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A expectativa Punitiva das MSE-MA: “Foi barbada”; “Podiam ter feito coisa pior”

5. POR ENTRE SIGNIFICADOS

5.5. A expectativa Punitiva das MSE-MA: “Foi barbada”; “Podiam ter feito coisa pior”

Nesse contexto permeado por contradições, algumas das quais materializadas neste estudo através, especialmente, das vozes dos sujeitos, outro destaque oriundo das falas destes foi em relação à expectativa punitiva das MSE-MA, posto que, ao mesmo tempo em que os sujeitos referiram que as medidas em meio aberto são positivas porque possibilitam “refletir com calma”, porque são mecanismos para o acesso a direitos, contribuem para o fortalecimento dos vínculos familiares, entre outros significados, surgiu em algumas falas, a expectativa punitiva na execução destas medidas.

O Jovem 2 cumpriu MSE-MA de LA, e em seu relato destacou que deveriam ser determinadas duas MSE, pois a LA “foi barbada”, dizendo que um jovem que não tem a “cabeça boa” pode descumprir a determinação – também relatado por outros jovens:

É uma coisa que saiu até barato. Eu penso. Eu sei que não foi uma coisa certa, foi uma coisa errada, mas eu tentei fazer, defender a minha família [...] Pra mim que

tenho a cabeça no lugar eu vi que foi um troço que eu tinha feito de errado, que eu tinha que pagar, que não era severo, eu entendo hoje porque quando a gente é menor, assim, a gente não pensa muito, mas naquela época eu já pensava, mas a maioria dos jovens não pensa que nem eu pensava que eu tinha feito uma coisa errada, que aquilo ali era meu compromisso que eu tinha que cumprir, tudo, os outros jovens podem não tá nem aí. Aposto que a maioria dos jovens não faz, tem que procurar num lugar e outro aí. Pensam, nem sei o que pensam pra falar a verdade. Não pensam em trabalhar, só na rua (J5).

Sinceramente, foi comigo, mas eu achei muita barbada isso daí. Porque, bah, podiam ter feito coisa pior, podiam ter colocado pra limpar rua, capinar um pátio, sabe? Eu achei que poderia ser um pouco mais pesado, eu acho. Porque foi bom pra mim, eu não me arrependo, mas, foi muito fácil. Assim, ajudou um pouco, mas o castigo acho que podia ser um pouco maior, sabe? Ah, eu não entendo como castigo, é de aprender, mas, mesmo assim, se a pessoa não tiver com uma cabeça boa ele volta a fazer de novo [...] Então eu acho, assim, que tipo se a pessoa foi a primeira vez, ah não deu nada, vem aqui fez Liberdade Assistida, daí conversou, viu que foi fácil, quando vê quer voltar de novo, entendeu? Eu acho que vai muito é do psicológico da pessoa; [...] Porque eu achei que foi muito fácil, eu não acreditei quando eu saí de lá que seria essa moleza, com todo o respeito, sabe? Mas, é o que eu penso (J2).

Tu avalias que as MSE em Meio Aberto deveriam ser mais rigorosas?

Um pouco mais, porque o que eu fiz, praticamente perto de algumas coisas que acontecem, é leve, mas mesmo assim, acho que deveria ser um pouco mais rígido, porque foi muito fácil (J2).

E o que seria pra ti uma medida mais rígida?

Ah, sei lá, devia dar mais responsabilidade, acho que tinha que ficar um pouco mais em cima, e dar tipo um serviço comunitário, alguma coisa assim, porque tem pessoas com quinze/dezesseis anos na cara e não sabe o que é uma enxada, sabe? Daí eu acho que se desse essa coisa assim pra pessoa, ela ia ficar conhecendo, daí não querendo, ela ia acabar conhecendo e daí eu acho que teria até que ter também um acompanhamento pra pessoa ter um conselho, ter com quem conversar, sabe? Tem muita pessoa que tem muito problema, daí eu acho que acabaria ajudando a pessoa. Daí sei lá, influenciando num curso, que nem foi falado pra mim, serviço, alguma coisa assim, quem sabe a pessoa gostasse entendeu? É o que eu acho (J2).

O orientador social destacou que, geralmente, os adolescentes, ao chegarem à instituição, têm a ideia de que irão realizar “trabalhos” pesados, posto que serão “punidos” pelo ato infracional cometido:

Eles vêm com o pensamento que eles vão ter que fazer trabalhos pesados, judiados, que a instituição vai, digamos assim, castigá-los [...], mas, eu digo 'não é isso, a medida é socioeducativa, o próprio nome ele já diz, então a intenção é ajudar vocês a retomar, a pensar, a assumir com responsabilidade a vida de vocês (Orientador).

Constata-se, portanto, que nesse contexto contraditório – no qual convivem, simultaneamente, os posicionamentos políticos que defendem as legislações atuais que visam

à defesa, à garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes e o rompimento, portanto, com o processo histórico de criminalização da infância e da adolescência pobres, e os que, ao contrário, mantêm a convicção de que esses sujeitos devem ser punidos pelos atos infracionais que cometerem – a reprodução do referido processo permanece viva. Fato que se pôde constatar nesses significados contraditórios que foram emitidos pelos sujeitos entrevistados a respeito das MSE-MA.

Apesar de terem referenciado que as MSE-MA lhes geraram a possibilidade de reflexão sobre suas vidas, sobre o ato infracional cometido, entre outros processos, significaram, também, mecanismos que foram “fáceis” de cumprir, destacando-se para alguns como mecanismos punitivos ou que deveriam ser mais punitivos. Nesse sentido, outros fatores também surgiram como influenciadores do cumprimento da(s) MSE-MA e para a não reincidência em novos conflitos com a lei, dentre os quais destacaram-se:

 Liberdade: Ah, a minha liberdade vale mais que tudo hoje [...] daí eu preferi

qualquer coisa, menos tá lá dentro entendeu?

Os jovens que vivenciaram a experiência da privação de liberdade enfatizaram que o intuito de não revivê-la foi um dos fatores para o cumprimento da MSE-MA:

Ah, a minha liberdade vale mais que tudo hoje. Eu vi que não vale à pena, daí eu preferi qualquer coisa, menos tá lá dentro entendeu? Então se me mandasse fazer qualquer outra coisa eu ia fazer, mas, menos passar por lá de novo [...] Ah, foi horrível, como posso dizer assim? Muita coisa que eu não queria ver e acabei vendo, entendeu? Muita coisa ruim, que eu jamais pensei que ia passar por aquilo ali, etendeu? Daí hoje qualquer coisa que eu faça, qualquer serviço, eu penso naquilo lá, o cara acha ruim, mas bem ou mal melhor coisa do que tá lá dentro porque é horrível (J2).

Ah, não voltar lá pra dentro mais, lá da FASE. Ah, foi difícil. Muito difícil, eu nem conseguia falar com a psicóloga lá dentro. Eu fiquei lá dois meses, três meses por aí. Eu nem queria falar com a psicóloga. Aí eles me deram três meses de serviço comunitário (J1).

Frasseto et al (2012) questionam se o adolescente tem consciência da punição que lhe foi imputada e das determinações socio-históricas de suas ações e, afirmam que o caráter punitivo das medidas está explícito quando ocorre a restrição de liberdade, a qual afasta o adolescente de seu meio social.

“Natureza” Individual: “eu acho que é da natureza de cada um”.

Aspectos de cunho psicológico, de caráter, de natureza individual, entre outros, foram citados como propulsores do cumprimento da MSE-MA.

É que eu acho que é da natureza de cada um. Eu não sei se os outros jovens pensaram, no caso, que nem eu, assim falar no grosso, se ajeitaram, entendeu? Se tomaram o rumo certo. Eu acho que vai da cabeça de cada um. Eu pensei, eu vi que era um negócio errado, que eu não podia ter feito, mas que foi preciso. Eu sempre tive uma cabeça muito boa (J5).

 Não ter vínculo com a Justiça: “sabia que ia ter um pezinho com eles”

É um pouco foi por causa que eu sabia que ia ter um pezinho com eles lá; nesse tempo que eu fui cumprir serviço comunitário foi porque eu já tava bem encrencado com eles lá no Fórum, [...] até a Juíza determinou: “Agora tu não vai mais poder tomar advertência, que tu já tem três. Agora é Medida Socioeducativa. Depois se acontecer pode ser pior”. Aí eu fui cumprir MSE e resolvi parar, né? (J6).

 Amadurecimento / Formação Núcleo Familiar: “Eu tava passando de guri a

homem

E também um pouco ajudou porque eu tava botando tudo pra fora, tava revendo a minha vida eu acho. Eu tava passando de guri a homem e sei lá, eu tava mudando bastante. Aí foi uma das decisões que eu decidi tomar, foi fazer certinho e não precisar mais me preocupar. Fechar esse tempo e não ter nada que venha me comprometer, né? Meu filho já tinha nascido então, minha cabeça foi mudando, eu não sei se foi um pouco com a ajuda do filho, que eu gostei, eu me apeguei muito a ele. Larguei tudo de mão e fui trabalhar. (J6).

Do mesmo modo que o envolvimento com o ato infracional é um fenômeno acarretado por múltiplos fatores, a reincidência ou não no cometimento de novos atos infracionais também o é. Portanto, não se pode atribuir, exclusivamente, à eficácia ou não das MSE-MA o fator determinante para o retorno ou não ao conflito com a lei.