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3.2.3.1.1 – As multas de mora e as multas estritamente punitivas

CAPÍTULO V – AS ESPÉCIES DE SANÇÕES QUE AS NORMAS JURÍDICAS

V. 3.2.3.1.1 – As multas de mora e as multas estritamente punitivas

A multa de mora é a sanção tributária administrativa pecuniária que se aplica diretamente pelo descumprimento de uma obrigação tributária de cunho material. Mais especificamente, é a punição objetiva imputada pelo não pagamento, enquanto mero inadimplemento, pelo pagamento a menor ou pelo pagamento extemporâneo de um tributo ou de outra multa tributária pecuniária antes aplicada. Ou seja, pune a impontualidade.

É, como dito, sempre objetiva, não dependendo da vontade do punido de praticar o ato que lhe deu causa. E, em regra, é calculada pela aplicação de uma fração ou múltiplo sobre o valor do tributo devido. Porém, nada impede que ela seja imposta num valor fixo. Outros aspectos importantes a serem ressaltados sobre as multas de mora é que elas podem ser graduadas de acordo com o lapso de demora no pagamento e que podem ser limitadas a um teto, quando cobradas por fração do tributo a cada dia de atraso.

151 No plano federal, a previsão genérica da aplicação da multa moratória consta do art. 61 da Lei Federal n.º 9.430/1996, aplicado a todos os tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil. Ela é calculada à razão de trinta e três centésimos por cento ao dia, limitada ao total de vinte por cento do tributo devido. Já nos planos estaduais e municipais, a multa de mora é de livre fixação de cada ente tributante, podendo também variar de acordo com o tributo.

No Estado de São Paulo, por exemplo, a multa de mora do ICMS é graduada entre dois e vinte por cento do valor do imposto devido, a depender do prolongamento da demora no pagamento, conforme determina o art. 87 da Lei Estadual SP n.º 6.374/1989. Ainda no mesmo Estado, a multa de mora do ITCMD é idêntica àquela cobrada no plano federal, nos termos do art. 19 da Lei Estadual SP n.º 10.705/2000.

Muito já se debateu na doutrina, inclusive entre os estudiosos do direito tributário, sobre a sua natureza jurídica. As opiniões se distribuem entre os que sustentam a natureza sancionadora da multa moratória341 e os que defendem seu caráter de indenização pela demora no pagamento342. Há, ainda, aqueles que combinam as duas correntes, como, por exemplo, BARROS CARVALHO343 e REGIS DE OLIVEIRA344, apontando, ao mesmo tempo, aspectos indenizatórios e sancionadores às multas de mora. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, reforça o aspecto sancionador da multa de mora ao afirmar, na redação da Súmula n.º 565, que “A multa fiscal moratória constitui pena administrativa (...)”.

Sua perspectiva punitiva fica evidente se considerarmos que, na seara tributária, a tarefa de recompensar a demora no pagamento caberia aos juros de mora, não à multa moratória. Além disto, a multa de mora não substituiu o tributo devido, como ocorre nos expedientes ressarcitórios, mas, ao contrário, cumula-se a ele. Ainda, não há relação de

341 É esta, por exemplo, a conclusão de NAVARRO COÊLHO (Cf. COÊLHO. 1993. p. 68-74), de PAULO CÉSAR BRAGA (Cf. BRAGA. 2013. p. 229), de COIMBRA SILVA (Cf. SILVA. 2007. p. 125), e de JOSÉ EDUARDO

SOARES DE MELO (Cf. BRAGA, p. 229). Também foi esta a conclusão de ROQUE GADELHA DE MELO,já nos

idos de 1960 (Cf. DE MELO. 1960. p. 51).

342 Cf. COSTA JÚNIOR; DENARI. 2000. p. 72-73.

343 O autor, ao mesmo tempo que reconhece que “As multas de mora são também penalidades pecuniárias”, pondera que “Nelas predomina o intuito indenizatório” (Cf. CARVALHO. 2011. p. 875).

344 Ao discorrer sobre as multas moratórias e as multas punitivas, REGIS DE OLIVEIRA primeiro afirma que “(...) a multa denominada moratória também é sanção (...)”, para logo em seguida concluir que “(...) mas o efeito é apenas o de compensar ou ressarcir o prejuízo pelo retardamento do recolhimento do tributo.” (REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA. Infrações e Sanções Administrativas. 2ª Ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2005. p. 93).

152 proporcionalidade entre ela e o dano efetivo, que pode ser maior ou menor que seu valor. De outro lado, não se pode negar que a multa de mora, ao mesmo tempo que serve de punição ao contribuinte inadimplente, também serve, de certa forma, a indenizar o sujeito ativo da tributação, por ele não ter disposto da pecúnia do tributo no tempo devido.

Porém, avançar a fundo no mérito do embate mereceria toda uma nova dissertação, projeto incompatível com o objeto desta pesquisa. Assim, se reconhece o propósito sancionador da multa de mora, providência suficiente para acrescê-la ao rol das espécies de sanções tributárias, independente de outras funções que ela desempenhe.

Por outro lado, a multa estritamente punitiva não padece da mesma controvérsia. É inequivocamente vocacionada a intimidar o punido a não mais praticar o ato ilícito sancionado. Pune toda a sorte de ilícitos tributários administrativos que não a impontualidade no pagamento do tributo pelo sujeito passivo ou a impontualidade no pagamento de outra multa tributária administrativa antes imputada, inclusive os ilícitos em que se faz necessário apurar a vontade do punido na prática do ato.

Em regra, sanciona o descumprimento de uma obrigação tributária de cunho formal, os chamados deveres instrumentais ou obrigações acessórias. Todavia, nada impede que também se preste a sancionar obrigações tributárias materiais por ilícitos outros que não o mero inadimplemento do tributo, como nas práticas de sonegação, supressão ou mitigação de tributo, que demandam a apuração da vontade do agente.

São inúmeras as características que as diferenciam das multas de mora. A primeira delas é que, ao reverso das multas de mora, punem tanto infrações objetivas quanto infrações subjetivas. Uma segunda característica diferenciadora é que a responsabilidade por seu cumprimento não se transmite a terceiros, o que ocorre com as multas de mora, por força do que dispõe o parágrafo único do art. 134 do CTN345. Outro fator de diferenciação é que sua constituição depende de um ato individual e concreto que nunca pode ser praticado pelo próprio sancionado, o que é possível nas multas de mora.

345 Ao discorrer sobre a responsabilidade de terceiros pela obrigação tributária principal, determina o parágrafo único do art. 134 do CTN que:

Art. 134. (...) (...)

153 O mais comum é que a multa estritamente punitiva seja taxada num valor fixo por infração cometida. Porém, nada impede que ela seja fixada dentre parâmetros, máximo e mínimo previamente definidos ou que seja imposta numa fração ou múltiplo do valor do tributo que deixou de ser recolhido aos cofres públicos, providência não recomendada nas situações em que ocorreu mero descumprimento de dever instrumental, por razões que serão no próximo tópico melhor explicitadas.

Outro aspecto importante sobre a multa estritamente punitiva é que ela deve ser graduada de acordo com a gravidade do ilícito administrativo praticado, sendo, em regra, menos contundente quando a prática do ato não implicou em não recolhimento do tributo. Outros fatores, como o dolo e a reincidência ou reiteração na prática do ilícito, podem servir como agravantes da sanção, enquanto que o bom histórico do contribuinte ou seu compromisso de não mais infringir as normas tributárias podem se prestar a atenuá-la, em ambos os casos, desde que haja expressa previsão legal para o aumento ou a redução.

Por fim, cumpre informar que as previsões gerais e abstratas das multas estritamente punitivas encontram-se, de regra, esparsas nos diplomas normativos dos entes tributantes, o que dificulta bastante o labor dos contribuintes em conhecê-las. Em geral, a veiculação desta espécie de sanção é feita, em parte, no corpo do mesmo diploma legal que disciplina cada tributo especificamente considerado346. Porém, nada impede que a instituição se dê de forma casuística no teor de outro diploma normativo qualquer347.