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As plataformas comparativas e de anúncios

PARTE I COMÉRCIO ELETRÔNICO

5.2. Enquadramento jurídico

5.2.1. As plataformas comparativas e de anúncios

Ainda em virtude da forte influência do Direito Civil em todo o direito privado, é frequente que o operador do direito, ao se deparar com uma atuação por conta de outrem na atividade comercial, de logo proceda à uma qualificação da relação comercial subjacente247 mantida entre o titular da atividade econômica e o seu colaborador para, a partir de então, encontrar uma solução jurídica para a questão enfrentada.

As plataformas eletrônicas, como visto, ora atuam mais ativamente, a interferir na celebração dos negócios; ora de forma mais passiva, até a ponto de em nada intervir por ocasião da contratação entre seus usuários. A forma de atuação da plataforma nas relações comerciais mantidas entre seus usuários terá reflexos diretos na imputação das obrigações contraídas, daí porque importante se faz analisar cada uma dessas modalidades de intermediação.

A primeira modalidade de intermediação proporcionada pelas plataformas eletrônicas exposta foi a de comparadores de preços. Nesta modalidade, as plataformas virtuais se limitam em buscar na rede mundial de computadores ofertas veiculadas em outros endereços eletrônicos, agrupando-as conforme filtros pré-fixados pelo interessado. Não existe em seu sistema eletrônico qualquer espécie de oferta por parte de seus usuários. Na verdade, são os interessados em adquirir quem inserem as características do bem ou serviço desejado, a promover a plataforma apenas uma simples comparação entre as condições ofertadas por cada um dos anunciantes. Sua programação limita-se à busca de outros anúncios efetuados em outros estabelecimentos virtuais, a não haver qualquer espaço para a interatividade entre o anunciante e o usuário interessado.

A plataforma busca uma aproximação entre o comprador interessado e o vendedor, mas em nada interfere para a celebração do negócio. Tanto é assim que, após a

247 A qualificação do contrato implica a sua subsunção ou sua proximidade com um determinado tipo

contratual, o qual poderá ser legal, quando positivado no ordenamento jurídico, ou social, quando proveniente das práticas sociais. Sobre a tipologia dos contratos e a sua qualificação, cf. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS,

110 listagem das ofertas encontradas pelo software, disponibiliza-se um link de acesso direto para o estabelecimento virtual do vendedor, a não deter o gestor da plataforma sequer conhecimento sobre a efetivação, ou não, do algum negócio por ele direcionado. Trata-se de um nítido contrato de mediação, onde o titular da plataforma está a atuar de forma imparcial, por sua conta e risco, a manter equidistância entre as partes envolvidas na relação comercial248. A partir das informações listadas pelo interessado, elenca a plataforma os anunciantes do produto ou serviço desejado de forma objetiva, comparando-os. Não está a atuar publicamente à frente de qualquer atividade econômica do vendedor para fins de celebração de negócios, de modo que a contraparte tem suficiente conhecimento de que não está a negociar diretamente com a plataforma, mas sim com o titular do estabelecimento virtual para o qual foi direcionado.

Por não existir qualquer negócio celebrado no próprio estabelecimento virtual da plataforma eletrônica, que está a atuar como simples comparador de preços, e tampouco haver a outorga de qualquer poder representativo para o gestor da plataforma praticar negócios, a haver direcionamento direto ao titular do bem jurídico a ser objeto da contratação, não há o que se falar, dessa forma, em imputar ao titular dessa modalidade de plataforma virtual qualquer obrigação pelos negócios celebrados em virtude do direcionamento por ela efetuado249. Nesses mercados virtuais, a parte contraente sempre terá a real noção da realidade, a não ser a atividade organizada de modo a transparecer que será a própria plataforma eletrônica quem está a frente de todo o processo de negociação.

De igual maneira, nas plataformas eletrônicas que apenas veiculam ofertas realizadas por seus usuários cadastrados, mas não dispõem de uma programação apta à concretização do negócio. Referidos mercados digitais até promovem certa interação entre o vendedor e o usuário comprador ao disponibilizar o contato ou correio eletrônico do vendedor cadastrado, ou mesmo ao proporcionar canais diretos de comunicação entre seus usuários, de

248 Sobre o contrato de mediação, cf. H

IGINA ORVALHO CASTELO, O contrato de mediação, Almedina, Coimbra, 2014, in passim.

249 O Superior Tribunal de Justiça do Brasil, no REsp n.º 1.444.008-RS, julgado em 25.10.2006, disponível

em www.stj.jus.br, diferenciou plataformas de serviços que se limitam a apresentar o resultado da busca, de acordo com os dados de pesquisa inseridos pelo próprio usuário, sem participar da interação virtual, daquelas que, além dos serviços de busca dos produtos selecionados, fornecem ainda toda a estrutura virtual para a realização do negócio. Decidiu, ao fim, que nas primeiras, onde o pesquisador, logo após a pesquisa, é logo direcionado para o estabelecimento virtual do vendedor do produto, a interagir somente com o sistema eletrônico oferecido por este, não há o que imputar à ao titular da plataforma eletrônica qualquer responsabilidade por vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.

111 modo a ser possível estabelecer uma fase de negociação contratual no próprio espaço virtual criado pela plataforma. Porém, apesar dessa possibilidade de discussão das cláusulas contratuais através desses canais diretos disponibilizados, não detém a plataforma qualquer controle sobre a condução e conclusão do negócio, tudo a ocorrer mediante negociação direta das partes.

Limita-se a transmitir as propostas nos termos do que foram postadas pelo usuário ofertante, que poderá ser um particular ou até mesmo um profissional do comércio, além de fornecer meios de contato entre as partes negociantes, mas sem qualquer ingerência na formação da vontade negocial, ou mesmo na execução contratual e seu respectivo pagamento, a ficar tudo sob o encargo direto das partes contraentes. O utilizador interessado acessa o sítio eletrônico da plataforma para localizar o produto desejado, mas em seguida tudo é tratado diretamente com o utilizador vendedor. A exemplo das que promovem a busca e comparação de ofertas, a atividade dessas plataformas de anúncios consistem em aproximar as partes contratantes, promover e facilitar um contato entre estas, mas sem qualquer interveniência sua na celebração do negócio. Não está a agir no interesse de qualquer um dos usuários contraentes, mas sim apenas por sua própria conta, a advir sua remuneração tão somente por cada anúncio efetuado e por mensagens publicitárias veiculadas em seu espaço virtual, sem nada ter a ver com a celebração do contrato ou mesmo o valor do negócio. Assim como as plataformas de comparativos de preços, atua como um simples mediador, sem poderes de representação para a prática de negócios.

Além da inexistência da outorga de poderes de representação, também não se encontra à frente de qualquer atividade comercial e tampouco o seu sistema eletrônico é programado para a celebração de negócios mediante estímulos dos usuários. Nos moldes como a atividade econômica exercida pelo titular da plataforma é organizada, todo contraente terá conhecimento suficiente de que está sempre a tratar diretamente com o titular do produto negociado250, sem qualquer ingerência do intermediador. Desse modo, a exemplo dos comparadores de anúncios, inexiste qualquer situação de aparência a despertar alguma confiança legítima no adquirente de que está a negociar diretamente com o titular dessa

250 Cf. J

OANA CAMPOS CARVALHO, Enquadramento jurídico da atividade da uber em Portugal. Revista de Concorrência e Regulação, vol. 26, 2016, p. 225, onde ressalta que no caso de plataformas como a Olx, é evidente para o comprador que o contrato de compra e venda não é celebrado com o titular da plataforma, mas sim com o anunciante.

112 modalidade de plataforma virtual, a não haver como imputar-lhe qualquer responsabilidade por vício no produto ou inadimplemento contratual251.