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3 AS POLÍTICAS DE MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO

3.1 OS MUNICÍPIOS E A EDUCAÇÃO

De acordo com a pesquisa realizada, os debates sobre a descentralização do ensino no Brasil estavam presentes desde o início do período imperial, tendo se materializado pioneiramente no Ato Adicional de 1834. De acordo com Ferreira (2008), as primeiras políticas de descentralização ganharam corpo com o Ato Adicional de 1834, que remetia às Províncias a responsabilidade pela oferta do ensino primário e secundário. Dada a sua centralidade, o assunto foi retomado e redimensionado em diversos outros momentos da história brasileira. De acordo com Oliveira (1999, p. 11), os debates sobre descentralização fizeram-se presentes:

[...] após o Ato Adicional de 1834, passando por discussões ocorridas na Primeira República, estando presente em relação à questão curricular no Manifesto dos Pioneiros de 1932, nas Constituições Federais quanto ao financiamento, na debatida proposta de Anísio Teixeira (1957), durante a tramitação das Leis N. 4.024/61 e N. 5.692/71, durante a Constituinte dos anos 80, além das discussões ocorridas em diferentes Estados, a partir da redemocratização do país, quando da implementação de políticas de parcerias/convênios com os municípios.

Além dos marcos normativos (Constituições, Leis, Decretos, Portarias etc), cabe mencionar a participação e a importância das discussões sobre o tema levadas adiante pelas instituições não-estatais, particularmente as organizações da sociedade civil. A esse respeito, vale mencionar o Movimentos dos Pioneiros e, em particular, as contribuições do educador Anísio Teixeira. Em 1957, no Congresso Nacional de Municipalidades, Anísio propôs e defendeu a adoção de políticas de municipalização da educação. Para ele, a municipalização

do ensino primário ofereceria vantagens de ordem administrativa, social e pedagógica. Na ocasião, ele defendeu os Conselhos de Educação Municipais, Estaduais e Federal como formas de democratização e de organização do ensino. Azanha detalha abaixo as principais propostas defendidas por Anísio no Congresso Nacional das Municipalidades em 1957:

[...] a) a municipalização abrangeria apenas o antigo ensino primário (na época, o ensino pré-primário era algo muito distante e irrealizável). Com relação ao ensino primário, o município teria as atribuições de organização, administração e execução. Apenas a supervisão ficaria a cargo do Estado;

b) o desempenho das atribuições municipais de educação ficaria a cargo de um Conselho de Educação. Na ordenação do ensino municipal, o Conselho local atenderia às normas de uma lei orgânica do ensino elaborada por um Conselho Estadual de Educação em consonância com as diretrizes e bases da educação nacional, interpretadas por um Conselho Federal de Educação;

c) ao Conselho Municipal de Educação caberia a determinação do custo do aluno nas escolas do município e a fixação da cota municipal de contribuição possível para fazer face a esse custo. A complementação desses recursos seria feita pela transferência ao município de uma cota estadual e de uma cota federal. Para administração desses recursos haveria, em cada esfera, os respectivos fundos de educação [...] (AZANHA, 1991, p. 01).

De acordo com Azanha (1991) e Oliveira (2018), Anísio foi o precursor do uso do termo municipalização no Brasil e o primeiro a apresentar a primeira proposta de reordenamento das responsabilidades municipais, estaduais e federal com vistas ao fortalecimento do ensino primário. Todavia, foi somente na década de 70 que algo nessa direção acabou se concretizando, a partir da vinculação de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para aplicação em educação, assim como pelo reforço à estrutura técnica e administrativa municipal destinada à ação educacional (ROSAR, 1997). Entre 1975 e 1981, o MEC, implementou o Projeto Promunicípio, destinado a solucionar os problemas do ensino municipal mediante ações articuladas entre as redes municipal e estadual. Vizzotto (2013) sublinha que o Promunicípio tinha a clara intenção de o governo federal passar para a esfera municipal a responsabilidade pelo ensino de 1° Grau, além de disseminar a ideia da descentralização do ensino. Na prática, a União pretendia reduzir sua responsabilidade no tocante aos investimentos para manutenção do ensino de 1° Grau. Conforme destaca Rosar (1997, p. 115), o projeto tinha como finalidade:

Preencher esta lacuna viabilizando as condições para o município assumir o ensino de 1º grau [...] teve a função de disseminar essa concepção de descentralização coordenada de forma centralizada e que o Ministério da Educação tinha conhecimento das limitações políticas e econômicas para a atuação dos órgãos municipais a nível local.

Para Vizzotto (2013), os convênios entre o MEC e os Estados e, na sequência, com os municípios, estabeleciam a criação e a reestruturação dos serviços educacionais com a clara ideia de descentralização da educação pública. A lei N°. 5692/71 (LDB/1971), em seu artigo 58, sinaliza claramente a descentralização do ensino público municipal:

Art. 58. A legislação estadual supletiva, observado o disposto no artigo 15 da Constituição Federal, estabelecerá as responsabilidades do próprio Estado e dos seus Municípios no desenvolvimento dos diferentes graus de ensino e disporá sobre medidas que visem a tornar mais eficiente a aplicação dos recursos públicos destinados à educação.

Parágrafo único. As providências de que trata este artigo visarão à progressiva

passagem para a responsabilidade municipal de encargo e serviços de educação, especialmente de 1º grau, que pela sua natureza possam ser realizados mais satisfatoriamente pelas administrações locais (BRASIL, 1971).

A LDB/71 também prevê, em seu artigo 71, a possibilidade de os Conselhos Estaduais de Educação delegarem atribuições aos Conselhos Municipais quando houvesse condições para tal.

Como os termos “descentralização” e “municipalização” não são sinônimos, apresentaremos o quadro abaixo como o propósito de detalhar as competências e as atribuições que foram conferidas aos municípios desde o Ato Adicional de 1834.

Quadro 1- Os municípios e a educação básica no período 1834-1971

MARCO LEGAL COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES

Ato Adicional de 1834

O Ato Adicional de 1834 (BRASIL, 1834) ampliou o poder das províncias transformando os conselhos gerais em Assembleias Legislativas, delegando a elas novas competências entre as quais a de:

a) legislar sobre a instrução pública, a divisão civil e judiciária da província, a polícia e a economia dos municípios; b) fixar as despesas

provinciais e municipais e seus impostos; c) repartir as receitas e as despesas entre a província e os municípios; d) aprovar orçamentos da província (do Presidente da Província) e dos municípios (das Câmaras

Municipais); e) criar e extinguir empregos municipais e provinciais, bem como seus ordenados (MAZZIONI e TREVISOL, 2019, p. 119). Constituição

Federal de 1891

A CF de 1891 atribuiu aos Estados a responsabilidade pela instrução primária e a educação profissional; à União, coube a responsabilidade

pela criação de instituições de ensino superior e secundários nos Estados e promover a instrução secundária no Distrito Federal. Embora tenha dado maior autonomia aos Estados, a CF de 1891 não reconheceu

os municípios com entes federados mantendo-os subordinados aos Estados.

1930-1945 A “Revolução” de 1930 pôs fim à chamada República do café com leite e o Brasil passou a construir um efetivo Estado nacional devido à

obstante, as CFs de 1934 e 1937 não reconheceram os Municípios como entes federados. Durante a ditadura do Estado Novo, o poder ficou centralizado no governo Federal com o Presidente da República

indicando os governadores que, por sua vez, indicavam os prefeitos (BRASIL, 1934, 1937).

Constituição Federal de 1946

A CF de 1946 manteve o regime federativo e presidencial e aumentou na administração pública a autonomia dos Estados e Municípios. Restabeleceu os percentuais mínimos orçamentários, sendo 10% para a

União e 20% para Estados e Municípios da renda dos impostos. Além disso, reintroduziu a eleição de prefeito e vice-prefeito (BRASIL,

1946). LDB – Lei n°

4.024/61

Com a LDB de 1961, os Municípios ficaram incumbidos de matricular as crianças com 7 anos de idade na escola primária. Os Estados, o Distrito federal e os Territórios ficaram encarregados de fazer um levantamento anual do registro de crianças em idade escolar e o

incentivo à fiscalização de frequência às aulas. Constituição

Federal de 1967

A CF de 1967, de cunho autoritário, reforçou o centralismo limitando a autonomia dos Estados e Municípios, com indicação de prefeitos das capitais, das estâncias hidrominerais e dos Municípios considerados de

segurança nacional (BRASIL, 1967).

LDB Lei n°5692/71 A LDB de 1971 prevê um núcleo comum para o currículo de 1° e 2° graus e uma parte diversificada em função das peculiaridades locais, além de tornar o ensino de 1° grau obrigatório dos 7 aos 14 anos de idade. A União manteve o controle do currículo pelo núcleo comum e

do mínimo profissionalizante (BRASIL, 1971).

Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados disponíveis em Oliveira (1999, p. 17- 32); Trevisol e Mazzioni (2019).