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AS POLÍTICAS DE MUNICIPALIZAÇÃO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988

3 AS POLÍTICAS DE MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO

3.2 AS POLÍTICAS DE MUNICIPALIZAÇÃO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988

De acordo com Souza (2003), as políticas públicas dizem respeito à forma como os governos respondem às demandas da sociedade. Por meio delas, os governos procuram implementar diretrizes e ações que visam promover o interesse público. As políticas públicas educacionais, em particular, referem-se às decisões dos governos que visam regulamentar e promover o sistema educacional. Por meio delas, os governos executem ou não esta ou aquela política pública, que distribui ou redistribui os recursos, isto é, a ação do poder executivo e a política pública regulatória pertencem ao poder legislativo (GADOTTI, 2003).

A municipalização é, seguramente, uma das principais políticas públicas brasileiras, cujo marco legal é a CF de 1988. A partir dela, diversas leis, decretos e demais marcos regulatórios foram aprovados e promulgados com o propósito de atribuir competências aos municípios e alocar orçamentos.

3.2.1 Constituição Federal de 1988

A CF de 1988 ampliou a autonomia dos Municípios, elevando-os, pela primeira vez, à condição de entes federados dotados de autonomia política. A CF introduziu dispositivos que responsabilizam os municípios no tocante à gestão e à implementação de políticas públicas e sociais, em especial, a educação.

No concernente à educação, estabeleceu, em seu Art. 211, que a “[...] a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino” (BRASIL, 1988). O mesmo artigo estabelece ainda que os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na pré-escola e os estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio (Art. 211, § 3°).

De acordo com a CF (§ 4°, Art. 211), os entes federados definirão formas cooperação, em regime de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. O art. 212 estabeleceu o investimento mínimo de cada dos entes federados.

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1988).

Com o regime de colaboração e a universalização do ensino obrigatório previstos na CF de 1988, surgiram várias políticas que estimularam a municipalização da educação básica, quais sejam: EC/1996, (FUNDEF), Lei 9394/96 (LDB), EC 53/2006, (FUNDEB), EC 59/2009 e a Lei 13005/2014 (PNE). Essas políticas indutoras da municipalização da educação básica no período pós CF de 1988 serão tratadas a seguir.

3.2.2 Emenda Constitucional 14/1996 (FUNDEF)

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) foi instituído pela Emenda Constitucional n° 14, de setembro de 1996 e regulamentado pela Lei 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano. A instituição do FUNDEF contribuiu de forma decisiva para induzir o processo de municipalização do Ensino Fundamental no Brasil ao ampliar de 50% para 60% a vinculação de recursos do Art. 212 da CF/88 de Estados e Municípios ao Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, reduziu a obrigação da União de 50% para 30%, atribuindo-lhe função redistributiva na

complementação do FUNDEF para garantir um valor anual mínimo por aluno, definido nacionalmente, e completar esse mínimo nos Estados cujo valor fosse inferior.

O FUNDEF não trouxe grande novidade: Cuidou apenas para a distribuição igualitária de 15% dos recursos arrecadados distribuídos por número de alunos matriculados no ensino fundamental. Esse fundo vigorou entre 1998 a 2006, foi um fundo de subvinculação das receitas da educação; dos 25% da receita vinculada, 60% era destinado ao ensino fundamental (DAVIES, 2006).

É oportuno ressaltar que os 15% citados por Davies (2006) provêm dos seguintes recursos: FPM, FPE, ICMS, IPI-Exp. Compensação Financeira decorrente da desoneração das exportações. De acordo com Davies (2006), o FUNDEF foi um mecanismo indutor da descentralização, ou seja, os municípios foram induzidos à adesão, pois, à medida que assumissem mais matrículas do Ensino Fundamental, teriam mais receitas.

3.2.3 Lei 9.394/96 (LDB)

Para Secchin (2014), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) orientou-se pelos princípios, diretrizes e normas estabelecidos na CF de 1988, definindo e regulando o sistema brasileiro de educação. Fundada no primado de uma educação universal para todos, a LDB de 1996 trouxe diversas mudanças em relação aos regramentos anteriores, destacando-se a inclusão da educação infantil como a primeira etapa da educação básica, modalidade de ensino pela qual o Ministério Público tem buscado a garantia da atenção prioritária.

Ademais, a LDB inovou ao ampliar o conceito de educação, colocando-o para além dos limites da escola, abraçando os processos que se desenvolvem “na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (SECCHIN, 2014). A LDB objetivou a formação básica do cidadão, a fim de proporcionar o domínio dos conhecimentos necessários ao exercício da cidadania, pois, como já foi afirmado, a educação é o passaporte para a cidadania.

A LDB, em seu Artigo 11, inciso V, enfatiza as responsabilidades atribuídas aos municípios em relação ao Ensino Fundamental.

Oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela constituição Federal a manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1996).

Ainda no seu Artigo 11, estabeleceu que os municípios podiam constituir seus sistemas próprios de ensino de forma autônoma, ou de forma conjunta com os Estados, formando um sistema único.

3.2.4 Emenda Constitucional 53/06 (FUNDEB)

Segundo Secchin (2014), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) é um fundo de natureza contábil, instituído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 19 de dezembro de 2006, e regulamentado pela Medida Provisória 339, de 28 de dezembro do mesmo ano, convertida na Lei 11.494, de 20 de junho de 2007, sendo iniciada a sua implantação em 1º de janeiro de 2007. O Fundo funciona em todo o universo de alunos da educação básica pública presencial e os percentuais de receitas que o compõem têm alcançado o patamar de 20% de contribuição. Desde a promulgação da CF de 1988, 25% das receitas dos impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios se encontram vinculados à Educação.

Com a Emenda Constitucional nº 14/96, 60% desses recursos da educação passaram a ser subvinculados ao Ensino Fundamental (60% de 25% = 15% dos impostos e transferências), sendo que parte dessa subvinculação de 15% passava pelo FUNDEF, cuja partilha dos recursos, entre o Governo Estadual e seus municípios tinha como base o número de alunos do ensino fundamental atendidos em cada rede de ensino. Com a Ementa Constitucional nº 53/2006, a subvinculação das receitas dos impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios passaram para 20% e sua utilização foi ampliada para toda a Educação Básica, por meio do FUNDEB, que promove a distribuição dos recursos com base no n.º de alunos da educação básica pública; de acordo com dados do último Censo Escolar, sendo computados os alunos matriculados nos respectivos âmbitos de atuação prioritária (Art. 211, CF DE 1988). Assim, os Municípios receberão os recursos do FUNDEB com base no número de alunos da educação infantil e do ensino fundamental e os Estados com base nos alunos do ensino fundamental e médio (SECCHIN, 2014).

Para Secchin (2014), o FUNDEB não é considerado Federal, Estadual, nem Municipal, por se tratar de um Fundo de natureza contábil, formado com recursos

provenientes das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal); pelo fato de a arrecadação e a distribuição dos recursos que o formam serem realizadas pela União e pelos Estados, com a participação do Banco do Brasil, como agente financeiro do Fundo e, por fim, em decorrência dos créditos dos seus recursos serem realizados automaticamente em favor dos Estados e Municípios de forma igualitária, com base no número de alunos. Esses aspectos do FUNDEB o revestem de peculiaridades que transcendem sua simples caracterização como Federal, Estadual ou Municipal. Assim, dependendo da ótica que se observa, o Fundo tem seu vínculo com a esfera Federal (a União participa da composição e da distribuição dos recursos), a Estadual (os Estados participam da composição, da distribuição, do recebimento e da aplicação final dos recursos) e a Municipal (os Municípios participam da composição, do recebimento e da aplicação final dos recursos).

O artigo 18 da Lei nº 11.494/2007 prevê que “os estados e os municípios poderão celebrar convênios para transferência de alunos, recursos humanos, materiais e encargos financeiros, assim como de transporte escolar, acompanhados da transferência imediata de recursos financeiros correspondentes ao número de matrículas assumido pelo ente federado”.

Assim, prefeituras municipais e governos estaduais têm liberdade e autonomia para celebrar convênios com essa finalidade, com base nos parâmetros que forem negociados e definidos entre os dois governos, respeitada a legislação que disciplina a celebração de convênios.

Assim como o FUNDEF, o FUNDEB também se configura como mecanismo fortemente indutor da municipalização do ensino fundamental, pois, além de incidir sobre um percentual ainda maior (80% de 25%) de recursos vinculados constitucionalmente à educação, continua a fazer do aluno uma espécie de “unidade monetária”, uma vez que os recursos do Fundo vigente retornam para os entes federados em valores proporcionalmente relativos ao número de alunos matriculados nos respectivos sistemas/redes de ensino (MILITÃO, 2012, p.153). Nesse aspecto, o FUNDEB repete “[...] a experiência do FUNDEF, que também operava segundo princípio „mais matrícula, mais dinheiro‟” (CALLEGARI, 2010, p. 16).

3.2.5 Emenda Constitucional 59/2009

Nas últimas décadas, o Ensino Fundamental passou por diversas mudanças, deflagradas pela Lei n° 11.274/2006 (BRASIL, 2006a), que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996). Esta lei ampliou o tempo do Ensino Fundamental obrigatório de oito para nove anos e, não obstante, tornou obrigatória a

matrícula a partir dos seis anos de idade, ampliando, além do tempo de alfabetização, a responsabilidade dos Municípios com o ensino obrigatório. A Emenda Constitucional n° 59/2009 deu nova redação aos incisos I e VII do art. 208 da CF de 1988, passando a vigorar com a seguinte redação: “A educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (Art. 1º, EC 59/2009).

Com a ampliação do ensino obrigatório para educação básica dos quatro aos 17 anos de idade (da pré-escolar ao ensino médio), e, sendo o Município o ente federado responsável pela oferta da pré-escola, teve suas responsabilidades com a universalização da educação básica ampliadas.

3.2.6 Lei n. 13005/2014 (PNE 2014-2024)

A CF de 1988, por meio do art. 214, exigiu a formulação dos Planos Nacionais de Educação, uma lei que determina metas para cada dez anos (uma política de Estado e não um programa de um governo). No primeiro PNE (2001/2010), poucos avanços foram alcançados, dentre outras questões, por falta de controle social na implementação da lei, da menor participação da sociedade na sua elaboração e por conta dos vetos do presidente Fernando Henrique Cardoso.

No dia 25 de junho de 2014, o PNE (2014-2024) foi sancionado sem vetos pela presidenta da República Dilma Rousseff. O documento de 80 páginas, que levou quase quatro anos para chegar a sua versão final, estabelece 20 metas e estratégias para os próximos 10 anos. A Lei 13.005/2014 (PNE 2014-2024) reforçou o papel dos Municípios na oferta da educação básica, com destaque para as metas:

Meta 1- Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.

Meta 4- Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.

Meta 6- Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica (BRASIL, 2014).

Cabe destacar que todas as metas e estratégias do PNE estão associadas a prazos a serem cumpridos. As unidades federadas, Estados, Municípios e o Distrito Federal precisam cumprir as metas e os prazos sob pena de ter o seu orçamento para educação restringido.

3.3 AS POLÍTICAS DE MUNICIPALIZAÇÃO EM SANTA CATARINA

As políticas de municipalização do Ensino Fundamental no Estado de Santa Catarina iniciaram na década de 90, sob a perspectiva da descentralização, que visava atender as exigências dos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Nos anos 90, a Organização das Nações Unidas e diversas outras entidades produziram documentos e organizaram diversas conferências com o propósito de estabelecer diretrizes para a educação do futuro, sobretudo nos países subdesenvolvidos. Em 1990, na Conferência de Jomtien, realizada na Tailândia, foi aprovado um documento (Declaração Mundial de Educação para Todos) que teve enorme impacto nas políticas educacionais brasileiras na década de 90. A Declaração de Jomtien reforçou diretrizes que vinham sendo propostas e disseminadas por um conjunto de instituições internacionais e por intelectuais organizados em torno do chamado Consenso de Washington (FERMINO, 2011).

As teses fundamentais do Consenso de Washington eram de natureza neoliberal, cujo propósito fundamental era promover reformas profundas nos Estados e nas economias dos países subdesenvolvidos, entre os quais o Brasil. Negrão (1998, p. 41), de forma bastante sintética, apresenta abaixo das principais teses:

1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;

2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura;

3. Reforma tributária, que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos; 4. Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor;

5. Taxa de câmbio competitiva;

6. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia;

7. Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro;

8. Privatização, com a venda de empresas estatais;

9. Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas;