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A criação da Senaes/MTE como marco inicial da institucionalização no âmbito das

1. A CRIAÇÃO DA SECRETARIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO

1.3 A criação da Senaes/MTE como marco inicial da institucionalização no âmbito das

Conforme já dito anteriormente, a criação da Senaes/MTE resultou de um processo da convergência entre múltiplos fatores e forças políticas. Sobre o assunto, em artigo publicado na coletânea intitulada Ação pública e economia solidária, organizada por França Filho, Laville e outros (2006), Paul Singer considera que esse fato teria sido uma decorrência coerente com o compromisso político assumido em campanha pelo então presidente eleito, destacando que este teria sido o único entre os candidatos que inseriu a economia solidária no seu programa de governo, mediante diálogo com o movimento social. Inclusive, a indicação do seu nome para chefiar a nova secretaria teria sido também uma reivindicação do movimento de economia solidária. Conforme declara:

Foi, portanto, lógica sua decisão [do Presidente Lula] de atender à reivindicação do movimento de criar no MTE a Senaes. Também por sugestão do movimento, fui escolhido pelo presidente para chefiar a nova secretaria. No momento de minha posse, teve lugar, em Brasília, a III Plenária Nacional de Economia Solidária, com a presença de mais de 800 delegados da maioria dos Estados, e que fundou na ocasião o Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES, que se tornou desde então o principal parceiro da Senaes (SINGER, 2006).

Outros fatores, já desenvolvidos no item anterior, apontam que, além do compromisso político e ideológico registrado por Singer, precisam ser considerados os aspectos de ordem estrutural, pois a eleição de um governante e a indicação de um intelectual orgânico ao movimento dos trabalhadores, embora fatores cruciais, não seriam suficientes para a criação e o êxito de uma política pública.

Dentre esses fatores, há que se considerar a existência, ainda que fragmentada e pontual, da agenda da economia solidária em outras esferas de governo, denominada por Schiochet (2009, p. 51) como “fase de experimentalismo”, posto que o desenho das ações, bem como a sua priorização estavam associados às especificidades de cada local, variando conforme

o sentido e a relevância atribuídos por cada gestor à economia solidária. Assim, alguns programas governamentais mais amplos se destacaram, a exemplo do Programa de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável e o Programa Nacional de Qualificação Profissional (Planfor), sendo este último financiado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Neste caso, pelo modelo de gestão tripartite adotado, parte dos recursos foi apropriada por setores do movimento social e sindical para a promoção de ações de qualificação profissional e apoio a projetos de geração de renda. Ao mesmo tempo, a economia solidária também estava presente nas políticas assistenciais e de desenvolvimento local/territorial implementadas por diferentes ministérios, principalmente o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), respectivamente41.

Portanto, seja numa concepção assentada na geração de renda, no assistencialismo, seja em sua perspectiva mais ampla, como modelo de desenvolvimento42, a economia solidária ingressou nas políticas governamentais, possibilitando a criação de espaços específicos de debate e elaboração no âmbito das políticas públicas, como a própria Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária (RGPPES), o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES).

Para Schiochet (2009, p. 57), a formação da Rede de Gestores e o apoio da Senaes/MTE cumpriram um papel fundamental para a criação de espaços para troca de informações e experiências desde seu primeiro ano de existência, permitindo a qualificação dos debates e as formulações em torno das políticas públicas de economia solidária. Conforme avalia, “[...] a iniciativa dos gestores de dialogarem entre si, trocarem experiências, saber o que estava sendo implementado nos municípios e estados e realizar avaliações críticas foi consolidando uma compreensão de que havia unidade na diversidade”.

41Conforme observa Schiochet (2009, p. 57), muitas destas políticas possuem alto grau de institucionalização, a

exemplo do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SEPTR), do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ou do recente Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).

42 De acordo com reflexões da Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária, compreender a

economia solidária como uma política de desenvolvimento pressupõe: “[...] concebê-la com instrumentos e ferramentas instituídos como direitos perenes dos trabalhadores e trabalhadoras e dever de um Estado republicano e democrático. Para a Rede de Gestores, a economia solidária compor a agenda pública nessa perspectiva significa o reconhecimento de novos sujeitos sociais e novos direitos de cidadania, o reconhecimento de novas formas de produção, reprodução e distribuição social, propiciando acesso aos bens e recursos públicos” (PRAXEDES, 2009, p. 57-58). Esta perspectiva é compartilhada pela maioria dos setores que compõem o movimento de economia

solidária. Mais informações estão disponíveis em:

<https://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/08_ES3Sandra.pdf> Acesso em 20.dez.2014).

Outros fatores destacados pelo autor foram as atividades formativas e eventos diversos (oficinas, plenárias etc.), que permitiram a sistematização de documentos que subsidiaram o desenho institucional das políticas públicas de economia solidária, tendo ocorrido momentos emblemáticos, como o I Encontro Nacional dos Empreendimentos de Economia Solidária43 (2004), realizado em Brasília, que foi basilar para a realização da I Conferência Nacional de Economia Solidária, em 2006. Tais eventos configuram um novo quadro institucional para as políticas de economia solidária; porém, com enormes desafios, que serão abordados no final deste tópico.

Para dar uma noção mais precisa da estruturação do campo da economia solidária no Brasil, vejamos a figura abaixo, disponível na página do FBES na internet44:

Figura 01 - O campo da economia solidária no Brasil

Fonte: Página do FBES (<http://www.fbes.org.br>). Consulta em: 20/12/2014.

Uma premissa consensual na bibliografia consultada é que, após a criação da Senaes/MTE, inaugura-se uma nova conformação das políticas de trabalho desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pois, historicamente, este Ministério não se ocupava de iniciativas dessa natureza. É o que indica França Filho (2006), quando afirma que as políticas

43 Participei presencialmente do referido evento.

44 Ver o link <http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=57> Acesso

de economia solidária do governo Lula inauguraram no Brasil uma nova forma de intervenção do Estado na geração de trabalho e renda que vai além da relação assalariada, ao definirem o incentivo a outras formas de organização socioeconômica, de caráter associativo.

É importante frisar que, no início das atividades da Senaes, o Ministério do Trabalho e Emprego estava sob a gestão de lideranças ligadas ao movimento sindical, entre elas, Jacques Wagner (2003-2004), que depois foi sucedido por um sindicalista, Ricardo Berzoini (2004- 2005), e por Luiz Marinho (2005-2007), que foi presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). No entanto, ainda no governo Lula, em 2007, portanto, no seu segundo mandato, houve uma mudança na correlação de forças políticas, e este ministério passou a ser assumido pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), tendo sido ocupado por Carlos Lupi (2007-2010), depois por Brizola Neto (2012-2013) e, atualmente, está sob o comando de Manoel Dias, desde março de 2013.

As mudanças ocorridas certamente implicaram alterações no interior da estrutura do MTE; contudo, a equipe da Senaes foi mantida quase na íntegra e, com ela, a linha de atuação da secretaria, que continua contando com o mesmo núcleo de pessoas, com pequenas alterações, no período recente, em que foram incorporadas algumas lideranças com histórico de militância em diferentes áreas da economia solidária.

Considerando tais aspectos, Nagem e Silva (2011) concordam com França Filho et al. (2006) no sentido de que até 2003 (início do governo Lula), as políticas públicas na área do trabalho estavam restritas à esfera do emprego formal, sem incluir outras possibilidades de geração de trabalho e renda fora da relação assalariada clássica. Em suas palavras:

As ações públicas para o emprego no Brasil se institucionalizaram sob a vertente tradicional do Estado de bem-estar social, baseada no tripé: seguro-desemprego, qualificação profissional e intermediação de mão de obra. Para assegurar o financiamento desse sistema, foi criado em 1990 de acordo com a Lei n.º 7.998 o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cuja principal fonte de receitas seria a arrecadação das contribuições do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) (NAGEM e SILVA, 2011, p. 13).

A reflexão feita pelos autores versa sobre o processo de criação e os primeiros anos de existência da Senaes/MTE, com ênfase no Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, implementado no primeiro ciclo orçamentário dessa secretaria (PPA 2004- 2007), quando esta passou a ter orçamento próprio. Mas, ainda que a criação da Senaes tenha representado uma novidade nas políticas de trabalho, de acordo com o levantamento dos autores no período analisado (2004-2010), os valores não alcançaram sequer 1% do orçamento total do MTE. Este fato evidencia o papel marginal, em termos de destinação de recursos, que a

economia solidária possui no âmbito das políticas deste ministério, quando comparado a outros programas já existentes. Por outro lado, há um conjunto de ações executadas pela Senaes/MTE em parceria com outros órgãos, que conseguiram ampliar a capacidade de realização desta secretaria, conforme explicam os autores:

Em geral, as demais ações de economia solidária no governo federal [...] são executadas de duas formas distintas: algumas delas são executadas em parceria com outras estruturas de governo; em outras, a Senaes apoia direta ou indiretamente, mas a execução fica a cargo da estrutura responsável. No caso das primeiras [...]. Como exemplo dessas ações, pode-se citar: o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça (MJ); o Fomento para a Organização de Cooperativas Atuantes com Resíduos Sólidos, do Ministério das Cidades (MCidades); e a parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), para o apoio ao Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (PRONINC). No caso da outra possibilidade, a Senaes apoia institucionalmente algumas ações de outros ministérios. Os principais parceiros nesse caso são: o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com suas ações de inclusão produtiva de parcelas da população em situação de pobreza; o Ministério do Meio Ambiente (MMA), com ações ligadas à Agenda 21; e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com suas ações de cooperativismo e apoio aos empreendimentos de agricultura familiar (NAGEM e SILVA, 2011, p. 32).

Não adentrarei nos detalhes descritivos e de caráter avaliativo das ações desenvolvidas pela Senaes/MTE desde a sua criação até os dias atuais, pois não é objetivo desta tese45, cujo foco são as finanças solidárias com ênfase nos bancos comunitários. O meu intuito, ao retomar os acontecimentos que levaram ao processo de criação da Senaes e suas primeiras movimentações, foi fornecer alguns elementos que julguei relevantes para a compreensão do contexto em que ocorreu o que denominei de primeiras vias de institucionalização da economia solidária no Brasil. A meu ver, a criação da Senaes/MTE consistiu na condição sem a qual o processo de institucionalização não teria assumido os contornos e a abrangência que adquiriu (em que pesem as fragilidades e limitações analisadas pelos autores). Após esse evento, o tema começa a ser incorporado à agenda pública governamental do país (com a sua diversidade de linhas de atuação, entre as quais estão as finanças solidárias), criando as condições objetivas para a “institucionalidade da política”. Ou seja, lançando as bases para o reconhecimento da demanda social e dos sujeitos da política. Desde então, esta secretaria passou a desempenhar um papel relevante na identificação, apoio e fomento às experiências em andamento no país.

Importa, por fim, pontuar alguns desafios apontados pelos autores com quem dialoguei, notadamente, Schiochet (2009) e Cunha (2012), que giram em torno do fortalecimento institucional das políticas de economia solidária, que residiria na transformação

45 Sobre o assunto, existem várias publicações a respeito. Entre elas, Cunha (2012), Nagem e Silva (2011) e

de “políticas de governo em políticas de Estado”. Para Schiochet (2009), a existência dessas políticas ainda depende dos partidos, das coalizões ou dos grupos políticos que assumem o poder Executivo. Na sua avaliação, essa seria a questão central da institucionalização das políticas públicas de economia solidária.

Uma vez exposto o contexto institucional em que brotaram as primeiras ações em prol da economia solidária no governo federal brasileiro, cumpre agora traçar um percurso semelhante em relação às finanças solidárias. Quais processos impulsionaram a classificação de um conjunto de experiências na área das microfinanças com essa nominação? Quem foram os atores e as instituições sociais envolvidas? Essas e outras questões serão abordadas no capítulo 2, a seguir.

2 O PROCESSO DE FORMULAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA DAS FINANÇAS