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III Competências de Avaliação

VII. Reflexão final

Avaliação dos resultados da intervenção e factores que contribuíram para o mesmo

A remissão total do quadro não foi ainda conseguida uma vez que o processo de intervenção não foi finalizado. Mesmo assim surgiram algumas bases importantes para a mudança, tais como, a sensibilização parental acerca dos efeitos nefastos do castigo, repreensão e desaprovação face aos acidentes nocturnos e o conhecimento por parte da criança e da mãe acerca das estratégias para lidar com a problemática.

Apesar de não concluído o processo, através da monitorização dos resultados conseguida pela análise dos registos preenchidos pela criança, é possível verificar uma redução quantitativa significativa relativamente ao número de episódios mictóricos registados por semana, o que penso estar intimamente ligado à maior mais-valia desta intervenção: o apoio/reforço fornecido inesgotavelmente e a motivação para aderir aos procedimentos terapêuticos por parte do André.

Dificuldades sentidas na condução do processo de intervenção

Para além da falta de assiduidade nas sessões terapêuticas, a postura da mãe da criança tornou-se um desafio a superar ao longo do processo terapêutico. Uma postura desinvestida de afectividade e demasiado crítica em relação ao André, a referência a inúmeras queixas de comportamentos indesejáveis do filho, na sua presença, sem abordar características positivas, a desresponsabilização e delegação da responsabilidade no filho foram obstáculos e dificuldades na condução deste processo.

Reflexão crítica sobre todo o processo

Este caso clínico permitiu reflectir sobre a forma como a família exerce impacto na construção do conceito, sendo que este efeito é transversal em diferentes níveis: por um lado, as avaliações que os diferentes elementos familiares fazem acerca da criança estão relacionadas com as representações que ele vai construindo sobre si próprio (Eccles, 1993, Marsh & Craven, 1992, Pierrehumbert, Plancherel & Jankech-Caretta, 1987 citados por Peixoto, 2004); por outro, as dinâmicas das relações familiares propriamente ditas vão actuar sobre as diferentes dimensões do auto-conceito (Peixoto, 2004). É o suporte emocional fornecido pela família que está positivamente relacionado com a construção das representações sobre si próprio, nomeadamente com a percepção de competência (Wenz- Gross, Siperstein, Untch & Widaman, 1997 citados por Peixoto, 2004).

A família nuclear, particularmente os pais, considerados um grupo de suporte social crucial na orientação e acompanhamento psicológico e instrumental das tarefas diárias e emergência de situações (Seiffge-Krenke, 1993, citado por Conrad, Rothlisberger &

72 Christoph, 1996), nutre geralmente o desenvolvimento da auto-estima e saúde psicossocial nas crianças (Greenberg et al., 1983 citados por Conrad, Rothlisberger & Christoph, 1996). As crianças cujos ambientes familiares são estáveis, promovem experiências positivas e relacionamentos afectivos fortes, têm maior probabilidade de ter resultados desenvolvimentais positivos (Harden, 2004). Tal como pode constituir uma conjectura de factores protectores que intervêm positivamente no desenvolvimento global da criança, a família também pode ser uma fonte de stressores e adversidades (Groza, 1999, citado por Groza, Ryan & Cash, 2003; Nemeroff, 2004, Repetti, Taylor & Seeman, 2002, Luecken & Lemery, 2004 citados por Luecken, 2006).

Desta forma, o processo de intervenção elaborado pretendeu, para além de fornecer estratégias para lidar com a enurese propriamente dita, sensibilizar a mãe no sentido de se eliminarem os efeitos negativos que a família também pode exercer sobre as crianças. Mais especificamente, a psicoeducação e sensibilização parental incidiu na atenuação das verbalizações negativas e termos comparativos acerca do André e promoção do reforço positivo e culto do sentimento de optimismo, procurando-se assim eliminar alguns potenciais stressores na criança e alguns factores de manutenção da problemática.

Prognóstico e follow-up

A Enurese é um dos transtornos mais presentes na infância, embora diminua com o avançar da idade. Espera-se que a sensibilização parental e o fornecimento de estratégias de intervenção para a enurese possam permitir uma evolução positiva do caso. Ou seja, espera-se que os pais do André assumam o impacto que a ambivalência nos seus cuidados gera, bem como recorram às estratégias fornecidas e trabalhadas em sessão, nomeadamente as estratégias comportamentais para intervir sobre a enurese.

Relativamente ao follow-up, importa salientar que a intervenção não foi ainda concluída.

Indicações e sugestões para uma eventual continuação do caso

Sendo a falta de assiduidade nas sessões terapêuticas uma dificuldade com a qual foi necessário lidar ao longo deste processo, descrevem-se algumas sugestões para a continuação do caso.

A capacidade das crianças para gerirem as suas emoções e estados emocionais é considerada um factor protector (Moreira, 2005) pelo que seria benéfico desenvolver a intervenção neste âmbito: desenvolver na criança atitudes de análise e de meta-análise sobre os seus estados emocionais, identificando e distinguindo pensamentos de sentimentos com recurso à personificação dos conceitos; promover a compreensão, por parte da criança, de que os seus comportamentos são influenciados pelo que sente e pensa,

73 favorecendo, assim, uma maior capacidade para a criança simbolizar, diferenciar e expressar os seus diferentes estados emocionais.

As dificuldades ao nível das competências sociais resultam muitas vezes de défices no repertório comportamental e levam, consequentemente, a dificuldades no relacionamento interpessoal (Moreira, 2005). A assertividade ou competência social (Caballo, 1982, citado por Moreira, 2005) engloba quatro componentes: capacidade de dizer não; capacidade de pedir favores; capacidade de expressar sentimentos positivos e negativos; a capacidade para iniciar, manter e terminar conversação (Lazarus, 1973, citado por Moreira, 2005). Bandura (1976, citado por Moreira, 2005) defende que a assertividade se desenvolve pela aprendizagem social a partir dos modelos disponíveis, sendo que estes podem não ser assertivos, não estar disponíveis ou a criança não observou esta variável nos seus modelos significativos.

O desenvolvimento de competências de antecipação e tomada de decisão ou resolução de problemas é transversal a qualquer domínio. A intervenção neste nível pretenderia que a criança diferenciasse entre decisão e não decisão, assim como situasse o grau de consciência implícito em cada uma das situações apresentadas de uma forma ilustrada.

A baixa auto-estima é vista por muitos autores como um importante factor de risco para o desenvolvimento global (Coie et al., 1993 citados por Moreira, 2005), até porque é uma variável que medeia outras tais como a aprendizagem, o envolvimento em actividades, a superação de dificuldades, a responsabilidade, a autonomia, as relações sociais e, sobretudo o desenvolvimento da personalidade (Alcántara, 1997, citado por Moreira, 2005). É sabido que as crianças com problemas emocionais e comportamentais apresentam frequentemente baixa auto-estima (Harter et al., 1991 citados por Moreira, 2005). A auto- estima referida é um factor protector em situações em que a criança lida com stressores externos e é também um factor determinante do humor e da motivação, sendo que no seu desenvolvimento estão implicados o suporte social proveniente de figuras significativas (onde a família tem uma importância crucial), a relação entre a capacidade da criança em determinados âmbitos e a valorização que ela atribui ao sucesso (Harter, 1988, citado por Moreira, 2005).

A auto-estima está intimamente ligada com os aspectos avaliativos (afectivos), aos quais o indivíduo recorre para elaborar o seu próprio respeito (auto-conceito) (Vaz-Serra, 1995; Garaigordobil, Durá, & Pérez, 2005; Baumeister, 1994, citado por Bernardo & Matos, 2003). Ela tem muito que ver com a relação que se mantém entre os objectivos que estabelecemos e o sucesso ou êxito com que os alcançamos, portanto, está intrinsecamente

74 relacionada com as crenças de auto-eficácia e com as atribuições causais (Vaz-Serra, 1995).

Ao intervir sobre a auto-estima pretenderíamos melhorar as relações sociais, o nível de competência da criança, e o valor que ela atribui ao sucesso, tendo sempre em consideração que esta variável se constrói a partir da percepção que a criança tem acerca da imagem que as figuras significativas projectam dela, a partir da auto-observação do seu desempenho nas tarefas e actividades consideradas pela criança como importantes (Moreira, 2005).

Como já foi referido, muito associados à Enurese, seja na sua etiologia, seja na sua manutenção, estão os problemas emocionais, nomeadamente a ansiedade, auto-estima e auto-confiança baixas, pouca assertividade e dificuldades na gestão e expressão das emoções. Deste modo, a intervenção deverá incidir também na promoção do ajustamento psicológico da criança, nomeadamente ao nível da gestão e expressão de emoções, assim como competências sociais e assertividade. Para tal, poder-se-á recorrer aos manuais didácticos da colecção Crescer a Brincar para o ajustamento psicológico: “A aventura dos sentimentos e dos pensamentos” (Moreira, 2007) e “Olá, obrigado!” (Moreira, 2004), bem como o bloco de actividades do Crescer a Brincar (Moreira, 2002), mais especificamente as actividades que visam a promoção de uma auto-estima positiva. O recurso às histórias que compõem estes manuais permite a identificação e projecção nas situações e significados inerentes (Moreira, 2005). A narrativa pode constituir-se como um elemento em que as variáveis de observação, de projecção e de vivência permitem a organização em redor das significações resultantes de cada história (Gonçalves, 1996, citado por Moreira, 2005). Seria também muito benéfico trabalhar com os pais, ou na impossibilidade de ambos poderem estar presentes, com a mãe. O trabalho com pais assenta na premissa de que algum deficit nas habilidades próprias dos papéis parentais são, pelo menos em certa medida, responsáveis pelo desenvolvimento e/ou manutenção de padrões de interacção familiares perturbadores e consequentemente de problemas apresentados pelos filhos (McMahon, 1995, O’Dell, 1974, Marinho, 2001, citados por Marinho, 2005). Neste sentido, poderiam ser proporcionados alguns momentos de psicoeducação e sensibilização parental, dirigidos essencialmente aos aspectos familiares (abordados anteriormente) que parecem manter algum distress associado à principal problemática do André.

Caso Clínico Daniel

I. Identificação

Nome: Daniel

75 Idade: 16 anos

Naturalidade: Braga

Escolaridade: 8º ano concluído com 13 anos; frequência de três semanas num curso de operário de máquinas

agrícolas no ano lectivo de 2007/2008

Nome dos pais, idade, escolaridade e profissão Mãe: 36 anos, 4º ano, empregada doméstica

Pai: 38 anos, 4º ano, empregado na construção civil no estrangeiro, desde há 14 anos (vem a casa 2 a 3 vezes

por ano)

Irmãos: não tem