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Estrutura interna dos negócios

PARTE I COMÉRCIO ELETRÔNICO

4.3. Estrutura interna dos negócios

Nas transações comerciais pactuadas no âmbito das plataformas eletrônicas, costuma-se identificar relações distintas entre as partes envolvidas228. Primeiro, existe um contrato entre a empresa que desenvolve e explora a plataforma e aqueles usuários interessados em oferecerem seus bens e serviços no mercado. Antes de oferecerem seus produtos ao mercado, os interessados devem proceder a um cadastro nas plataformas, através do qual aderem à todas condições previamente estipuladas pelos gestores desses estabelecimentos virtuais.

De igual modo, para poder aceitar as propostas contidas nas ofertas públicas veiculadas nessas plataformas, os particulares deverão também promover seu cadastro como usuários adquirentes, de forma também a celebrar um contrato com a gestora do mercado, com a adesão de todos os termos de utilização do mercado, configurando, dessa forma, cláusulas contratuais gerais. Neste contrato comumente se aceita que a plataforma seja a

226 Cf. G

UIDO SMORTO, Verso la disciplina giuridica della sharing economy …, p. 266.

227 Cf. T

ARCÍSIO TEIXEIRA, Comércio eletrônico: conforme o marco civil da internet e a regulamentação

do e-commerce no Brasil …, p. 105.

228 G

UIDO SMORTO, Verso la disciplina giuridica della sharing economy …, p. 260, qualifica referido mercado eletrônico como bilateral.

99 intermediária do negócio principal celebrado, a poder inclusive receber o preço pelo produto adquirido. Comumente a empresa gestora do mercado virtual estabelece regras para a utilização de seu estabelecimento eletrônico, a prever inclusive sanções pelo seu descumprimento, que poderão até mesmo culminar com a exclusão do usuário do âmbito do mercado virtual gerido pela empresa titular da plataforma eletrônica.

Por fim, vislumbra-se ainda um outro negócio jurídico celebrado entre os referidos usuários cadastrados, que poderá ser de compra e venda, arrendamento, prestação de serviços, ou mesmo um contrato atípico, a depender do objeto da avença.

Referida distinção entre as relações jurídicas estabelecidas entre as partes envolvidas nas transações celebradas nas plataformas eletrônicas atende perfeitamente ao interesse dos gestores desses mercados virtuais, na medida em que todos eles procuram a todo o momento se eximir de qualquer obrigação pelos negócios firmados em seu estabelecimento virtual, a sustentar ser tão somente um ponto de encontro entre as partes interessadas229, bem como que apenas o utilizador vendedor é parte contratante do comprador dos bens ou serviços ofertados.

Para os contratos firmados entre os usuários e o gestor da plataforma virtual, defende-se a existência de uma relação B2C (business to consumer), com a consequente submissão ao regime mais protetivo da disciplina do direito do consumo230. Por outro lado, para os contratos celebrados entre os usuários, considerando ser referida relação celebrada entre particulares (P2P – peer to peer), seria aplicável o direito comum231, submetido ao regime do direito civil, no caso de transações a envolver dois consumidores, ou ao direito comercial, quando o negócio envolver dois profissionais.

Todavia, a definição do regime jurídico aplicável a cada uma das relações envolvidas não é tão simples. Com efeito, para a qualificação de uma relação de consumo e consequente submissão ao regime protetor da legislação consumerista, não é suficiente que a mesma esteja a envolver uma pessoa coletiva e uma singular. Consoante o artigo 2.º, n.º 1 da

229 Cf. neste sentido A

NDRÉS GUADAMUZ GONZÁLEZ, eBay Law: The legal implications of the C2C electronic commerce model …, p. 471, o qual defende que uma das principais características das plataformas eletrônicas é a de funcionarem apenas como facilitadores ou intermediários.

230

Cf. GUIDO SMORTO, I contratti dellla sharing economy …, p. 6.

231 Cf. C

HRISTINE RIEFA, La protection des consommateurs sur les plates-formes de courtage en ligne:

100 LDC, para ser qualificado como consumidor e consequentemente sujeito ao regime protetor do direito de consumo, é preciso a presença de quatro elementos essenciais: subjetivo, objetivo, teleológico e relacional232. O subjetivo corresponde o destinatário do bem ou serviço ofertado, podendo constituir-se em pessoa singular ou coletiva. O objetivo envolve o objeto da relação contratual, a abranger de forma ampla o fornecimento de bens, prestação de serviços ou mesmo a transmissão de direitos. O teleológico, por sua vez, exige que a prestação contratual seja destinada a uso não profissional, enquanto o relacional significa que a pessoa somente poderá ser considerada como consumidora se a contraparte na relação negocial esteja a exercer uma atividade econômica com caráter profissional.

Diante desses requisitos, ainda nos contratos envolvendo a plataforma eletrônica e seus usuários, não necessariamente estes serão considerados como consumidores, a se fazer presente uma relação de consumo. Com efeito, principalmente no caso dos usuários interessados em ofertar bens e serviços ao mercado, poderão os mesmos oferecer tais produtos de modo habitual233. Em casos como esses, não poderá o usuário ser tido como consumidor, considerando que o mesmo está a exercer uma atividade econômica com profissionalidade234, a estar ausente, por conseguinte, o elemento teleológico exigido para a definição de consumidor. De igual modo, quando o vendedor for considerado um profissional, poderão serem aplicadas as normas referentes ao direito do consumidor nas relações havidas entre os usuários235, uma vez que presentes os elementos relacional e teleológico, considerando que o adquirente final não está a exercer qualquer atividade econômica com caráter profissional.

Denota-se, por conseguinte, uma dificuldade inerente à definição do próprio regime jurídico a ser aplicável às relações internas existentes na estrutura negocial existente nas plataformas eletrônicas. A depender da pessoa do vendedor, ou do modo como exerça sua

232 Cf. J

ORGE MORAIS DE CARVALHO, Manual de direito do consumo …, pp. 19 e ss.

233 Destaque-se inclusive que em muitas plataformas eletrônicas existe a possibilidade do usuário se

cadastrar como vendedor profissional. Cf. por exemplo, os estabelecimentos eletrônicos da Amazon e FNAC

MarketPlace, os quais permitem o cadastro de usuários como vendedores profissionais.

234 Cf. C

HRISTINE RIEFA, La protection des consommateurs sur les plates-formes de courtage en ligne:

point de vue d´outre-manche …, p. 338, onde considera como possível definir como um verdadeiro comerciante

o utilizador que utilize a plataforma eletrônica como modo de venda regular.

ALEX STEPHANY, The business of sharing: making it in the new sharing economy …, p. 13, sustenta ainda ser equivocado dizer que exista pouca profissionalidade ao negociar com um indivíduo ao invés de uma empresa. Defende que os vendedores das plataformas P2P se tratam de verdadeiros microempreendedores que, em vez de atuar por intermédio de uma marca corporativa, identificam-se através de sua marca pessoal por meio de uma página de perfil digital.

235 Cf. G

101 atividade, poderá, ou não, ser aplicável o regime mais benéfico da legislação de defesa do consumidor. A definição pelo regime jurídico aplicável às relações internas estabelecidas nas plataformas eletrônicas se faz ainda mais difícil na medida em que a identidade do utilizador vendedor somente vem a ser conhecida após a perfectibilização do negócio. Antes da conclusão contratual, o anunciante é identificado apenas por siglas ou outras denominações em que ele próprio se atribuiu, a não ser possível sua correta individualização e tampouco sua localização geográfica. Some-se a isso, a própria dificuldade de definir as hipóteses em que o utilizador vendedor poderá, ou não, ser qualificado como profissional para fins de sua sujeição à legislação consumerista. De fato, não existe uma definição concreta da regularidade de transações por mês para alguém ser qualificado como profissional. De igual maneira, se um indivíduo possui um imóvel que o destina apenas para arrendamento através de plataformas como o Airbnb ou Hoteis.com, poderá o mesmo ser qualificado como profissional, a estar sujeito às obrigações impostas pela LDC?

A prevalecer esse sistema bilateral no âmbito das plataformas eletrônicas, não terá o usuário adquirente condições de saber previamente qual o regime jurídico a que será submetido o negócio celebrado no âmbito do mercado virtual, considerando sequer ter maiores conhecimentos sobre a qualificação e identidade do utilizador vendedor e tampouco maiores parâmetros para se definir adequadamente quando o referido usuário poderá ser qualificado como profissional, para fins de sujeição do negócio à legislação consumerista. Preciso se faz a adoção de um regime jurídico de tutela capaz de conferir não apenas uma maior segurança jurídica a todos os negócios realizados através de plataformas virtuais de intermediação, mas como também uma maior proteção aqueles que confiaram nessa nova modalidade de celebrar negócios, para que não tenham frustradas suas expectativas, o que prejudicaria não somente aos referidos usuários finais, como o próprio mercado desenvolvido no âmbito desses estabelecimentos virtuais, haja vista que a ausência de confiança é uma das principais causas do declínio do tráfego jurídico, o que certamente implicaria na ruína desse mercado.

102 CAPÍTULO 5º. A RELAÇÃO INTERNA ENTRE O VENDEDOR E A PLATAFORMA ELETRÔNICA.