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2 OS MUNICÍPIOS NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO

2.2 OS DIFERENTES MODELOS DE FEDERALISMO

Pode-se afirmar que no Brasil o federalismo foi adotado pela primeira vez pela Constituição de 1891. Assim sendo, pela explicação de Mazzioni (2016), até aquele momento, por quase todo o século XIX (1822-1889), a organização do Estado nacional se deu sob uma perspectiva unitarista e verticalizada, em que a capital do Império (Rio de Janeiro) se sobrepunha sobre as províncias. O domínio imperial serviu como resposta à formação colonial muito distinta no país, a qual causou regionalismos, muitas vezes, transformados em demandas separatistas.

Nesse contexto, a unidade territorial e a unidade política se mostraram muito difíceis, já que não haviam elementos de unidade, dando origem à necessidade, na visão da elite política da época, de impô-lo de cima e pela força. Vencidas as revoltas que colocavam em questão a unidade do Império e possuíam conteúdo nativista a partir de 1840, teve origem um Estado extremamente centralizado (ABRUCIO; SEGATTO, 2014, p. 43).

Para Mazzioni (2016), essa heterogeneidade pode ser decorrente de causas políticas, culturais, religiosas, linguísticas, territorial, demográfica, socioeconômica etc. No caso do Brasil, os autores apontam quatro heterogeneidades que influenciaram a opção pelo federalismo: o físico territorial decorrente da grandeza do território; os regionalismos dessas

diversas regiões; a desigualdade socioeconômica regional; e a política que optou pela autonomia plena de todos os municípios na constituição de 1988. De acordo com Cury (2010, p. 152-153):

O federalismo pode ser generalizado em três tipos, o centrípeto, o centrífugo e o de cooperação. O federalismo centrípeto se explica pelo fato de que quando o poder da União se fortalece na relação de concentração e difusão do poder, onde são mais fortes as relações e subordinação dentro do Estado Federal. O federalismo centrífugo representa o Estado fortalecido como membro da União, e na relação concentração e difusão de poder são mais visíveis as relações de maior autonomia dos Estados- membros. Exemplo disso é a Velha República que abarcava o poder hegemônico das oligarquias paulistas e mineiras. Nesse contexto, o federalismo de cooperação tenta equilibrar os poderes entre a União e os Estados-membros, criando uma colaboração no repasse das diversas competências através das atividades planejadas entre si em busca de um mesmo fim.

Ainda para Cury (2010), ao se mostrar contra o federalismo centrífugo e centrípeto, a CF de 1988 manifestou o federalismo cooperativo por meio do regime articulado de colaboração recíproca, com colocações comuns e privativas entre os entes federativos. Para Almeida (2005), a descentralização era motivo de comentários quando se falava em ampliação da democracia e do aumento da eficiência e eficácia das políticas e dos governos.

Mazzioni (2016) diz que foi sugerido o fortalecimento das instâncias subnacionais, principalmente dos municípios que oportunizavam a influência dos cidadãos em decidir e controlar os governos locais, diminuindo a corrupção e a burocracia extrema. Pode-se dizer que a descentralização foi um tema bem importante da agenda da democratização, sendo uma espécie de resposta à concentração de decisões, capacidade de gestão na questão federal e de recursos financeiros durante os 20 anos de autoritarismo burocrático. Nesse caso, a federação foi moldada para beneficiar os estados e, principalmente, os municípios, transformando-os em entes federativos. Almeida (2005, p. 32): “a Constituição de 1988 traduziu o anseio por descentralização compartilhado pelas forças democráticas predominantes. A federação foi redesenhada em benefício dos estados e, sobretudo, dos municípios, transformados em entes federativos”.

No caso da federação brasileira remodelada pela Constituição de 1988, o modelo cooperativo adotado combinou a manutenção de áreas próprias de decisão autônoma das instâncias subnacionais; descentralização no sentido forte de transferência de autonomia decisória e de recursos para os governos subnacionais e a transferência para outras esferas de governo de responsabilidades pela implementação e gestão de políticas e programas definidos no nível federal. Em consequência, a avaliação dos rumos do federalismo brasileiro, em termos da polaridade descentralização e recentralização, deve levar em conta a complexidade desse arranjo cooperativo e as formas distintas que assumem as relações governamentais em diferentes áreas de

Abrucio (2005, p. 41) afirma que a “estrutura federativa é um dos balizadores mais importantes do processo político no Brasil. Ela tem afetado a dinâmica partidário-eleitoral, o desenho das políticas sociais e o processo de reforma do Estado” e avalia que “além de sua destacada influência, a federação vem passando por intensas modificações desde a redemocratização do país” e conclui que “é possível dizer, tendo como base a experiência comparada recente, que o federalismo brasileiro é atualmente um dos casos mais ricos e complexos entre os sistemas federais existentes”.

Para Abrucio (2005, p. 42), “a temática da descentralização ganhou força nos últimos 30 anos em todo o mundo. Sua implementação diferencia-se, no entanto, de país a país, de acordo com especificidades históricas, coalizões sociais e arranjos institucionais”. Avalia que, dentre os arranjos institucionais, a “[...] adoção de uma forma federativa de Estado é a que tem maior impacto”, pois, “o sistema federal é uma forma inovadora de lidar-se com a organização político territorial do poder, na qual há um compartilhamento matricial da soberania e não piramidal, mantendo-se a estrutura nacional” (ELAZAR, 1987, p. 37, apud, ABRUCIO, 2005, p. 42).

O entendimento da especificidade do federalismo passa pela análise de sua natureza, de seu significado e de sua dinâmica. [...] Outra condição federalista é a existência de um discurso e de uma prática defensores da unidade na diversidade, resguardando a autonomia local, mas procurando formas de manter a integridade territorial em um país marcado por heterogeneidades. A coexistência dessas duas condições é essencial para montar-se um pacto federativo (ABRUCIO, 2005, p. 42).

De acordo com Abrucio (2005, p. 43), a “interdependência federativa não pode ser alcançada pela mera ação impositiva e piramidal de um governo central, tal qual em um Estado unitário, pois uma federação supõe uma estrutura mais matricial, sustentada por uma soberania compartilhada”. E acrescenta: “o governo federal tem prerrogativas específicas para manter o equilíbrio federativo e os governos intermediários igualmente detêm forte grau de autoridade sobre as instâncias locais ou comunais”. Segundo ele, a “singularidade do modelo federal está na maior horizontalidade entre os entes, devido aos direitos originários dos pactuantes subnacionais e à sua capacidade política de proteger-se”.

O compartilhamento de poder e decisão em uma federação, desde a sua invenção nos Estados Unidos, pressupõe a existência de controles mútuos entre os níveis de governo – trata-se dos checks and balances (freios e contrapesos) O objetivo desse mecanismo é a fiscalização recíproca entre os entes federativos para que nenhum deles concentre indevidamente poder e, desse modo, acabe com a autonomia dos demais. Assim sendo, a busca da interdependência em uma federação democrática tem de ser feita conjuntamente com o controle mútuo (ABRUCIO, 2005, p. 43-44).

Para Abrucio (2005, p. 46; 54) o federalismo no Brasil foi marcado por sérios desequilíbrios entre os níveis de governo. De acordo com Souza (2003), a democracia instalada a partir dos anos 80 se apossou do cenário político numa forma de movimento, o que trouxe o modelo decisório que abrangia todos os parlamentares na formulação do texto constitucional. Este fato se potencializou pela presença de grupos organizados da sociedade que fomentavam o contato com os constituintes no tempo dos trabalhos constitucionais.

Como segue, mostraremos a questão histórica da formação dos municípios dentro da história do Brasil, bem como o processo de autonomia dos municípios presente nas Constituições desde 1824.