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As Plenárias Nacionais de Economia Solidária e os diálogos dos movimentos sociais

1. A CRIAÇÃO DA SECRETARIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO

1.2 As Plenárias Nacionais de Economia Solidária e os diálogos dos movimentos sociais

Consta em diversas publicações anteriormente citadas (SCHIOCHET, 2009; SINGER, 2006; ALCÂNTARA, 2009), que diversos movimentos sociais nas suas variadas formas de expressão, que passaram a integrar o que hoje se denomina de movimento de economia solidária (LECHAT, 2004), elaboraram um documento com o intuito de abrir canais de diálogo com o governo recém-eleito, no final de 2002. Neste documento, em que constam as bandeiras de lutas encabeçadas por organizações ligadas ao movimento sindical, às igrejas cristãs, entre outros atores sociais, estavam as diretrizes gerais da Economia Solidária (os seus eixos organizativos), e apresentava-se a demanda pela criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária.

Assim, durante a I Plenária Nacional de Economia Solidária, realizada em São Paulo, nos dias 9 e 10 de dezembro de 2002, contando com a participação de mais de 200 pessoas (entre trabalhadores, entidades de representação, entidades de assessoria/fomento e gestores de políticas públicas), foi aprovada e encaminhada uma carta ao futuro governo, intitulada Economia solidária como estratégia política de desenvolvimento.

O estado do Ceará teve especial destaque nesse processo, por aglutinar experiências nos meios rural e urbano, envolvendo movimentos de mulheres, jovens, agricultores, entre outros segmentos, engajados em associações de moradores de bairros populares, cooperativas e grupos produtivos, fomentadas por várias organizações, a exemplo da Agência de Desenvolvimento Solidário da CUT, da Cáritas Brasileira (Regional Ceará), do Instituto Florestan Fernandes, do Centro e Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos

34 Segundo Noelle Lechat (2004, p. 04), o campo da economia solidária vai se construindo como uma realidade

em constante transformação, tendendo a organizar-se em redes e fóruns, a exemplo da Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária (RBSES), constituída durante a realização do Encontro Brasileiro de Cultura e Socioeconomia Solidária, na cidade de Mendes, no Rio de Janeiro, em junho de 2000. Desde então, alguns estados passaram a organizar seus fóruns estaduais, sendo um deles o estado do Ceará, com a Rede Cearense de Socioeconomia Solidária, espaço que aglutina trabalhadores engajados nas iniciativas de economia solidária e entidades de apoio e fomento ligadas aos movimentos sociais. Dentre estas, atuam, desde o início até os dias atuais, o Banco Palmas, a Cáritas Brasileira e o Cearah Periferia. Outras entidades, inclusive com relevante papel, como a ADS e a Incubadora de Cooperativas Populares da UFC, não mais participam da RCSES. Assim, este se tornou um espaço cuja atuação mais ampla fica a cargo dos empreendimentos, contando com a participação apenas pontual de alguns gestores públicos responsáveis pela execução de projetos específicos na área, geralmente ligados à Prefeitura Municipal de Fortaleza e outras Prefeituras da Região Metropolitana, com destaque para Caucaia e Maracanaú.

Humanos (Cearah Periferia), a Incubadora de Cooperativas Populares da UFC entre outros35. A postura reivindicatória dos movimentos sociais obteve ressonância junto ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cujo discurso centrado no pacto social prometia apoio à geração de emprego e renda num cenário de recessão, juros altos, inflação, aumento do desemprego etc. Desse modo, segundo Alcântara (2009, p. 122), o referido pacto seria sustentado pela articulação entre a sociedade civil organizada, empresários e trabalhadores, acelerando, do ponto de vista político, a implementação daqueles projetos considerados prioritários.

Segundo Alcântara (2009, p. 122), um eixo central no discurso do governo eleito era o pacto social, centrado na promessa de geração de emprego e renda num cenário de recessão, juros altos, inflação, aumento do desemprego etc. Em suas palavras, o referido pacto permitiria: “[...] articular sociedade civil organizada, empresários e trabalhadores, para que os projetos mais urgentes fossem implementados da forma esperada, sem nenhum impedimento devido a problemas políticos” (Ibidem).

A celeridade apregoada parecia estar de fato em voga, pois, na plenária seguinte, realizada durante as atividades do II Fórum Social Mundial, em janeiro de 2003, na cidade de Porto Alegre, a abertura do evento foi presidida pelo professor Paul Singer36, que, poucos meses depois, tornou-se secretário nacional de Economia Solidária. Neste evento, com mais de 800 participantes, a principal deliberação foi uma agenda de mobilização de debates e sensibilização para criação de outros fóruns nas diversas regiões do país. Nessa época, o Ceará e alguns poucos estados já possuíam algumas movimentações nesse sentido, contando principalmente com organizações não governamentais (ONGs) e de cooperação internacional.

Fruto desse processo, a III Plenária Brasileira de Economia Solidária assumiu contornos mais amplos, pois contou com um processo preparatório mais intenso de mobilização, envolvendo 17 estados, nas diversas regiões do país. Neste evento, foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária37 (FBES) para “[...] articular e mobilizar as bases da Economia Solidária pelo país em torno da Carta de Princípios e da Plataforma de Lutas aprovadas naquela oportunidade” (FBES, 2014).

35 Para maior aprofundamento ao tema, consultar Gonçalves (2009).

36 Paul Singer é professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), considerado um dos mais

reconhecidos e citados intelectuais da área da economia solidária (LECHAT, 2004). Militante histórico do Partido dos Trabalhadores, Singer foi secretário de Planejamento na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992), sobre a qual publicou um livro intitulado Um governo de esquerda para todos (SINGER, 1996).

37 Link de acesso ao histórico do Fórum Brasileiro de Economia Solidária:

<http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=57> Acesso em 20.dez.2014).

Entre as deliberações do evento, além de definir a composição e o funcionamento do FBES, foi iniciado um processo de interlocução deste fórum com a Senaes, tomando como base dois importantes documentos – Carta de princípios e Plataforma de lutas – em que constavam os eixos de atuação do movimento de economia solidária: finanças solidárias, marco legal, educação, comunicação, redes de produção, comercialização e consumo, democratização do conhecimento e tecnologia e organização social da economia solidária.

É importante registrar que, nesse primeiro período de atuação da Senaes/MTE, seu principal papel se deu no estímulo à formação dos Fóruns e Redes Estaduais de Economia Solidária, criando canais de diálogo com algumas estruturas do Ministério do Trabalho e Emprego existentes, as atuais Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs), antigas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs). Atualmente, em cada SRTE, há uma seção de economia solidária, embora, via de regra, com uma equipe bastante reduzida, como é o caso do Ceará, que dispõe de apenas dois funcionários.

Conforme se observa, num curto espaço de tempo (de apenas um semestre decorrido entre a realização da I e da III Plenária), em junho de 2003, a Senaes/MTE foi instituída por meio da Lei n.º 10.683 e do Decreto n.º 4.764, e, junto a ela, outras duas instâncias de participação e controle social: o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), reconhecido como instância de interlocução do governo com as organizações da sociedade civil e o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES), sendo este último composto por representantes de setores da sociedade civil e de órgãos de governo.

É possível considerar esse momento como uma convergência entre as forças políticas que assumiam um governo com o discurso em favor das causas sociais, eleito com ampla maioria dos votos (mais de 60%), formando sua equipe com algumas pessoas oriundas de movimentos sociais, notadamente o movimento sindical (como o próprio Paul Singer e outros, como Ricardo Berzoini, Luiz Marinho e Jaques Wagner, que assumiram o Ministério do Trabalho e Emprego em períodos diferentes). Tais alterações na esfera governamental causaram divisões no interior dos movimentos sociais, pois, se por um lado algumas lideranças avaliam o ingresso no governo como uma maior abertura para inclusão de demandas vindas da sociedade, por outro, vários segmentos afirmam que isso teria levado ao enfraquecimento do movimento sindical.

Essa fase de institucionalização teve importância essencial na expansão das políticas de fomento à economia solidária a partir do governo federal, foi analisada por Nagem

e Silva (2011, p. 13), à luz do modelo teórico de Kingdon38 (1995), enfocando o processo social, político e econômico do período em que ocorreu a inserção da temática como política pública de geração de trabalho e renda. Assim, o referido modelo distingue a interação entre três fluxos que propiciaram a inserção da economia solidária na agenda governamental em 2003, culminando com a criação da Senaes: i) o fluxo de problemas, todos aqueles associados às mudanças no mundo do trabalho (as altas taxas de desemprego e informalidade, o aumento da pobreza e demais riscos sociais a ela associados), teria aumentado a pressão social para uma atuação mais ativa do governo federal; ii) o fluxo de soluções, em que fora ressaltado o papel do meio acadêmico, desde o momento em que a economia solidária tornou-se tema de pesquisa em áreas da universidade, sobretudo nas humanidades, como nas Ciências Sociais, Educação e alguns setores dos cursos de Economia e Administração. Conforme destacam os autores, um indicador relevante nesse sentido é o número de trabalhos finais de cursos de pós-graduação no país sobre o tema da economia solidária, tendo aumentado consideravelmente em cerca de dez anos (1998-2007), de acordo com levantamento de Bertucci39 (2010) no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fenômeno que estaria associado ao crescimento das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), envolvendo múltiplas áreas do conhecimento.

Outro fator relevante foi a maior visibilidade conferida ao tema mediante atuação de organizações da sociedade civil, a exemplo da Cáritas Brasileira, Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão (Anteag), Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entre tantas outras. Conforme citado na introdução e no primeiro item deste capítulo, destacam-se também as iniciativas nas gestões públicas espalhadas por vários estados do Brasil. Este seria o terceiro fluxo: o político. A convergência dos três fluxos em um dado momento é que teria aberto uma “janela política” no processo de definição da agenda governamental, possibilitando a origem do novo item de política pública.

No plano político-ideológico, outra força social citada pelos autores foi o Partido dos Trabalhadores (PT), que, até 2003, teria sido responsável por todas as experiências de políticas públicas estaduais e municipais de economia solidária implementadas no Brasil.

Até aqui foram mencionados os fatores estruturais que condicionaram o processo

38 Para maiores informações, consultar: KINGDON, J. W. Agendas, alternatives and public policies. United States of America: Addison-Wesley Longman, 1995.

39 De acordo com o autor, entre 1998, quando consta o primeiro trabalho publicado sobre o tema, e 2007, foram

de criação da Senaes; contudo, a ação dos indivíduos também teria sido fundamental. Para Nagem e Silva (2011), o principal responsável pela abertura da “janela política” para a economia solidária no governo Lula teria sido Paul Singer, pois, em razão de sua trajetória de vida política e acadêmica40 , agregou os predicados que configuraram o perfil ideal das aspirações do movimento social com os propósitos de um governo que anunciava um projeto democrático-popular.

1.3 A criação da Senaes/MTE como marco inicial da institucionalização no âmbito das