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CAPÍTULO IV – OS VEÍCULOS INTRODUTORES DAS NORMAS JURÍDICAS

IV. 1.1 – O arenoso tema das fontes do direito

Diz-se arenoso o tema das fontes do direito porque esta expressão jurídica é composta por termos ambíguos, que, ao se agruparem, somam suas anfibologias, resultando na ampliação do seu campo semântico e na consequente multiplicação de suas significações, motivo de recorrentes confusões no estudo do assunto.

A imprecisão semântica da palavra fonte é de menor problemática, uma vez que a sua significação que interessa ao estudo jurídico invariavelmente remete à ideia de origem, de nascedouro, de ponto de partida. Todavia, ainda resta certa imprecisão à palavra, quando, ao compor-se com a palavra direito para formar a expressão jurídica ora estudada, lhe falta uma adjetivação. Empregar o vocábulo fonte isoladamente pode remeter tanto ao conjunto de normas positivadas em unidade sistêmica quanto às ciências que se dedicam ao estudo deste conjunto, ou ao estudo de temas a ele relacionados. FERRAZ JÚNIOR194, ao discorrer sobre o tema das fontes do direito, observa tal imprecisão e conclui:

Na verdade, a expressão fontes do direito é uma metáfora cheia de ambiguidades. O uso da palavra está transposto e pretende significar origem, gênese. As discussões sobre o assunto, que mencionamos, revelam que muitas das disputas resultam daquela ambiguidade, posto que por fontes quer-se significar simultaneamente e, às vezes confusamente, a origem histórica, sociológica, psicológica, mas também a gênese analítica, os processos de elaboração e de dedução de regras obrigatórias, ou, ainda, a natureza filosófica do direito, seu fundamento e sua justificação. (grifado)

194 Cf. FERRAZ JÚNIOR. 2001. p. 221.

80 Portanto, a resposta ao questionamento sobre o que são as fontes do

direito certamente dependerá do domínio linguístico em que a indagação é elaborada, já

que as fontes manifestamente não serão as mesmas ao historiador do direito, ao sociólogo do direito, ao antropólogo do direito, ao historiador do direito, ao filósofo do direito e ao dogmático analítico do direito, por exemplo, para ater-nos apenas no campo jurídico.

Por este motivo, não raramente há pesquisas sobre as fontes do direito que, apesar de sugeridamente se dedicarem ao mesmo tema, quando cotejadas, não aparentam conter qualquer afinidade. Isto não significa que exista superioridade de uma ou outra abordagem. Como observa BARROS CARVALHO195, é “falso problema aquele que discute a propósito de superioridade desta ou daquela posição cognoscente do direito”.

Significa apenas que o pesquisador prudente deverá indicar qual recorte metodológico adotará. E, no caso desta pesquisa, é o enfoque dogmático do Direito que nos interessa, limitando-se, assim, as significações que a expressão fontes do direito pode assumir. Ou seja, a análise será interna do direito, voltada para dentro do sistema do direito positivo, deixando de fora, por ora, as relações que este estabelece com outros sistemas, bem como as influências que estes outros promovem no universo do direito positivado.

Porém, este recorte não é suficiente para superar as ambiguidades que acompanham o tema das fontes do direito. A delimitação semântica do vocábulo direito também guarda certa complexidade por idêntico problema anfibológico e amplia a confusão no estudo do tema. Em obra de relevo sobre o tema das fontes do direito, TÁREK MOUSSALLEM196 aponta seis das acepções que a expressão pode assumir. Vejamos:

(1) o conjunto de fatores que influenciam a formulação normativa; (2) os métodos de criação do direito, como o costume e a legislação (no seu sentido mais amplo, abrangendo também a criação do direito por meio de atos judiciais e administrativos, e de transações jurídicas); (3) o fundamento de validade de uma norma jurídica – pressuposto de hierarquia; (4) o órgão credenciado pelo ordenamento; (5) o procedimento (atos ou fatos) realizado pelo órgão competente para a produção de normas – procedimento normativo; (6) o resultado do procedimento – documento normativo.

195 Cf. CARVALHO. 2009. p. 55.

81 Ou seja, mesmo que se limite uma pesquisa sobre as fontes do direito ao domínio linguístico da ciência do direito em sentido estrito, ou dogmática analítica, ainda são comuns as confusões empreendidas no estudo do tema.

Não é raro que os doutrinadores admitam como fontes do direito, sem maiores justificativas, tanto o processo quanto o próprio produto da atividade normativa, ou ainda o órgão credenciado a realizar este processo de inclusão de novas normas, em análises que denotam a confusão que a falta de fundamentos científicos sólidos acarreta.

Também é comum que a doutrina majoritária reproduza a tradicional classificação das fontes do direito entre fontes formais e fontes materiais, repetida à exaustão como um mantra tibetano. As fontes formais corresponderiam aos expedientes necessários para a introdução de novas normas no sistema, normalmente admitidos como as leis, em sentido amplo, enquanto as fontes materiais se confundiriam com os elementos históricos, sociais, materiais e ideais que propiciaram a elaboração destas novas normas.

FERRAZ JÚNIOR197 critica esta dicotomia entre formal e material, ao afirmar que ela “traz um problema teórico para a própria sistematização, posto que fica

difícil conceber o ordenamento como uma unidade”. Para tanto, cita o problema da

legitimação do direito, valendo-se do exemplo de uma fonte reconhecida na forma, mas “espúria” na matéria. Outro teórico a criticar a classificação é BARROS CARVALHO198, que, ao questionar a admissão da lei, lato sensu, como fonte formal do direito, afirma:

De fato, as normas ingressam no ordenamento por intermédio de instrumentos designados por aqueles nomes conhecidos (lei, decreto, portaria, ato de lançamento, acórdão, sentença, etc.), que são de extrema relevância para alojarmos o preceito nos escalões do sistema, mas que também são normas jurídicas. (...) afirmar ser a lei fonte do direito positivo não significa nada mais do que postular que normas criam normas, direito cria direito, numa proposição evidentemente circular, que deixa o primeiro termo como resido inexplicado.

197 Cf. FERRAZ JÚNIOR. 2001. p. 220. 198 Cf. CARVALHO. 2009. p. 52.

82 O eminente professor demonstra a circularidade intrínseca na proposição de se admitir a lei enquanto fonte do direito, uma vez que esta também é resultado da experiência jurídica, sendo paradoxal adotá-la como origem de um fenômeno do qual decorre, admitindo-a, a um só tempo, como causa e efeito.

É certo que existem outros estudos e classificações sobre o tema das

fontes do direito. FERRAZ JÚNIOR199, ao discorrer sobre o assunto em sua importante obra

Introdução ao estudo do direito, aponta alguns deles. TÁREK MOUSSALLEM200 também o faz, demonstrando haver pesquisado com propriedade o assunto na perspectiva de doutrinadores de renome como os estrangeiros NORBERTO BOBBIO, ALF ROSS, HANS KELSEN, GARCIA MÁYNES, RECASENS SICHES, e os nacionais MIGUEL REALE e LOURIVAL VILANOVA, além do próprio FERRAZ JÚNIOR, entre outros.

Contudo, não é objetivo desta dissertação discuti-las e, menos ainda, promover um aprofundamento do tema. Este interessa a esta pesquisa apenas enquanto tangencia sua proposta, de tratar dogmaticamente das normas jurídicas tributárias sancionadoras. Só é relevante na perspectiva de indicar como esta espécie de normas passa a ter valor cogente, integrando o sistema do direito positivo, no intuito de apontar como se dá a entrada destas normas no repertório do ordenamento nacional.

Portanto, o objetivo até este ponto foi tão somente demonstrar ao leitor que o uso da expressão fontes das normas jurídicas tributárias sancionadoras fatalmente levaria a uma remissão à teoria das fontes do direito e seria capaz de provocar-lhe mais dúvidas, que aqui se pretende sejam evitadas, do que certezas, preferindo-se o emprego de outra terminologia. Assim, resta definir que expressão usar e o porquê desta escolha.