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IV Competências de Intervenção

5. Partir do Zero: Programa de intervenção comportamental intensivo precoce para as Perturbações do Espectro do Autismo

5.1. Intervenção com a família

Existe evidência suficiente de que as PEA causam um enorme impacto sobre as famílias para além da sobrecarga que recai, especialmente, sobre as mães. As exigências sobre as famílias prendem-se, entre muitas, com o lidar com a doença de um filho, necessidades financeiras, dificuldades em lidar/educar o filho, dúvidas relativas ao tratamento e prognóstico (Johnson et al., 2007). Não é de todo fácil aceitar a perturbação, sendo que a sua aceitação depende, geralmente, da idade da criança, das competências/dificuldades que aquela apresenta, o número de filhos e idade do casal, a saúde dos elementos da família, até mesmo da situação económica (Jordan, 2000), a severidade da perturbação, suporte social da mãe, locus de controlo percebido pela mãe e apoio dos serviços de saúde (Henderson & Vandenberg, 1992 citado por Tsai, 2004). A acrescentar a todas estas dificuldades, os familiares e pais das crianças com Autismo estão tipicamente mais propensos a desenvolver depressão, ansiedade, elevados níveis de stress (Bitsika & Sharpley, 2004, Rodrique, Morgan & Geffken, 1990 citados por Hillman, 2006; Gold, 1993, Koegel et al., 1992 citados por Tsai, 2004; McKinney & Peterson, 1987 citado por Dunn, Burbine, Bowers & Tantleff-Dunn, 2001) e problemas conjugais (DeMyer, 1979 citado por Dunn, Burbine, Bowers & Tantleff-Dunn, 2001; Higgins et al., 2005 citado por Hillman, 2006). Portanto, capacitar as famílias para lidar com todos estes aspectos é uma parte central da intervenção e tem efeitos positivos na própria evolução da criança (Dillenburger, Keenan, Gallagher & McElhinney, 2002).

A mediação cognitiva parece desempenhar um importante papel nas reacções de stress (Grinker & Spiegel, 1945, Janis, 1954, Lazarus, 1993 citados por Dunn, Burbine, Bowers & Tantleff-Dunn, 2001) e pode ser conceptualizada em dois principais processos: avaliação e coping (Holroyd & Lazarus, 1982 citado por Dunn, Burbine, Bowers & Tantleff- Dunn, 2001). Apesar da ansiedade se referir a uma ou mais situações, não são as situações em si que são ansiogénicas, mas o significado que lhes é confinado. Assim sendo, o desenvolvimento da ansiedade e do stress é um processo sobretudo de avaliação cognitiva (Marques-Teixeira, 1999; Gonçalves, 1994), logo intervir ao nível das cognições pode

145 ajudar a reduzir o stress vivenciado face às circunstâncias adversas destas famílias (Lazarus & Alfret, 1964 citado por Dunn, Burbine, Bowers & Tantleff-Dunn, 2001) e reestruturar crenças e expectativas abaladas com relação ao luto da criança normal. Se o impacto dos acontecimentos continuar a ser percebido como stressor, poderá também ser minimizado através do ensino e treino de estratégias de coping efectivas (Lazarus & Alfret, 1964, Speisman, Lazarus, Mordkoff & Davidson, 1964 citados por Dunn, Burbine, Bowers & Tantleff-Dunn, 2001).

Fomentar e promover a rede de suporte social dos pais pode também auxiliar a luta contra o stress destas famílias, sabe-se que o suporte social está inversamente relacionado com a depressão e a ansiedade (Bristol & Schopler, 1983, Gill & Harris, 1991, Gray & Holden, 1992 citados por Dunn, Burbine, Bowers & Tantleff-Dunn, 2001).

Os pais de crianças com PEA podem desempenhar um importante papel de generalização e manutenção das competências que estejam a ser trabalhadas com a criança durante a intervenção (Girolametto, Sussman & Weitzman, 2007; Greenspan & Brazelton, 2000; Prizant & Rubin, 1999). O facto de, normalmente, a criança não transferir competências já aprendidas para novos ambientes realça a necessidade de um envolvimento por parte dos pais (Christian, 2006; Dawson & Ostering, 1997, Rogers, 1998 citados por Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003; Fuentes, 2004; Hewwitt, 2006; Le Couteur, 2003; MRC, 2001), para além de que permite aos pais uma aprendizagem e treino de estratégias e “ferramentas” extremamente úteis a longo prazo. Assim, o treino parental deve ser desenhado com o objectivo de maximizar a validade ecológica da intervenção com a criança e diminuir a possibilidade de ocorrência de outros riscos ou problemas na família.

Neste sentido, com os pais, numa primeira fase de implementação do programa e nalguns períodos paralelos ao trabalho de intervenção com a criança, seria conveniente estabelecer momentos de suporte, apoio e psicoeducação. Uma abordagem centrada na família deve procurar desenvolver as capacidades da mesma, de forma a responder às necessidades específicas da criança e consequentemente atenuar o sofrimento de toda a família. Para que se consiga um envolvimento efectivo, a parceria educacional da criança deve basear-se na partilha, no profundo respeito, na negociação, na informação, nas aptidões da família/criança, na confiança e responsabilidade de ambas as parte. Muito importante também será o conhecimento e manuseamento, por parte dos pais, de estratégias de intervenção para lidar com a criança, conseguido através do ensino e treino

das estratégias incorporadas neste programa, pelo que, durante a sua apresentação

será feita referência à necessidade de as trabalhar com os pais, paralelamente. Este trabalho parental pode ser conseguido mediante instrução directa, sessões de observação (para discutir e comparar o seu método de trabalho com o do profissional), modelagem, role-

146 play e visualização de vídeos (por exemplo, vídeos com procedimentos de intervenção parental errados a fim de se enunciarem e debaterem as estratégias correctas, sendo que desta forma é possível avaliar as aquisições dos pais e proporcionar oportunidades para o profissional clarificar alguma potencial confusão). É muito importante que os pais e técnicos envolvidos na educação da criança afectada se ajustem mutuamente para que utilizem as mesmas técnicas e ensino/aprendizagem de acordo com os objectivos seleccionados de acordo com o nível da criança. Isto reforça mais uma vez a necessidade de trabalhar com a família e com as restantes disciplinas de intervenção.

Durante a intervenção com os pais, também não deverão ser esquecidas, prioridades cruciais da vida diária desta faixa etária e competências que ocorrem apenas em casa, como por exemplo, a higiene, alimentação, o controlo de esfíncteres, e o sono.

As capacidades importantes para a vida diária devem ser ensinadas num contexto

funcional, isto é, num contexto em que a utilização dessas capacidades tem uma finalidade,

o que ajuda a ultrapassar o problema da transferência de conhecimentos e competências (Jordan, 2000). Neste sentido, devem ser fornecidas e estratégias de suporte aos pais à medida das necessidades da criança e da família.

Uma intervenção interdisciplinar precoce, que tenha a concordância dos pais e que seja por estes plenamente apoiada, é a forma mais sensata de abordar algumas questões. Por exemplo, no que diz respeito à higiene, para serem atingidos resultados óptimos, é melhor abordar de forma firme e consistente qualquer tarefa de higiene pessoal como mais uma tarefa de aprendizagem, ou seja, deve ser dividida em pequenos estádios ou passos, facilmente exequíveis, a linguagem deve ser adaptada e devem ser usados avisos visuais e sequenciação, etc, consoante se revelar necessário. Devem ser usados incentivos e recompensas em consonância com o que tiver sido acordado entre os pais e o profissional. Em todas as áreas de funcionamento, quanto mais frequentemente qualquer nova rotina for encorajada, mais familiar ela se torna para a criança com PEA, tornando-se desta forma mais fácil e rápido para ela o processo de compreensão dessa rotina, permitindo-lhe reagir de forma mais apropriada (Hewitt, 2006). Por isso, é útil existir um período de sobre- aprendizagem, em que a criança aprende a executar a tarefa na mesma situação e com os mesmos materiais/objectos, após um período de precisão como critério (Jordan, 2000). As variações devem ser introduzidas muito gradualmente, segundo várias dimensões e uma de cada vez (Jordan, 2000).

Relativamente ao controlo dos esfíncteres, deve ser aconselhado aos pais o treino do bacio e da sanita e não há nada neste treino que seja específico para as crianças com PEA, a menos que existam dificuldades motoras ou dificuldades em digerir os alimentos (Jordan, 2000).

147 De seguida estão resumidas outras directrizes gerais de intervenção com a família (Quadro 15).

Recomendações gerais para a intervenção na família Dotar os pais de capacidade de interacção com o problema da criança;

Fornecer serviços de atendimento e suporte, transmitindo sentimentos de desculpabilização; Proporcionar à família um modo de vida mais equilibrado e menos limitado;

Estabelecer uma atmosfera de confiança; Incentivar os pais a intervir no processo;

Satisfazer as necessidades de informação usando uma linguagem acessível, honesta e essencial; Ser sensível à dor dos pais, proporcionando-lhes oportunidades de superação da dor;

Aconselhar grupos/associações de pais com filhos com PEA;

Ensinar os princípios da gestão de reforços, extinção de comportamentos indesejados e comportamentos alternativos positivos;

Quadro 15. Recomendações gerais para a intervenção na família (Adaptado de Drew et al., 2002; Johnson et al.,

2007; Jordan, 2000).