parecem mais relevantes para o corpus que recolhemos ou seja, que se centram praticamente no domínio- fonte da CATÁSTROFE/DESASTRE (NATURAL), sendo que retratam as consequências da crise económica em movimentos descentes , em torno do conceito de tsunami, nomeadamente, DOWNWARD FINANCIAL CHART LINES ARE SEISMIC WAVES IN THE SEA e VICTIM OF FINANCIAL CRISIS IS A DROWNING PERSON, entre outras.

A relevância deste estudo pioneiro centra-se quer na dissecação de imagens da crise económica na perspectiva multimodal, quer no facto de estas imagens terem sido concebidas por vários autores que recorrem no texto à língua inglesa enquanto língua da globalização para representar a crise económica.

3.5 Cabeçalhos e Cartoons na imprensa económica: evidências de

mesclagem

Não podemos deixar ainda de fazer referência a um estudo anterior de Brône/Feyearts (2005), que, contudo, preconiza que os cartoons da crise económica são desconstruíveis a partir da mesclagem conceptual, na senda da abordagem de Fauconnier/Turner (2012).

Consideremos, como exemplo de base da natureza metafórica do discurso económico, os termos económicos de uso quotidiano, a saber, fluxo de caixa, influxo, escoamento de dinheiro, entre outros que são cunhados tendo domínio- fonte uma entidade líquida. De facto, estes termos porque convencionalizados, constituem os alicerces conceptuais da economia.

No entanto, como assinalam as recentes pesquisas de índole cognitiva, descobrir estruturas metafóricas pode não ser suficiente para a análise da interação dinâmica entre mecanismos de conceptualização diferentes no discurso económico. Em vez de uma única representação linear de um fenómeno complexo ou abstrato, o DINHEIRO a partir de uma imagem concreta no domínio-fonte (alg)o LÍQUIDO, surgem muitas vezes evidências construídas a partir de uma integração conceptual de domínios cognitivos diversos.

Uma das evidências mais flagrantes de integração conceptual esta presente nos cartoons de economia. Façamos referência ao exemplo na Figura 2, um cartoon desenhado por Jimmy Margulies (2001) que critica a queda dramática da Enron Corporation, no inverno de 2001. Esta queda resultou no despedimento repentino de centenas de funcionários. A integração conceptual num único cartoon elementos alusivos ao Natal, época do ano em que o colapso da Enron

foi tornado público, e a imagem de “morte por execução”, concretamente por asfixia, constitui uma acusação forte dirigida aos executivos da Enron. Enquanto os funcionários aparecem como vítimas-enfeites da árvore de Natal, os executivos da Enron são representados como os beneficiários nesta representação do Natal ao receberem presentes enquanto assistem ao enforcamento das vítimas-presentes da árvore de Natal. Desta forma se evidencia que a complexidade de alguns fenómenos precisa de imagens mais complexas que vão além da representação metafórica pura.

Figura 2 - A queda dramática da Enron Corporation

De forma a abordar estas interações complexas na construção do significado, foi desenvolvido o conceito dinâmico de integração conceptual em diversas publicações que culminaram na obra de Fauconnier e Turner (2002).

De forma necessariamente simplista, pode dizer-se que, enquanto a teoria da metáfora conceptual (doravante TMC) se afigurava adequada para a análise de termos económicos convencionalizados, que encaram o dinheiro como um líquido, os modelos de integração conceptual permitem uma descrição mais adequada de representações multimodais da área económica altamente complexas e expressivas. Na ótica destes autores, a Teoria da Integração Conceptual (doravante IC), que analisa a projeção de vários espaços mentais de input, regularizados por um espaço genérico comum, num único texto ou imagem, para representar uma situação mesclada em que os festejos do Natal, coincidem com os despedimentos. Assim, torna-se possível explicar todas as interligações conceptuais em cartoons económicos que envolvem estruturas argumentativas, dispositivos de humor e projeções metafóricas complexas. Sublinhe-se que os cartoons (como ilustrámos na Fig. 2 com o exemplo da Enron), em articulação com os respetivos cabeçalhos, são particularmente adequados para uma análise do uso criativo das metáforas, sendo que evidentemente têm um forte impacto sobre o público.

De fato, quer os cabeçalhos quer os próprios cartoons constituem uma ferramenta conceptual de elevada eficácia comunicativa que imediatamente prendem a atenção do leitor. Saliente-se também que, no caso das representações de economia, a integração conceptual pode muito bem ser usada para condensar os problemas complexos plasmados numa representação texto-imagem, que resulta aparentemente clara e simples.

A análise dos cartoons concentra-se numa estratégia específica, rotulada como de input duplo, uma vez que envolve a ativação simultânea de mais do que um domínio, e que, por vezes, também envolve uma projeção metonímica implícita, como é o caso dos presentes para representar o Natal, no cartoon anteriormente citado. Esta co-ativação de estruturas de input diferentes produz um efeito subtil de humor, ao mesclar diferentes espaços de input, de forma algo surpreendente

e criativa, como é o caso deste cartoon da figura 2. Assim, os processos de integração conceptual nos cartoons podem explicar uma panóplia de processos cognitivos que os superintendem, na medida em que, condensando informação proveniente de vários domínios da experiência, se produz um efeito humorístico que torna o discurso económico acessível a um público-alvo, de forma concisa e divertida.

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— O paradigma cognitivo aplicado à análise de cartoons