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1 – Breves considerações acerca do histórico do direito tributário sancionador no

CAPÍTULO II – OS ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO

II. 1 – Breves considerações acerca do histórico do direito tributário sancionador no

Decifrar a origem da tributação é uma tarefa quase impossível. Sua nascença remonta aos primórdios da própria civilização humana. Um passado tão distante que hoje só nos é dado conhecê-lo por meio das suposições arqueológicas, fruto dos rigorosos estudos dos raros vestígios materiais dos povos primitivos que resistiram até nós.

33 Por isto, é improvável que, cedo ou tarde, sejamos capazes de indicar, com precisão cartesiana, o momento exato em que o poder político passou a exigir tributos dos seus governados ou a sancioná-los pelo não cumprimento do dever de pagá-los.

Na verdade, isto pouco importa, já que não nos impede de inferir, pela síntese das informações fragmentárias até hoje obtidas, que o surgimento e o desenvolvimento da tributação tenha se dado por meio de um processo histórico lento e gradual. Também não nos impede conhecer, mesmo que retalhadamente, as consequências imputadas a quem não prestasse os tributos exigidos, sendo este o assunto que por ora interessa a esta pesquisa.

Neste diapasão, acredita-se que o tributo tenha surgido como um agrado voluntário, devotado à figura humana representativa do divino na Terra, diretamente ao próprio ser divino ou ao líder de uma comunidade, horda, grupo ou tribo.

Entretanto, esta cortesia logo se transformou em obrigação, trazendo como consequência visceral o castigo terreno aos desobedientes em prestá-la93. Uma decorrência desta metamorfose foi a adoção de outra palavra em sinonímia ao tributo. É o vocábulo imposto94, que, no emprego vulgar, fulmina a ambiguidade semântica do tributo entre as significações de oferta espontânea e de obrigação que se impõe a alguém. Não se sabe ao certo em que momento esta mudança ocorreu. Todavia, sabe-se que nos primórdios da Idade Antiga e da Idade Média o tributo servia, em regra, ao custeio das guerras, e, por vezes, confundia-se com o confisco. Era cobrado principalmente dos povos derrotados, muitas vezes escravizados pelos vencedores das batalhas. A célebre frase atribuída a Jesus95, que, ao ser questionado sobre o dever de pagar tributos, respondeu com sabedoria

“Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, já denota a submissão

dos vencidos e escravizados ao jugo do tirano ou soberano, em um dos inúmeros sentidos atribuídos à frase.

93 Diz-se terreno porque antes, aos olhos dos povos antigos, era sobre o espírito que as sanções iriam recair. Por isto FÜHRER detalha o assunto em pormenores, em obra que pode ser consultada por quem pretenda se aprofundar no tema. Cf. FÜHRER. 2010. p. 22-28.

94 Observa-se com cautela que a significação é meramente vulgar, sendo outro sentido científico do vocábulo, já que os impostos correspondem a apenas uma das espécies tributárias, ao lado das taxas e contribuições de melhoria, se admitida a teoria tripartite das espécies tributárias, ou destas e das contribuições e dos empréstimos compulsórios, se admitida a teoria penta-partida.

34 Não que este subjugo fosse voluntário. Ao contrário, era, é e muito provavelmente continuará a ser razão para a insatisfação dos explorados. Uma motivação para rebeliões e revoltas destes grupos oprimidos. Também por isto, a sanção ao descumprimento do encargo de pagá-lo havia de ser exemplar, assim como havia de ser severa a repressão aos rebeldes e revoltos insatisfeitos.

Raras eram as civilizações estruturadas com a prévia definição de limites ou padrões às sanções a serem aplicadas. A escolha, muitas vezes, cabia ao magistrado, ao tirano, ao sacerdote, ao chefe religioso, ao censor, ao cônsul ou ao soberano, sendo recorrente a imposição de castigos cruéis. As punições eram das mais diversas espécies, podendo atingir a vida, o corpo, a honra, a liberdade, a cidadania, o patrimônio, entre outros bens jurídicos do punido. Existiam, ainda, as sanções voltadas a atingir a alma, como a excomunhão96, a danação97 e a perdição98.

A morte podia vir pelo apedrejamento, pela forca, pela crucificação, pelo lançamento ao fogo, pela decapitação, pelo empalhamento, pela entrega as feras, pelo afogamento, pelo embalsamamento em vida e pelo envenenamento, entre outros meios cruéis. Os castigos corporais se davam pela mutilação, pela amputação de membro, pela flagelação, pela marcação a fogo e pela imposição de trabalho forçado. A afronta à honra pela aposição de sinais infamantes99, enquanto a liberdade era atingida pela escravização, vitalícia ou temporal, ou pela prisão. Havia também as sanções de degredo, de desterro100, de banimento, de confisco101, de perda de bens102 e de multa103, em pecúnia ou suprimento.

Os exemplos relatados não esgotam o rol das sanções aplicadas, dada a farta criatividade humana. Além disso, as múltiplas formas de punir nem sempre eram aplicáveis em todos os reinos, havendo, de lado a outro, preferência por tais ou quais meios de punição. Contudo, é certo que a ausência ou a deficiência no pagamento dos tributos invariavelmente acarretava em castigo.

96 Cf. FÜHRER. 2010. p. 29-30. 97 Cf. FÜHRER. 2010. p. 29. 98 Cf. FÜHRER. 2010. p. 29. 99 Cf. FÜHRER. 2010. p. 26. 100 Cf. FÜHRER. 2010. p. 26. 101 Cf. FÜHRER. 2010. p. 27. 102 Cf. FÜHRER. 2010. p. 26. 103 Cf. FÜHRER. 2010. p. 30.

35 A justificação da cobrança do tributo cambiou entre os povos antigos da prestação de oferendas sacramentais às divindades, em troca de abundância nas colheitas e de proteção contra as fúrias dos Deuses, para o custeio da guerra ou da paz. Depois, entre os medievais, passou a ser a proteção física e o empréstimo dos meios de produção, ofertados pelos suseranos, senhores de todas as coisas, aos vassalos, meros homens servis. Ainda entre os medievais, a busca da proteção divina justificava a cobrança pela Igreja do dízimo e de outras taxas de serviços para realização dos sacramentos católicos. E, após, para os modernos, o direito divino do soberano, revestido pelos céus da autoridade suprema, bastava enquanto justificação para a cobrança dos tributos.

Todavia, por mais que o fundamento da tributação tenha se alterado104, as atrocidades nas sanções continuavam a fustigar aos que não pagavam os tributos na forma e na quantidade exigidas. Se, por um lado, já aparecia uma rasa parametrização das sanções a serem aplicadas, por meio do surgimento de regramentos, esparsos e não sistematizados, por outro, ainda era possível o enquadramento dos delitos tributários como crime de lesa- majestade, cujo conteúdo era nebuloso e a pena ao infrator quase sempre era severa.

As consequências deste cenário, de farta opressão e de altas cargas tributárias, pesava sobre os mais carentes, já que havia privilégios a proteger o clero e a nobreza. O monarca francês Luís XIV resumia os papéis dos três estratos sociais nesta insustentável estrutura social em uma curta frase, ao proclamar: “Que o clero reze, que o nobre lute pela pátria e que o povo pague”. Em tal conjuntura, havia combustível

suficiente às insurreições populares e aos movimentos revolucionários, que eclodiam com cada vez mais frequência e que culminaram na Revolução Francesa, marco inicial da Idade Contemporânea. No levante, foram decapitados o rei e os privilégios do clero e da nobreza.

Então, a justificação da tributação verteu-se para o custeio das necessidades de manutenção do Estado e, mais à frente, para a redistribuição das riquezas e para a garantia do bem comum, com a melhora da qualidade de vida dos cidadãos.

104 É importante ponderar que o surgimento de uma nova fundamentação à cobrança dos tributos não suprime por completo as justificações antes existentes. Não há imediata substituição do fundamento antigo pelo novel, havendo, em verdade, sobreposição de um a outro, persistindo a coexistência enquanto a sociedade atual carregar os traços culturais das sociedades antigas.

36 A mudança impactou as sanções tributárias, afastando gradualmente as consequências penais das infrações e delitos tributários e, de outro lado, servindo a ampliar as sanções tributárias administrativas. O crime de lesa-majestade foi aos poucos sendo suprimido e, com ele, tendo fim a pena capital pelo não cumprimento de obrigações tributárias. No entanto, as demais penas permaneceram aplicáveis, excluindo-se paulatinamente as penas mais cruéis, como os castigos corporais, o trabalho forçado, o degredo, o desterro e o banimento.

Ocorreu, ainda, um aumento gradativo do rigor na instituição das normas jurídicas tributárias sancionadoras administrativas, bem como na imputação das sanções, servindo ao equilíbrio da desigual relação jurídica entre o Fisco e o contribuinte. De outra banda, houve uma verdadeira proliferação das obrigações acessórias ao dever de pagar tributo, e, com ela, a consequente multiplicação dos expedientes sancionadores administrativos, que ainda hoje se mostram em expansão.

Por fim, cumpre observar que o movimento de distanciamento entre o direito tributário e o direito penal só seria revertido quase século e meio depois do início da Idade Contemporânea, quando, por meio da tipificação legislativa dos ilícitos penais, os Estados voltaram a reaproximá-los, recrudescendo novamente as sanções tributárias, com a ampliação dos tipos penais tributários.

Deste modo, apresentado em resumo o panorama histórico do direito tributário sancionador no mundo, pode-se mirar para a experiência nacional e verter o foco ao histórico do direito tributário sancionador no Brasil.