• Nenhum resultado encontrado

Conceito de estabelecimento empresarial

PARTE I COMÉRCIO ELETRÔNICO

2.1. Conceito de estabelecimento empresarial

O estabelecimento comercial era anteriormente entendido como local onde o comerciante exercia sua atividade comercial e destinado à realização de negócios jurídicos77. Todavia, para uma melhor compreensão da moderna teoria do estabelecimento, importante antes ressaltar a evolução do próprio Direito Comercial, antes tido como direito dos comerciantes, teve de se adaptar às novas exigências do comércio, a centrar sua tutela não mais no interesse restrito de categorias profissionais, mas sim na atividade econômica desempenhada78. Sofreu assim todo um processo de objetivação de suas normas, as quais estão voltadas para um interesse geral de facilitar a circulação de riquezas e consequente progresso econômico, a tornar esse importante ramo do direito privado aplicável a todos aqueles que desempenhem uma atividade econômica organizada, independentemente de quem sejam os sujeitos do negócio79. Destaque-se ainda que diante da insuficiência de uma definição exaustiva para as atividades comerciais, a se reconhecer importantes atividades econômicas afastadas da incidência da tutela das normas especiais do comércio, a partir do início do século XIX, o direito comercial foi substituindo a definição objetiva dos atos de comércio pela de empresa, e ser, portanto, objeto de tutela das normas mercantilistas não apenas aqueles atos definidos em lei como comerciais, mas sim toda atividade econômica organizada destinada à circulação de bens e serviços. Desenvolve-se, a partir de então, a

77 Neste sentido, cf. o artigo 95.º, n.º 2.º do Código Comercial português, ao tratar como estabelecimentos

os armazéns ou lojas de venda abertos ao público.

78 A Teoria dos Atos de Comércio, pioneiramente adotada pelo Code de Commerce de 1808 (Código

Comercial Napoleônico), inspirada nos ideais revolucionários da igualdade, objetivou por fim às benesses conferidas a uma classe profissional. Dessa forma, definiu a aplicação das normas de Direito Comercial não pelos sujeitos envolvidos no negócio jurídico, mas através de uma definição objetiva de quais atos seriam tidos como comerciais e, portanto, sujeitos ao regime jurídico especial, independentemente de quem os pratique. Referida teoria inspirou a legislação comercial oitocentista de países de origem latina, como Portugal, Espanha, Itália e o Brasil, com o Código Comercial de 1850.

79

Cf. TULLIO ASCARELLI, O desenvolvimento histórico do direito comercial e o significado a unificação

do direito privado, trad. de Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil, n.º 114, 1999. São Paulo:

Malheiros Editora, p. 241, onde destaca que a objetivação do Direito Comercial aumenta o seu campo de aplicação, não apenas porque se estende aos atos de comércio ocasionais, como também em razão da aplicação das normas comerciais prescindirem da qualificação do sujeito, a poder estender assim ao negócio unilateralmente comercial.

42 noção de empresa não mais como o sujeito destinado à prática de atos tidos por comerciais ou um simples conjunto de elementos materiais voltados ao exercício desta atividade, mas sim como um complexo de meios humanos e materiais, providos de uma especial organização, destinados ao exercício de uma atividade potencialmente capaz de gerar riquezas80.

Com essa nova concepção de empresa como uma atividade econômica profissionalmente organizada para a produção ou circulação de riquezas81, assume a mesma quatro acepções essenciais para a sua compreensão, quais sejam: subjetiva, objetiva, funcional e corporativa82.

Dentre esses perfis, merece aqui destacar o objetivo, que compreende a nova acepção de estabelecimento empresarial, agora entendido como todo o complexo de bens organizado pelo empresário para o exercício da empresa83. Não se confunde assim o

80 Cf. M

ENEZES CORDEIRO, Direito Comercial, 4ª ed., revista, atualizada e aumentada. Coimbra: Almedina, 2016, p. 324; e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial …, p. 105.

A Itália foi o primeiro País a adotar expressamente a teoria da empresa quando promoveu a unificação do Direito Privado com o Codice Civile de 1942. Sobre a definição de empresa no direito italiano, cf. FRANCESCO FERRARA, La teoria giuridica dell´azienda. Firenze: Editrice Il Castellaccio, 1945, pp. 90-91; e FRANCESCO MESSINEO, Manuale di diritto civile e commerciale: codici e norme complementari, vol. 1, 8ª ed.,

aggiornata e ampliata. Milano: Giuffrè, 1952, pp. 330-332. ~

No direito brasileiro, ainda quando prevalecia a teoria dos atos de comércio, JOÃO EUNÁPIO BORGES,

Curso de direito comercial terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1971, pp. 184-185, já destacava que para o

exercício do comércio, qualquer empreendedor necessita de capital, trabalho e organização. A partir do Código Civil brasileiro de 2002, que também promoveu uma unificação do Direito Comercial e Civil, foi finalmente adotada a teoria da empresa, de nítida inspiração do direito italiano.

81 F

ABIO ULHOA COELHO, Curso de Direito Comercial, vol. 1, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 19, define empresa como atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, a destacar ainda que, por ser uma atividade, não deve ser confundida a empresa com o sujeito de direito, nem de coisa.

82 Referidas acepções ou perfis foram destacados por A

LBERTO ASQUINI, Profili dell´Impresa, Rivista del Diritto Commerciale, v. XLI, I, 1943, pp. 1 e ss., onde ressalta que a empresa não pode possuir um conceito unitário, devendo ser vista sob um fenômeno econômico poliédrico.

Segundo mencionado autor, o perfil subjetivo considera o sujeito responsável pelo exercício da atividade econômica, bem como por toda organização do complexo empresarial. Trata-se da pessoa do empresário, definido no artigo 2.082 do Código Civil italiano como quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços. Similar definição foi também adotada no artigo 966 do Código Civil brasileiro de 2002.

O perfil funcional identifica a empresa como a própria atividade dirigida para um escopo produtivo, enquanto que o corporativo tem em consideração toda a organização desenvolvida pelo empresário ou

impreditore para o exercício de sua atividade econômica produtiva, a ser realizada entre seus empregados e

colaboradores, segundo regras de hierarquia estabelecidas por quem detém o poder de controle e de mando.

83 A definição de estabelecimento empresarial ou azienda foi prevista nos artigos 2.555 do Código Civil

italiano e 1.142 do Código Civil brasileiro de 2002.

Apesar de não definido expressamente pelo ordenamento jurídico português, o estabelecimento comercial também vem sendo compreendido pela doutrina dominante como conjunto de bens corpóreos e incorpóreos devidamente organizado para a prática de atividade comercial. Neste sentido, cf., por todos,

43 estabelecimento com a empresa ou mesmo com o empresário. Este é quem investe capital e o responsável pela organização de todos os meios de produção em uma nova atividade econômica, a poder se tratar de pessoa simples, no caso de empresário individual, ou mesmo coletiva, quando o empreendedor for uma sociedade comercial. Já a empresa, como já visto, compreende a própria atividade produtiva desempenhada, mediante um complexo de meios humanos e materiais, devidamente organizada pelo seu titular84. O estabelecimento corresponderá, na verdade, ao instrumento utilizado pelo empreendedor para o exercício dessa atividade85.

Integrará o patrimônio do empresário, embora com este não se confunda necessariamente. Notadamente nos casos em que a empresa for exercida por um empreendedor individual, o mesmo possui em seu patrimônio bens diversos daqueles a ser utilizados na atividade desenvolvida, como sua residência, veículo próprio, dentre outros, a integrar o estabelecimento comercial tão somente aqueles bens organizados para o exercício de sua atividade econômica. Todavia, quando o titular da atividade econômica se tratar de sociedade comercial, pessoa coletiva constituída para a finalidade de desempenho dessa atividade produtiva, todo o seu patrimônio social corresponderá ao estabelecimento comercial86.

Para ser assim considerado estabelecimento, é preciso ter sido o complexo de bens organizado por empresário, seja individual ou sociedade comercial, bem como que se destine ao exercício de alguma atividade produtiva87. Desde que organizados pelo empresário e afetados a uma atividade econômica, qualquer ordem de bens podem integrar o estabelecimento comercial, quer sejam bens corpóreos, como imóveis, máquinas, equipamentos, estoque, veículos, matéria prima, etc., ou mesmo se tratem de bens imateriais

BARBOSA DE MAGALHÃES, Do estabelecimento comercial: estudo de direito privado, 2ª ed. Lisboa: Ática, 1964, p. 13. Ainda no mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, Direito Comercial …, p. 332.

84 Cf. Em sentido contrário, a defender não existir distinção entre empresa e estabelecimento, cf.

COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, vol. 1, 10ª ed. Coimbra: Almedina, 2016, pp. 215 e ss.

85

Cf. ANTÔNIA ESPÍNDOLA LONGONI KLEE, O conceito de estabelecimento empresarial virtual e a

proteção do consumidor nos contratos eletrônicos: algumas reflexões. In. MARTINS,GUILHERME MAGALHÃES

(coord.), Direito Privado e Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 211.

86 Cf. R

ICARDO NEGRÃO, Manual de direito comercial e de empresa, vol. 1, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 72.

87 Cf. J

OSÉ DA SILVA PACHECO, Do estabelecimento empresarial em face do novo código civil. ADV Advocacia Dinâmica: boletim informativo semanal. São Paulo, v. 23, n.º 28, jul. 2003, p. 417.

44 ou incorpóreos, como marcas, patentes, ponto empresarial, título do estabelecimento, nome empresarial, dentre outros.