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1. Antecedentes da organização policial militar no Brasil: origem e inserção

1.3. As polícias militares no regime militar de 1964

O começo do dia 31 de março, mais precisamente às três horas da madrugada, é marcado pelas tropas do General Olímpio Mourão Filho, comandante do IV Exército, que baseado em Juiz de Fora, Minas Gerais, partiram rumo ao Rio de Janeiro. Conhecida como “Operação Popeye”, dado ao inseparável cachimbo do general protagonista, precipitou o que se conhece hoje como Golpe Militar de 1964. No tocante aos militares deste infausto episódio, tomando as tropas de Mourão Filho como a parte pelo todo, Mathias (2004) acrescenta:

É assim que os períodos críticos da história brasileira correspondem também à união militar em torno de determinadas ideias. [...], ao mesmo tempo em que se assegura a participação de militares em cargos governamentais – parece uma medida compensatória para as Forças Armadas -, de forma a preservar a normalidade no processo político pela garantia de ‘fiéis da balança’ dada ao ator fardado (MATHIAS, 2004, p. 14)

Por esta leitura, na atuação repressiva sistêmica aos movimentos originados e amparados por setores diversos da sociedade, mediante a obediência institucional das polícias militares ao Exército, houve a ação onipresente da polícia, que, adequada àquela realidade, treinava os seus efetivos para uma ação guerreira e antisubversiva, enquanto as formulações das políticas públicas de segurança pública eram deixadas aos setores burocratizados do aparelho repressor estatal, destarte, o que se pode compreender é que outros órgãos basilares do regime autoritário não teriam tido tanto vigor se não fossem a presença e o empenho da estrutura policial, conduzido pela ideia de que a condição política naquele momento era legítima, pois tendia a defender o cidadão da ameaça vermelha tomando por base a dimensão comunista.

27 Neste raciocínio, a leitura que se faz é que o golpe militar desenvolveu um regime altamente burocratizado e amplamente autoritário, repercutindo no modus operandi das polícias militares estaduais até os dias atuais, não obstante a Constituição Cidadã de 1988 que redefine tais instituições.

O que se pode admitir, também, é que o Estado passa a demandar controle continuado das instituições, o que não seria diferente com esses organismos que recrudescem cada vez mais no tocante as suas relações com o povo. A partir desta nova realidade nacional, as corporações, com foco na manutenção do sistema político, dando ênfase à condição já explicitada que tais posturas impostas pelo regime vinham em detrimento a uma real política de segurança pública, veem ratificadas em suas condições de subordinação ao poder central (DEMONER, 1985; CARVALHO, 2001), quando até seu comandante, ou o chefe da tropa, seguia não como um oficial do último posto da corporação, mas dos quadros do Exército, reiterando a condição do período varguista que já dispunha estas tropas de maneira vassala5:

Art. 1º As Polícias Militares consideradas forças auxiliares, reserva do Exército, serão organizadas na conformidade deste decreto-lei.

Art. 2º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

a. executar o policiamento ostensivo, fardado, planejado pelas autoridades policiais competentes, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;

b. atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

c. atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas

d. atender à convocação do Governo Federal, em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave subversão da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se ao Comando das Regiões Militares, para emprego em suas atribuições específicas de polícia e de guarda territorial.

Art. 5º O Comando das Polícias Militares será exercido por oficial superior combatente, do serviço ativo do Exército, preferentemente do posto de Tenente- Coronel ou Coronel, proposto ao Ministro da Guerra pelos Governadores de Estado e de Territórios ou pelo Prefeito do Distrito Federal. § 1º O provimento do cargo de Comandante será feito por ato dos Governadores dos Estados, Territórios ou pelo Prefeito do Distrito Federal, após ser designado por

5Conforme atribui o Decreto-Lei nº 317, de 13 de Março de 1967, visível no endereço eletrônico que segue,

acessado no dia 9 de junho de 2017: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-317-13- marco-1967-376152-publicacaooriginal-1-pe.html.

28 decreto do Poder Executivo Federal, o oficial que ficará à disposição dos referidos

Governo e Prefeito para esse fim.

§ 2º O oficial do Exército, nomeado para o Cargo de Comandante da Polícia Militar, será comissionado do mais alto posto da Corporação, se sua patente for inferior a esse posto.

Continuando a noção de instituição necessariamente sob a regência estabelecida pela capital nacional, é instituída a Inspetoria Geral das Polícias Militares coordenada por um oficial da Força Terrestre no posto de General de Brigada. Tal organismo do governo federal tinha como missão o controle de material e pessoal das corporações dos estados, como bem convinha ao regime em execução6:

Art 1º As Polícias Militares consideradas forças auxiliares, reserva do Exército, serão organizadas na conformidade deste Decreto-lei.

Parágrafo único. O Ministério do Exército exerce o controle e a coordenação das Polícias Militares, sucessivamente através dos seguintes órgãos, conforme se dispuser em regulamento:

a) Estado-Maior do Exército em todo o território nacional;

b) Exércitos e Comandos Militares de Áreas nas respectivas jurisdições; c) Regiões Militares nos territórios regionais.

Art 2º A Inspetoria-Geral das Polícias Militares, que passa a integrar, organicamente, o Estado-Maior do Exército incumbe-se dos estudos, da coleta e registro de dados bem como do assessoramento referente ao controle e coordenação, no nível federal, dos dispositivos do presente Decreto-lei.

Parágrafo único. O cargo de Inspetor-Geral das Polícias Militares será exercido por um General-de-Brigada da ativa.

Quanto à capilaridade das polícias militares no Brasil, em sua estrutura sob a gestão absoluta dos comandos militares federais, cabia a essas instituições seguirem a regra do Estado beligerante, repressivo e de exceção. Porquanto, estando em todos os rincões do território nacional, lançar mão desses quadros dependia tão somente de uma ordem militar e a execução sumária e inquestionada seria o próximo passo. Some-se a isso, o fato é que os contingentes

6Tudo previsto no Decreto-Lei 667, de 2 de julho de 1969, conforme site

29 policiais das décadas de 60 e 70 eram desprovidos de cultura, muito dos tais com pouquíssima formação escolar, restando à obediência militar como base do sustento familiar e a certeza do soldo ao final do mês. Deste modo, acerca desses instrumentos de obediência dentro da repressão do Estado, a exemplo no Nordeste, cumprindo as determinações dos comandos militares, mas permeável, também, às pressões locais, a repressão política em Pernambuco foi mais violenta e generalizada que no restante do país. Sua execução coube às Forças Armadas, à Polícia Militar e à Polícia Civil – como na maioria dos Estados (COELHO, 2004).

Naturalmente, a militarização das corporações estaduais no uso da repressão estava condicionada as ações em que as Forças Armadas submetiam o seu funcionamento, servindo essas tropas de tal maneira ao comando do Exército que passara a ser, sobre todos os aspectos, como principal mandatário na ordem hierárquica castrense. A compreensão é que as polícias militares, também no tocante ao serviço de Inteligência, serviam como apêndices elementares na complexa rede de espionagem criada pelo regime, por exemplo, no campo das informações, contrainformações e espionagem, quando as PMs e delegacias estavam sujeitas a enviar as informações colhidas ao SNI, Serviço Nacional de Informações, à agência do Rio de Janeiro e às agências regionais dos respectivos estados.

Finalmente, com a redemocratização do Brasil, tendo como estrutura documental a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), embora avançada em alguns pontos, entre eles o da própria cidadania, este diploma tropeça no item da segurança pública, pois ainda persiste em manter a vinculação das instituições policiais dentro do título reservado à Defesa do Estado e

das Instituições Democráticas, mesmo título onde estão inseridos o Estado de Defesa, o Estado

de Sítio e as Forças Armadas, não coadunantes com o espírito eminente comunitário que se espera de uma polícia moderna e totalmente voltada às políticas de segurança pública do século XXI. A bem da verdade, ao longo desse caminho a gestão das polícias militares foi assinalada pelo modelo burocrático, não diferente das demais agências do estado. Na contemporaneidade, a partir dos anos 90, a leitura desse padrão vem sendo debatida, tendo em vista influências voltadas para a atualização da gestão que tem sido predominante em todo o mundo, no que diz respeito à maior eficiência e eficácia da gestão pública (KETTL, 1999), com a difusão do que se passou a designar de Nova Gestão Pública.

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