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ainda que a origem da doença do sistema económico norte-americano possa abranger várias causas, atípicas ou não, sendo expetável que o seu

3.3 — Domínio-fonte da DOENÇA

E, ainda que a origem da doença do sistema económico norte-americano possa abranger várias causas, atípicas ou não, sendo expetável que o seu

estado avançado culmine num desfecho pouco agradável para o paciente. No caso português, a doença nacional, adquirida em parte por contágio da situação económica internacional, também resulta da fraca competitividade do setor industrial português no mercado externo.

Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas razões5. Essa maleita “estrutural” reflete-se na competitividade da economia portuguesa no seu conjunto face ao mundo e a competitividade do próprio setor industrial, mola das exportações de "bens transacionáveis", um termo que se tornou moda no discurso de política económica6.

Tal como um surto epidémico gerado no setor imobiliário norte-americano, que se alastra ao panorama financeiro internacional e que origina uma descida abrupta no valor nominal dos títulos, muitos fundos de investimento e muitas instituições financeiras, organismos desprovidos de defesas imunológicas naturais, deixam-se realmente contaminar pelo vírus dos ativos ilíquidos que intoxica todo o sistema financeiro à escala global. O banco Citigroup foi uma das primeiras vítimas da doença mais arreigada na estrutura da economia norte-americana.

Os bancos e entidades que, de forma direta ou através de fundos de investimento, estavam ligados ao mercado imobiliário dos EUA, com a queda de valor de títulos e a epidemia que contagiou todo o sistema financeiro, vêm a sua sustentabilidade enfraquecida, sendo na generalidade “infetados” de falta de liquidez7. Mais um mês e pouco, e a primeira vítima surge, finalmente, nos

5 In “Os EUA estão doentes” apud Vaz (2011:134)

6 In “Os calcanhares de Aquiles das contas portuguesas” apud Vaz (2011:69) 7 In “Crise Financeira Internacional - As origens” apud Vaz (2011:69)

Estados Unidos: o Citigroup, afetado pela doença do subprime, inicia um processo de “limpeza” das suas contas8.

Em Portugal, a quase constante recessão económica atribui-se não só ao laxismo do governo como à administração de fortes doses de otimismo em manobras de propaganda política esvaziadas de conteúdo que, como antibiótico convencional mal prescrito, não suprimem o que tem vindo a enfraquecer a economia nacional. Assim, enquanto o antídoto contra a crise do crédito fácil teria de passar pelo alargamento das funções administrativas dos bancos centrais, quais médicos de especialidade que acumulassem novos encargos e novas responsabilidades, a cura da insuficiência económica teria, pois, de envolver hábitos regulares de poupança. Só economizando recursos é que as finanças públicas portuguesas conseguiriam não fracassar sobejamente, face à proliferação das parcerias público-privadas, representadas como um cancro progressivo originado numa infeção viral.

Como ninguém vive de promessas, o tempo encarrega-se de mostrar que o antibiótico é insuficiente para matar o vírus que há muito enfraquece a economia e, por arrastamento, a vida dos portugueses9. Um dos antídotos contra esta tentação do “facilitismo” monetário é atribuir aos bancos centrais a missão de monitorizar os desequilíbrios financeiros – decorrentes da expansão excessiva de crédito ou do disparo dos preços dos ativos nos períodos das “vacas gordas” — e não só o policiamento do nível de inflação ou do défice orçamental10. Considerando que a origem do problema está no excesso de crédito, no excesso de consumo e nos baixos níveis de poupança, é surpreendente constatar que os políticos coligados na sua visão de que a cura está em mais crédito, mais consumo e menos poupança11. É no desperdício e nos custos que resultam desse cancro, que é a promiscuidade entre o estado e os interesses privados, que está o problema 12.

8 In “O homem que contestou Alan Greenspan” apud Vaz (2011:69)

9 In “Palavras cruzadas” apud Vaz (2011:143)

Na sequência da propagação sistémica da crise, e a fim de refrear casos de insolvência demasiado prejudiciais para o estado de saúde do sistema económico, várias são as instituições financeiras às quais os governantes espalhados pelo mundo facultam um tratamento terapêutico ancorado em injeções de capital e certas garantias estatais, tal como sucede com a seguradora AIG. Cedo se percebe que as verbas concedidas pela União Europeia e pelos governos, para assistência digna em caso de doença terminal, apesar da implementação de medidas paliativas, decididas tardiamente, têm a particularidade de conseguir prolongar a vida quer dos organismos empresariais quer dos cidadãos portugueses, aliviando-lhes até as dores lancinantes da escassez de recursos financeiros e do endividamento persistente. No entanto, se bem que o governo português se afigure como o médico idóneo que procura tratar o paciente contagiado com o vírus mortal da crise, no caso do BPN, o tratamento escolhido de nada adianta, não estivesse o banco em estado de morte clínica desde há muito tempo.

Várias instituições financeiras, ou foram encerradas, ou sofreram intervenção com injeção de capital e garantias estatais13. O paradigma deste tipo de capitalismo "deturpado" é o gigante das seguradoras, a AIG. À beira da falência, a empresa foi alvo de uma injeção de dinheiros públicos — 173 milhões de dólares — no âmbito do programa de apoio ao relançamento da economia, nos EUA14. No caso de Portugal, que foi atingido por esta crise global com a sua própria crise estrutural por resolver, sem ter, por isso, a ajuda, por muito paliativa que seja, pode ser fundamental para empresas e famílias, mergulhadas por tradição em falta de liquidez e excesso de dívida almofada orçamental ou a pujança económica de outros parceiros da UE, essa15. Por causa dele, a Caixa Geral de Depósitos será obrigada a aumentar de novo o capital — e, apesar do dinheiro que já meteu no BPN, mais de 1400 milhões de euros, este continua em estado de morte clínica16.

13 In “Crise Financeira Internacional - As origens” apud Vaz (2011:71) 14 In “A crise não é para todos” apud Vaz (2011:71)

15 In “O preço certo” apud Vaz (2011:71)

A Reserva Federal Americana vê-se, por sua vez, forçada a acomodar estratégias e terapêuticas sólidas no sentido de estimular o consumo e de impedir o estrangulamento da economia. Apesar dos esforços envidados, o crescimento económico norte-americano prevalece anémico, ou com perda de capital, e a merecer cuidados médicos muito especiais. No plano do restabelecimento da doença, e sobretudo no espaço circunscrito à União Europeia, também o paciente português continua a perder níveis elevados de hemoglobina, incidente que dificulta a oxigenação do tecido da economia e que pode degenerar num quadro clínico de anemia crónica. As vozes mais pessimistas são até partidárias de que os EUA e a Zona Euro exibem, ambos, os sintomas da síndrome japonesa, e tudo isto devido aos sinais fisiológicos que atestam o respetivo insuficiente desenvolvimento económico.

É verdade que os EUA estão com taxas de juro perto do zero, pelo que a economia continua anémica17. A crise está, por isso, longe de ter chegado ao fim. Sobretudo para nós, portugueses. Apesar de as últimas previsões do FMI apontarem para uma reanimação da economia mundial — que deverá crescer ao ritmo de 3,5%, este ano, e 4,3%, em 2017 — o desempenho português, diz o Fundo, poderá ficar-se por uns anémicos 0,5% a perder terreno para a Zona Euro, que conseguirá uma média de 1%, ainda assim, muito longe dos EUA, com 2,7% já este ano18. Alguns mais pessimistas admitem que os Estados Unidos e a Zona Euro emitem a síndrome japonesa, com uma anemia de 1% de crescimento médio decenal19.

Os índices económicos são muito críticos: eles sublinham os malefícios do défice externo e da dívida pública portuguesa. Sarar a ferida da predisposição genética do país para a ocorrência de tais distúrbios requer, dadas as circunstâncias, um curativo à base da subida da produção e das exportações que seja capaz de estancar o fluxo de capital que jorra, sem interrupção, de um sistema económico pouco saudável. Já em 2010, Portugal encontrava-se economicamente paralisado e com um nível de confiança propenso à asfixia financeira ou a graves complicações respiratórias, situação clínica muito

preocupante, uma vez que, confinada a sua economia a um estado de inércia incessante, qualquer tipo de fármacos ou de práticas terapêuticas não terão resultados, uma vez que a crise económica manifesta uma índole marcadamente crónica e que o próprio governo está apenas concentrado na sua reeleição para outro mandato legislativo.

Reequilibrar a balança comercial portuguesa é fundamental para estancar o endividamento externo do país e relançar o crescimento da economia20. Mas é nestas águas turvas que temos de navegar, entre o risco de recessão e a asfixia financeira que resulta da falta de confiança na economia – falta de confiança, recorde-se, que se funda numa dívida pública que disparou para 86% do produto, de um défice orçamental que saltou para 8,5% do PIB e de um preocupante défice externo de 8,8% do PIB21. Por cá, tudo será mais complicado, porque carregamos uma crise crónica, com tudo o que isso representa de demagogia e abuso próprios da época22.

Já nem o então presidente da República Portuguesa conseguia dissimular a sua inquietação relativamente ao delicado estado de saúde das contas públicas, e, por enquanto, o Estado não reúne condições para se arrogar um possível estatuto de liderança económica.

Tendo em linha de conta a inconstância que tem consumido o mercado imobiliário interno, não são mesmo de esperar quaisquer melhorias substanciais neste setor económico, sendo que, por este motivo, o estado de saúde da economia financeira persistirá reservado. O desequilíbrio da balança pública, em parte provocado pela subida abrupta das taxas de juro impostas ao país, institui- se como a prova sintomática de que o vigor da economia portuguesa está profundamente abalado.

Por cá, tivemos Cavaco Silva, qual chanceler alemã, preocupado com a saúde das finanças públicas e a sustentabilidade do nosso modelo económico, advertindo para o facto de o Estado não se encontrar em condições de ser o

20 In “A nossa crise não se resolve (só) cá dentro” apud Vaz (2011:73) 21 In “Entre as calças de Merkl e o carisma de Obama” apud Vaz (idem) 22 In “O preço certo” apud Vaz (idem)

motor da economia23. Não são esperadas grandes melhorias no mercado imobiliário até outubro de 2010 ou janeiro de 2011, altura em que poderão ser revelados novos dados sobre a saúde da economia financeira portuguesa, dados fundamentais para os investidores estrangeiros 24. Mais ou menos fundamentadas, as dúvidas sobre a saúde da economia portuguesa transformaram-se em factos assim que ganharam estatuto de hipóteses prováveis, ou seja, de risco, fazendo com que a bolsa portuguesa caísse mais que as dos outros mercados europeus ou que as taxas a que o Estado e o sistema financeiro português se financiam no exterior começassem a subir25. Deste modo, até o atual presidente dos EUA, Barak Obama, parece angustiado com um prolongamento deliberado da duração da crise recessiva no Velho Continente, e com a eventual incidência de uma depressão económica — conjuntura caraterizada por baixos níveis de produção e de investimento, transações comerciais em rutura, falências numerosas, desemprego galopante, escassez de crédito, alta volatilidade do câmbio e crise de confiança —, visto as políticas terapêuticas de contenção orçamental promulgadas na Europa terem sufocado a economia real ao ponto do incremento das desigualdades sociais.

Obama está preocupado com o mergulho voluntário dos europeus numa crise recessiva, porque não esquece que o seu próprio crescimento depende do que acontecer no outro lado do Atlântico, e não é de economias deprimidas que precisa para que os EUA descolem do buraco onde caíram com a crise do subprime26.

Ainda que o governo federal tenha conseguido estabilizar o estado de saúde da economia dos EUA, segundo Timothy Geithner – o secretário do Tesouro na administração Obama —, só uma terapêutica económica seguida com entusiasmo foi capaz de estancar a perda de ativos no setor bancário, qual organismo vivo que ameaçava esvair-se em sangue. Porém, a terapêutica monetária aprovada pela União Europeia não foi tão eficaz a ponto de

tranquilizar o nervosismo dos mercados financeiros internacionais, os quais têm o apanágio de poder influir na evolução do curso da economia. Em certos países, nem a recapitalização dos bancos à beira da falência nem a implementação de medidas orçamentais rígidas consegue abrandar o avanço da depressão, numa altura em que o próprio governo português decide abdicar das medidas anticrise, promovendo o suicídio assistido da economia nacional.

A crise do sistema bancário do país foi estancada com o dinheiro dos contribuintes, lembrou Geithner, acrescentando que “os bancos admitem alguma culpa nos estragos causados pela crise e têm uma grande responsabilidade para ajudar as nossas comunidades a voltar a caminhar pelo próprio pé”27. Terapia europeia falhada: a intervenção do Fundo Monetário Internacional na Grécia à beira de default no fim de semana de 7 a 9 de maio, a criação do Fundo de Estabilização do Euro, a divulgação dos testes de stresse dos 91 bancos europeus e o papel “bombeiro” financeiro do Banco Central Europeu (BCE) deveriam ter “acalmado” a situação — mas isso não está a acontecer28. Só o facto de o governo anunciar que vai acabar com as medidas anticrise para fazer frente à crise deveria chegar para se perceber o absurdo a que chegámos. O suicídio assistido passou a ser político de Estado29.

Pouco tempo após contagiar a economia global, a crise norte-americana do crédito subprime cede lugar à crise do Euro na Europa, podendo esta transmitir- se muito depressa a países situados noutros continentes, por contágio virulento da estrutura orgânica da economia. Posto isto, há que mencionar que os ataques especulativos dirigidos às divisas mais enfraquecidas se tornam lesivos no sentido em que exacerbam os custos da dívida externa e o crédito malparado nas instituições financeiras credoras, ou, dito de outra forma, eles pioram exponencialmente o quadro clínico da doença.

27 In “A crise do crédito ainda não acabou” apud Vaz (2011:75)

28 In “Mexida de fundo no sistema financeiro está por fazer” apud Vaz (idem) 29 In “A crise é nossa amiga. Vamos ajudar a crise.” apud (idem)

A crise do subprime norte-americana contagiou o mundo, e é certo e seguro que a crise do Euro, a gravar-se, causará estragos muito além das fronteiras europeias30.

A contaminação do sistema económico-financeiro internacional por um vírus infecioso norte-americano que é possuidor de propriedades letais é, portanto, facilitada por agentes patogénicos como a liberalização dos mercados de capitais e políticas monetárias erroneamente praticadas pelos governos mundiais que têm alternado no poder. A introdução de terapêuticas médicas que ajudem a curar o paciente, como a administração de injeções de capital ou a efetuação de exames de controlo, parece ser responsável pela ligeira atenuação dos sintomas da patologia, mas nem assim os setores económicos intervencionados reabilitam o seu estado normal de saúde.