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IV Competências de Intervenção

5. Partir do Zero: Programa de intervenção comportamental intensivo precoce para as Perturbações do Espectro do Autismo

5.5. Intervenção ao nível das Competências Sociais

O comportamento social define-se por tudo aquilo que consiste na capacidade de partilhar o prazer da companhia dos outros e na capacidade de responder e de iniciar interacções dentro dos diferentes contextos. As crianças com PEA encontram dificuldades nestes aspectos o que conduz a problemas adicionais no ensino, na aprendizagem (Jordan, 2000), pode acarretar rejeição dos pares, ansiedade e depressão (Bellini, 2006, La Greca & Lopez, 1998, Tantam, 2000, Welsh, Park, Widaman & O’Neil, 2001 citados por Bellini, Peters, Benner & Hopf, 2007). Assim se justifica a extrema necessidade de intervir nesta dimensão para melhorar a interacção social através de actividades um-a-um, ou seja, ensino directo, mas também actividades mediadas pelos pares para promover a compreensão social e competências de jogo social (Tsai, 2004). A aprendizagem e treino com as crianças ditas normais, com recurso a jogos e actividades, envolve o treino de pares para responder ao comportamento social da criança afectada (Bellini, Peters, Benner & Hopf, 2007) e o uso de estratégias de reforço positivo com a criança com PEA (Tsai, 2004). Uma intervenção desenhada para promover a interacção social com os pares tem efeitos muito positivos no comportamento social (McConnel, 2002, Rogers, 2000 citado por Lee, Odom & Loftin, 2007) e efeitos colaterais noutro tipo de comportamentos, como por exemplo, redução de comportamentos disruptivos (Oke & Schreibman, 1990 citado por Lee, Odom & Loftin, 2007) e no uso da linguagem (Pierce & Schreibman, 1997 citados por Lee, Odom & Loftin, 2007).

O profissional deve facilitar os contactos sociais durante o decorrer de actividades, deve criar oportunidades de contacto social com os pares para que se aprendam e

168 pratiquem competências sociais apropriadas. As crianças com PEA não aprendem naturalmente a socializar, elas têm que ser ensinadas a reconhecer pistas sociais e como reagir às mesmas. As técnicas para intervir nas habilidades sociais podem passar pela modelagem, role play, histórias sociais, conversa cómicas ilustradas, visualização de vídeos, pistas e regras visuais, e gestão de reforços. O primeiro passo nesta intervenção deverá começar por uma avaliação específica dos comportamentos-alvo que precisam ser aprendidos e treinados. É importante ensinar uma tarefa de cada vez, construindo, progressivamente, um repertório comportamental. Cada nova competência deve ser “desmontada” em pequenos passos ou componentes e deve ser alvo de aprendizagem através de múltiplos métodos para assegurar a sua generalização a diferentes situações ou contextos (Tsai, 2004).

De seguida são apresentadas algumas recomendações gerais para promover a socialização (Quadro 28).

Recomendações gerais para a promoção da socialização A interacção incrementará se forem reduzidos os comportamentos ritualísticos;

Não deixar a criança isolar-se e insistir na sua participação na actividade que escolheu;

Estruturar e facilitar oportunidades para a interacção social com pares, através de modificações do ambiente físico e social e treino dos mesmos;

A criança responde melhor a situações positivas em que o profissional assume uma postura condescendente e em que a tarefa está estruturada de modo a que a criança compreenda o que é esperado dela;

Orientar as brincadeiras da criança e providenciar suporte, consoante as necessidades, modelando e dirigindo o jogo ou fornecendo antecedentes verbais;

Ensinar regras sociais para os jogos (instruções directas): como começar, manter e terminar; como ser flexível e cooperativo; como partilhar, não ofender os outros, ser simpático;

Recorrer a outras crianças como pistas para indicar o que fazer;

Encorajar a participação para os jogos interactivos, como por exemplo, esconder e procurar;

Jogar em áreas que possam ser estruturadas para promover a interacção, evitando espaços grandes abertos; o espaço deve ser claro e definido, com cartões indicativos, delimitar o espaço pessoal no tapete sentando a criança no interior de um arco de educação física revestido a papel de alumínio5; os brinquedos, jogos e materiais devem estar visíveis e acessíveis à criança;

Criar um grupo social de suporte que consista nos pares da criança; Providenciar pistas visuais para a criança seguir;

Ensinar estratégias que ajudem a expressar e compreender emoções;

Ensinar a criança a “ler” situações sociais usando técnicas como as histórias sociais, por exemplo;

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Aplica-se aos momentos de actividades de pequeno grupo como nas histórias sociais, conversas cómicas ilustradas, entre outras.

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Ensinar comportamentos sociais apropriados através de role-play e modelagem;

Ensinar a criança como fazer e manter amigos, entrar num grupo, acompanhar o tema focado pelo grupo, partilhar informação;

Evitar a dependência excessiva do profissional, fomentando a autonomia progressivamente;

Quadro 28. Recomendações gerais para a promoção da socialização (Adaptado de Bellini, Peters, Benner & Hopf, 2007, pp. 154;Christian, 2006, pp. 52; Jordan, 2000, pp. 33 - 40).

A intervenção ao nível das competências sociais deve ser dirigida de forma a ir ao encontro das necessidades individuais da criança, dos défices específicos neste âmbito (Bellini, Peters, Benner & Hopf, 2007), pelo que, de seguida são descritas algumas técnicas no sentido de se escolher quais a utilizar de acordo com a criança e ponto de desenvolvimento com a qual se vai trabalhar.

A técnica das histórias sociais

É uma estratégia genérica, implementada por adultos e administrada num contexto individual ou de pequeno grupo, consiste na apresentação de histórias escritas, por vezes ilustradas, que transmitem regras e comportamentos sociais apropriados (Adams, Gouvousis, VanLue & Waldron, 2004; Barry & Burlew, 2004; Barry & Burlew, 2004; Gray & Garand, 1993 citados por Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003; Gray & Garand, 1993 citado por Crozier & Tincani, 2007; Gray, 1995, 2004 citado por Christian, 2006). A técnica foi originalmente desenvolvida para ensinar às crianças com PEA como brincar ao mesmo tempo que se incrementam as suas competências para interagir com os outros (Adams, Gouvousis, VanLue & Waldron, 2004; Gray, 1995 citado por Barry & Burlew, 2004), mas também é efectiva na diminuição dos comportamentos sociais inapropriados (Adams, Gouvousis, VanLue & Waldron, 2004). Está demonstrada a sua a utilidade no aumento da capacidade de partilha, das iniciativas sociais apropriadas e na diminuição da agressividade (Kuttler et al., 1998, Norris & Dattilo, 1999, Swaggert et al., 1995 citados por Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003; Adams, Gouvousis, VanLue & Waldron, 2004; Christian, 2006). As histórias são escritas pelos pais ou pelos profissionais, e servem uma função de “leitura da mente”, a criança de ser auxiliada na identificação das pistas, descrição de conceitos abstractos ou outros pontos de vista, definindo uma rotina ou regra, explicitando o racional implícito na expectativa, e aplaudindo finais (Gray, 1995 citado por Christian, 2006).

Apresentam-se de seguida algumas orientações para a criação e implementação das histórias sociais (Christian, 2006; Gray, 2000 citado por Crozier & Tincani, 2007):

1- O significado de uma história social deve partilhar informação social, fazendo recurso a personagens, e fazer alusão aos alcances das personagens;

170 2- A história social deve conter uma introdução que claramente identifique o assunto ou

tópico, um desenvolvimento e uma conclusão que reforce e sintetize a informação; 3- A história social deve levantar questões como “o quê”, “quem”, etc;

4- A história social deve ser escrita na primeira ou terceira pessoa; 5- A história social deve conter linguagem positiva;

6- A história social deve incluir frases descritivas, com a opção de incluir alguém ou mais do que os cinco tipos de sentenças – perspectivas (informação sobre

pensamentos e sentimentos dos outros), cooperativas (indicam quem pode assistir a criança numa situação semelhante), directivas (proporcionam informação sobre o que o leitor deve fazer), afirmativas (podem ser usadas para reassegurar o leitor), e/ou sentenças de controlo (usam analogias para explicar situações);

7- A história social deve ser mais ou menos longa à medida das capacidades e interesses da criança;

8- A história social pode incluir ilustrações individualmente que auxiliam o processo de compreensão dos significados do texto.

Conversas cómicas ilustradas

As conversas cómicas ilustradas são uma conversação entre duas ou mais pessoas, incorporam o uso de silhuetas esquemáticas com balões de pensamento e falas (Figura XIX). Esta estratégia fornece uma representação visual de uma conversa de forma a melhorar a compreensão da criança. A ilustração pode incluir símbolos, figuras e palavras escritas. As conversas cómicas ilustradas não devem ser utilizadas para qualquer conversação, sendo mais úteis quando há uma necessidade de compreensão de informação importante, quando existe um mal-entendido na interpretação de uma informação, ou para resolver um problema. É útil também para ensinar competências sociais. Quando a criança parece compreender a conversação podem ser associadas cores à expressão de sentimentos, por exemplo verde para a felicidade, azul para a tristeza e preto para a raiva. A criança deve ser orientada pelo profissional ou pelos pares nas interpretações literais, e isto providência à criança oportunidade para compreender a situação numa perspectiva diferente. Por fim, a conversa deve ser sintetizada e, se necessário, concluída com a identificação de novas soluções para o problema encontrado (Christian, 2006).

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Sistema de pistas visuais

Consiste em placas ou cartões com figuras, símbolos e/ou palavras (Krantz & McClannahan, 1999, Lalli, Casey, Goh & Merlino, 1994 citados por Kimball, Kinney, Taylor & Stromer, 2004) que apresentam sequencialmente as actividades que se seguem (Krantz & McClannahan, 1999 citados por Kimball, Kinney, Taylor & Stromer, 2004) (Figura XIII a XVI).

Jogos sociais

Ensinar, treinar competências através de jogos sociais tem produzido mudanças positivas no jogo, linguagem e habilidades sociais (Goldstein et al., 1988, Baker et al., 1998 citados por Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003; Thorp et al., 1995 citado por Tsai, 2004).

Os jogos sociais consistem em jogos comportamentais que envolvem a interacção social com pelo menos um sujeito, sendo que devem seguir três principais fases. A primeira diz respeito à orientação, enquanto a criança brinca com alguns materiais, a outra observa mas não entra na actividade; a segunda fase implica uma maior proximidade, brincam e

Estou aborrecido. Eu adoro falar de pontes suspensas.

Figura XIX. Excerto de uma conversa cómica ilustrada (Adaptado de Christian,

172 jogam com os mesmos materiais, no mesmo local e procura-se que se envolvam na mesma actividade; por último, o objectivo é estabelecer-se um foco comum, envolvendo a criança directamente em actividades comuns com um ou mais pares, partilhando materiais, dando e fazendo pedidos (Power, 2000, Yang, Wolfberg, Wu & Hwu, 2003 citados por Bass & Mulick, 2007).

O jogo social como técnica de intervenção com crianças com PEA também produz efeitos positivos na área sócio-emocional e cognitiva (Jordan, 2003 citado por Bass & Mulick, 2007). Recorrer aos pares para ensinar o jogo social proporciona a possibilidade de generalizar competências pelo seu carácter funcional e naturalista (Stokes & Baer, 1977 citado por Bass & Mulick, 2007; Strain, Kohler, & Goldstein, 2005) e não requer uma fase adicional de transferência de aprendizagens (Rogers, 2000 citado por Bass & Mulick, 2007).

Modelação por vídeo

A modelação por vídeo tem mostrado aquisições e generalizações das capacidades de comportamento social mais efectivas que as técnicas in vivo (Charlop-Chrsity et al., 2000, Haring et al., 1987 citados por Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003), pelo que também deverá ser incluída na intervenção com a criança neste programa. Esta técnica tem-se mostrado, sobretudo, efectiva no ensino de competências sociais e de comunicação (Charlop & Milstein, 1989, Hepting & Goldstein, 1996, Taylor, Levin & Jasper, 1999 citados por Kimball, Kinney, Taylor & Stromer, 2004), é uma actividade prazerosa e proporciona oportunidade para visualizar outras crianças como modelos (Weiss & Harris, 2001 citado por Kroeger, Schultz & Newsom, 2007).