• Nenhum resultado encontrado

IV Competências de Intervenção

2. As Perturbações do Espectro do Autismo (PEA)

As disfunções subjacentes às PEA passam pelos défices ao nível da interacção social recíproca, da comunicação (verbal e não-verbal) e padrões de interesses e/ou comportamentos restritivos, estereotipados ou repetitivos (por exemplo, resistência à mudança, maneirismos motores, respostas atípicas às experiências sensoriais) (Barthélemy, Fuentes, Gaag & Visconti, 2002; Bedia et al., 2006; Bellini, Peters, Benner & Hopf, 2007; Hepburn, DiGuisepi, Rosenberg, Kaparich, Robinson & Miller, 2008; Hillman, 2006; Johnson, Handen, Butter, Wagner, Mullick, Sukhodolsky, Williams, Swiezy, Arnold, Aman, Scahill, Stigler McDougle, Vitiello & Smith, 2007; Pereira, 2007; Rúa, 2007; Tardif, Lainé, Rodriguez & Gepner, 2007; Tsai, 2004; Whitbread, 2007).

A redução na interacção social é visível, por exemplo, na frequência, intensidade e duração dos comportamentos não-verbais (contacto ocular fugaz e irregular, expressão facial, postura corporal); no insucesso na relação com os pares ou na relação inadequada face ao nível de desenvolvimento; na ausência de procura espontânea de partilha de interesses, divertimentos ou actividades com outras pessoas; e/ou na falta de reciprocidade social ou emocional (APA, 2002; Bellini, Peters, Benner & Hopf, 2007; Hillman, 2006; Kasari et al., 1990 citado por Rogers, 2005; Soares, 2006; Sousa, 2006; Tsai, 2004). É visível também uma dificuldade ao nível da empatia, em se situar em relação aos outros e em compreender e prever o seu comportamento (Sousa, 2006; Tsai, 2004). As incapacidades de socialização não afectam “apenas” a capacidade de uma criança para se envolver num jogo ou fazer amigos, a sua influência estende-se ao trabalho em pequenos grupos ou em parceria com um companheiro, às relações criança-terapeuta/educador, entre outras mais (Hewitt, 2006).

No domínio da comunicação, os deficits podem ir de uma ausência total de comunicação verbal, a um discurso fluente com défices “apenas” ao nível da pragmática (Hillman, 2006; Jordan, 2000; Murdock, Cost & Tieso, 2007; Tsai, 2004). Assim, pode existir uma redução qualitativa na comunicação: atraso ou ausência no desenvolvimento da linguagem falada; uso estereotipado ou repetitivo da linguagem; quando falam, existe redução na capacidade de iniciar ou sustentar uma conversação (por exemplo, ao nível da pragmática do discurso); falta de reciprocidade, relacionada com a utilização social da linguagem verbal e não-verbal; ausência de jogo simbólico variado e espontâneo ou jogo

130 social imitativo adequado ao nível de desenvolvimento; dificuldades na interpretação literal, na compreensão de metáforas e ironias ou na “leitura” de significados a partir do contexto (APA, 2002; Hewitt, 2006; Rogers, 2005; Soares, 2006; Sousa, 2006).

Os padrões repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e actividades tomam lugar numa adesão a rituais não funcionais, os quais se expressam na preocupação cingida a um ou mais padrões de interesse reduzidos ou não normais; na adesão a rotinas ou rituais específicos não funcionais; em maneirismos motores estereotipados e repetitivos; e/ou na preocupação persistente com partes de objectos (APA, 2002; Hillman, 2006; Soares, 2006; Tsai, 2004). A previsibilidade é também uma faculdade alterada nas crianças com PEA, havendo uma necessidade de um ambiente estruturado e constante que lhe permita “saber o que vai acontecer”, o que resulta na referida resistência à mudança (Sousa, 2006). Os medos surgem muitas vezes associados à não compreensão do que rodeia a pessoa, e portanto, uma importante implicação para a intervenção é a necessidade de criar rotinas e hábitos organizados de trabalho (Sousa, 2006).

No nível cognitivo salientam-se as dificuldades relacionadas com a atenção, a organização e generalização, ou seja, a criança responde apenas a uma parte restrita do meio envolvente (“túnel da atenção”); manifesta dificuldades em perceber o que a rodeia e em prever acontecimentos e; a sua aprendizagem refere-se sempre a uma situação específica, falhando na generalização a novas situações (Sousa, 2006).

Nas alterações sensoriais salientam-se a inconsistência das reacções à estimulação e a hiper ou hipo-sensibilidade a determinados estímulos (Sousa, 2006; Tsai, 2004). Há mesmo quem defenda que as crianças com PEA têm uma perturbação marcante no processamento auditivo (percepção e compreensão) e no processamento de outras sensações – hiper e/ou hipo-reactividade, tais como a informação visual, espacial, táctil, proprioceptiva e vestibular (Soares, 2006).

Uma deficiência de imaginação afecta bastante a capacidade de uma criança com PEA para “fazer de conta”, para se envolver em jogos imaginativos ou criativos com os outros e para resolver problemas (Hewitt, 2006). Para além disso, esta incapacidade pode também conduzir os indivíduos a exibirem uma compreensão limitada das consequências, tanto positivas como negativas e não desenvolverem, por isso, um banco de memórias de situações da vida real que lhes permite outra capacidade – previsibilidade (Hewitt, 2006). A resistência à mudança, a “rigidez de pensamento” que impede a transferência de quaisquer competências ou estratégias de abordagem a situações anteriormente adquiridas está também relacionada com a capacidade de imaginação (Hewitt, 2006).

A evidência clínica aponta para o facto de o Autismo ser resultado de alterações generalizadas do desenvolvimento de diversas funções do sistema nervoso central, não se

131 tratando pois de uma causa biológica única, devendo-se considerar uma etiologia

multifactorial onde estão implicados factores hereditários com uma contribuição genética

complexa e multidimensional que dá lugar a uma grande variabilidade de expressão comportamental (Barthélemy, Fuentes, Gaag & Visconti, 2002; González & Menchaca, 2007; Larsson et al., 2005; Newschaffer & Cole, 2005; Tsai, 2004). A mesma literatura refere que os genes por si só não podem explicar todas as variações que se verificam nos desvios tão precoces, há que ter em conta a interacção entre o potencial genético e o biológico do nível pré e perinatal, assim como a relação com muitas patologias genéticas.

O processo avaliativo do Autismo deve ser tomado numa perspectiva interaccionista e desenvolvimentista que analise os atrasos e desvios da criança (Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003), assim como incluir informações de múltiplas fontes e contextos ambientais (por exemplo, relatos dos pais, dos professores, observação da criança em diferentes ambientes) (Barthélemy, Fuentes, Gaag & Visconti, 2002; Filipek et al., 1999 citados por Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003). Também é recomendado que as avaliações das PEA sejam multidisciplinares, sempre que possível, envolvendo profissionais da psicologia, psiquiatria, pediatria, neurologia, terapia da linguagem e terapia ocupacional (Barthélemy, Fuentes, Gaag & Visconti, 2002; Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003; Docampo, Castro & Alvarez, 2006).

Os benefícios da identificação precoce das PEA são reconhecidos pelos pais e profissionais envolvidos (Le Couteur, 2003; Vikram, 2003) e constituem um passo essencial para a integração social (Cowley, 2000). Existem novas possibilidades para diagnosticar o Autismo numa idade mais precoce, muito antes dos sintomas clássicos se tornarem aparentes por volta dos 2 ou 3 anos de idade (Chairman & Baird, 2002, Howlin & Asgharian, 1999 citados por Drew, Baird, Baron-Cohen, Cox, Slonims, Wheelwright, Swettenham, Berry & Charman, 2002; Lord et al., 1995, Lord & MacGill-Evans, 1995, Cox et al., 1999, Stone, Ousley, Hepburn, Hogan & Brown, 1999 citados por Le Couteur, 2003; Lord, 1997, Stone et al., 1999, Charman et al., 1997, Cox et al., 1999 citados por Vikram, 2003; Medical Research Council [MRC], 2001; Stone et al., 1999, Teitelbaum et al., 1998 citados por Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003), o que parece ser especialmente importante dada a aparente eficácia das intervenções intensivas precoces, comportamentais e educacionais (Drew et al., 2002; Howling, 2002, Lord et al., 2005 citados por Magiati, Charman & Howlin, 2007; Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003; Pereira, 2007).

Neste sentido, a intervenção terapêutica nas PEA deve ter início mais cedo possível, ser intensiva, abranger os contextos naturais da criança e envolver activamente as famílias (Fenske et al., 1985, Prizant & Wetherby, 1988, Rogers, 1998 citados por Ozonoff,

132 Rogers & Hendren, 2003; Fuentes, 2004; Lovaas, 1987 citado por Kazdin, 2000; Lovaas, 1987 citado por Volkmar, Lord, Klin & Cook, 2002; Whitbread, 2007).