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As MSE-MA em Guaíba/RS através dos sujeitos que as vivenciam

5. POR ENTRE SIGNIFICADOS

5.6. As MSE-MA em Guaíba/RS através dos sujeitos que as vivenciam

No intuito de se inserir de forma construtiva, no presente estudo, os sujeitos participantes, indo ao encontro do já exposto no Capitulo 1, que diz respeito à garantia da participação dos destinatários da Política nos processos de construção, implementação e avaliação da política e dos serviços que lhes são ofertados, buscou-se extrair dos sujeitos suas reflexões e críticas propositivas sobre as MSE-MA no Município investigado. Dessa forma, destacou-se a necessidade mais instituições conveniadas para o acolhimento de adolescentes em cumprimento de MSE-MA de PSC: “Eu acho que mais instituições que se abram, né, pra

acolher esses adolescentes, que oportunizem eles estarem numa instituição. A nossa tem várias oficinas, várias atividades (Orientador).

Para Ferreira (2006), a ausência de um orientador social de referência nas entidades e o reduzido número de entidades disponíveis para a acolhida de adolescentes em cumprimento de MSE-MA de PSC são uma das dificuldades principais na execução dessa medida socioeducativa. Nesse cenário, a responsabilização dos Municípios também foi apontada como primordial no atendimento socioeducativo. Responsabilização no sentido de implantar e dar as condições mínimas para a execução das MSE-MA e de prestar o apoio financeiro para as entidades conveniadas;

O Município também tem que se comprometer a ajudar essas instituições, oportunizando que a própria instituição de repente possa abrir outras atividades, [...] outros cursos que possam ser profissionalizantes pra esses jovens, né? [...] O Município não estando tão comprometido, as instituições talvez não tenham tanta estrutura pra oportunizar esses jovens com cursos, com acolhida, enfim, porque as instituições também precisam de ajuda, porque são projetos sociais, então, buscam captação de recursos, [...] pra poder dar andamento nas atividades, no trabalho que tá desenvolvendo. Aí precisa de uma contrapartida também do Município (Orientador). Nós temos que nos adequar à lei e tentar fazer ela cumprir. [...] tem muitos municípios que ainda nem sequer municipalizaram a execução das MSE. Alguns municipalizaram, mas assim, pra dizer que tem a lei, mas não dão os meios pra executar a lei. Então a gente tem que parar de brincar com o futuro daquele adolescente, porque se não parar com isso, aquele adolescente vai parar no presídio, o irmão dele vai começar pela infância, vai parar no presídio e daqui a pouco vai ter três/quatro daquela família no presídio e as despesas vão ser muito maiores pra manter eles ali. Então, tu vai gastar um pouco pra recuperar a família, mas tu vai economizar lá no futuro [...] É mais fácil investir agora no adolescente do que tá recebendo presídio como Guaíba tá recebendo dois presídios pra trazer detentos de outros municípios achando que vai ser algum benefício pra o município. O município vai ter benefício quando ele tratar seus adolescentes, não deixar eles virarem presidiários no futuro (SPM1).

Relacionada à responsabilização dos Municípios destacou-se a sugestão de ampliação da Equipe Executora, compreendendo-se a necessidade de uma equipe mínima para realizar o acompanhamento:

E eu acho que a equipe do Município, evidentemente, tem que reforçar. Porque eu não percebo ainda uma equipe, né? É uma Técnica trabalhando sozinha. Então, precisa de reforço, precisa pra você poder desenvolver um trabalho e poder receber as respostas, que são os objetivos que nós temos nas medidas socioeducativas. Eu não consigo ver ainda como equipe, de repente eu tou desconhecendo a situação, mas eu falo a partir daquilo que eu vejo desde que eu tou acompanhando (Orientador).

Ter uma equipe multidisciplinar, mesmo que diga assim: ah, não tem nenhum menino com medida pra ser executada. Vamos usar essa equipe pra atender outro tipo de situação. Apareceram dois/três adolescentes, aquela equipe volta a atuar de novo. Ela fica só focada pra resolver aquele problema, [...] precisaria não só de uma Assistente Social, mas dessa equipe pra além de fiscalizar os serviços, ver como é que ele tá lá no serviço, vê como é que a família tá enxergando aquele serviço que ele está prestando à comunidade e fazer eles refletirem (SPM1).

Em relação às condições de trabalho dos profissionais responsáveis pelo acompanhamento socioeducativo, Frasseto et al (2012) declaram que

o trabalho técnico, para produzir um bom estudo avaliativo da situação do adolescente e para definir os melhores programas para atendê-lo, exige que se disponha de condições básicas – veículos para visitas à família e a comunidade e para o contato com diferentes agentes, computadores para registro das informações, etc. – além de equipes bem preparadas e com tempo disponível para o atendimento. Sabemos que na maioria dos municípios, essas condições ainda são inexistentes.

E, por fim, a sugestão de que sejam ofertadas mais ações educativas visando à prevenção do cometimento de ato infracional:

Eu acho que teria que ter uma coisa assim, não deixar acontecer, entendeu? Teria que ser feito uma coisa assim, acho que nas escolas, palestras, algumas coisas assim, pra não deixar chegar nesse ponto de ter uma MSE. A gente em casa, a gente educa, a gente tenta, a gente fala, só que eles têm idade, eles tem as influências dos outros amiguinhos, tem uns mais revoltados, outros não isso tudo influencia. Então eu acho assim, que na parte de Município devia ter mais essas palestras nas escolas, até com os próprios professores (F3).

No entendimento de Paula (2006, p. 27), “a redução dos atos infracionais e, consequentemente, o estabelecimento de uma situação de maior e melhor cidadania dependem de um conjunto de políticas que reduzam a potencialidade da causa e ataquem com maior eficácia seus efeitos”. Isto porque é o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à concretização da justiça social a única forma eficiente e duradoura de combater a criminalidade (idem).

Observa-se, nesses depoimentos, a ênfase dada pelos sujeitos à categoria “trabalho” como base principal para uma vida digna, sem envolvimento com atos infracionais, e, pelas legislações ora apresentadas, especialmente, nas políticas educativas e de qualificação para o trabalho, também como mecanismos principais para acesso ao trabalho e, consequentemente, para a redução do cometimento dos atos infracionais. Pouca ênfase se dá às políticas culturais, esportivas e de lazer, como espaços que propiciem a interação, a criatividade, a expressão de sentimentos, a construção de novas amizades, a promoção da saúde e novos aprendizados para adolescentes em conflito com lei.

A averiguação nos PIAs e relatórios de acompanhamentos constatou que a maior parte dos adolescentes que disseram realizar alguma atividade esportiva, esta estava ligada ao futebol como lazer, com colegas de sua comunidade. Dos entrevistados, apenas um relatou

que, quando criança, participou de atividades esportivas no ginásio de esportes do Município. A maior parte dos adolescentes acompanhados relatou não saber se existem atividades esportivas, de lazer ou culturais em suas comunidades.

Em seu estudo, sobre a questão do lazer em instituições prisionais, Almeida (2004, p. 8) considera que o “lazer é parte de uma formação discursiva de consensos que nasce no mundo da vida e introduz-se nas regras dos grupos, na formação de identidade e intersubjetividade, e, também, o lazer encontra-se nas relações entre seus pares”. Enfatiza que o lazer possibilita o estabelecimento de relações pessoais, o respeito à norma e ao grupo, portanto, deve ser priorizado no atendimento socioeducativo.

Tejada (2005, p. 178) verificou que em relação às questões relacionadas ao lazer, cultura e esportes havia uma “invisibilidade” dessas políticas, pois os seus entrevistados não haviam acessado tais políticas e,

considerando que a experiência da juventude caracteriza-se por intensas trocas sociais dos jovens entre si e com os adultos, em busca de elementos que se agreguem em seu processo de construção da identidade, da autoestima, de habilidades pessoais e sociais, é impensável e lastimável a ausência de políticas potencialmente favorecedoras da construção de laços sociais, descoberta de potencialidades e investimento na capacidade de resiliência.

Ressalta-se que quando questionados sobre se possuíam alguma sugestão para a qualificação do atendimento das MSE-MA no Município de Guaíba, os jovens declararam que não possuíam nenhuma, pois, “foi tudo muito bom. Se tem algo a melhorar, eu não sei dizer, porque pra mim foi tudo bem” (J5); “Gostei de tudo, foi feito encaminhamentos, tudo” (J6). Os jovens também relataram que não possuíam conhecimentos sobre as MSE-MA antes do início do cumprimento, quando muito acreditavam que poderiam “pagar” em cestas básicas, relacionando-as às penas alternativas direcionadas aos adultos que cometem crime de baixo potencial ofensivo.

Constatou-se, neste estudo, que as MSE significaram importante avanço, dentre outros presentes na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, no atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. No entanto, as novas determinações legais não conseguiram romper, em definitivo, com ações e ou posicionamentos ideológicos que visam à penalização desses sujeitos por um ato infracional cometido.

A nova perspectiva de responsabilização do adolescente, não mais com foco no ato infracional cometido, mas nas consequências lesivas deste, torna-se um dos caminhos principais para a diminuição da infração juvenil, pois, nesta nova perspectiva, que vai ao encontro das práticas restaurativas, “os deveres do sujeito infrator estão ligados à necessidade

de se confrontar com a vítima, ouvir sua impressão dos fatos e ajustar com ela uma forma de reparação” (FRASSETO et al, 2012, p. 31-32), distanciando-se de práticas anteriores que visavam a “responder ao mal causado com a imposição de um mal correspondente ao causador do mal” (Idem, p. 32).

A nova lei do SINASE inseriu definições do papel da União, dos Estados e dos Municípios, ao tratar a questão do financiamento, infraestrutura dos serviços, recursos humanos etc. No entanto, na prática, as condições reais ainda estão longe, em muitos lugares, de atender às determinações legais. Por vezes, Municípios têm municipalizado as MSE-MA sem que possuam as condições financeiras para ofertar os serviços preconizados, especialmente dentro da Política de Assistência Social; às vezes não recebem a contrapartida federal e estadual para o financiamento da Política no que diz respeito aos serviços da Proteção Social Especial.

Nesse contexto, no presente estudo, os sujeitos que as vivenciaram informaram que as MSE-MA foram positivas em suas vidas, pois lhes possibilitaram a reflexão sobre o ato infracional cometido; a reaproximação e o fortalecimento dos vínculos familiares; encaminhamentos a cursos profissionalizantes e à Escola, entre outros; no entanto, as contradições se manifestaram, por exemplo, quando alguns destes mesmos sujeitos manifestaram a expectativa punitiva em relação às MSE, declarando que “foi barbada”, “muito fácil”, etc.

Constatou-se que desafios precisam ser superados: ampliação da Política de Assistência Social no Município, com consequente ampliação de seus recursos humanos, entre os quais os necessários para o acompanhamento socioeducativo; aumento de entidades para o acolhimento de adolescentes em cumprimento de MSE-PSC; articulação permanente com outras políticas públicas para o planejamento de ações interventivas; financiamento federal, entre outros. Deve-se articular, “a partir do cotidiano dos adolescentes, atividades que os empoderem para uma participação consciente, em que possam se reconhecer dentro da sociedade, e questionarem e avaliarem o atendimento que recebem” (VENTURA, 2014, p. 94). Sempre com um olhar ampliado para os aspectos contraditórios desta sociedade excludente, pois,

sem atenção a esse contexto não há como estabelecer uma crítica sobre os sistemas injustos; a socioeducação não é capaz de modificar as condições sociais de desigualdade, corrupção e pobreza. Qualquer aplicação de medida se dá, portanto, dentro de um contexto real sobre o qual há possibilidades limitadas de intervenção (FRASSETO et al, 2012, p. 43).