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4 LETRAMENTO CRÍTICO, DISCURSO E APRENDIZAGEM DE LE: Implicações

6.4 As (Im)Possiblidades de Ensinar e Aprender Inglês no Contexto da EJA sob o Ponto

Nesta seção trato das discussões diretamente relacionadas ao ensino e à aprendizagem de inglês no contexto pesquisado. Os dados apresentados aqui têm por finalidade analisar como a professora de uma turma do Ensino Médio da EJA e seus respectivos alunos percebem as (im)possibilidades de ensinar e aprender inglês. Aqui, partindo do conceito de letramento crítico pretendo responder à segunda pergunta norteadora deste estudo que é: quais as percepções dos alunos e da professora da turma da EJA sobre o ensino e aprendizagem de língua inglesa?

A partir dos dados expostos nesta seção é possível inferir sobre quais são as percepções dos participantes sobre o ensino e aprendizagem de LI no contexto da EJA. Aqui as percepções dos participantes corresponde: (a) ao modo como veem o ensino de inglês no contexto escolar e particularmente no cenário da EJA, (b) ao que pensam dessa língua e dos seus falantes e (c) ao modo como se sentem diante do desafio de aprender/ensinar inglês. Neste sentido, as percepções dos participantes, tanto sobre as possibilidades quanto sobre as impossibilidades de ensino de aprendizagem de inglês está relacionada ao ethos desses participantes. Por isso, aqui interessa ouvir os alunos e a professora de inglês e, posteriormente, ouvir a voz da professora pesquisadora.

Destaco que para inferir sobre as percepções dos participantes é necessário compreender e discorrer sobre o ethos deles, ou seja, suas características, suas crenças, ideologias, discursos (FAIRCLOUGH, 2016) e perspectivas sobre ensinar e aprender uma LE no contexto escolar.

Para isso, recorro ao conteúdo das entrevistas com os alunos e da entrevista com professora de inglês e ao conteúdo das gravações das minhas aulas como professora de inglês e pesquisadora na Fase 2 da pesquisa.

6.4.1 O Ethos dos Participantes: Incredulidades e Crenças das/sobre Pessoas da EJA

Para entender o modo como os alunos lidam com a realidade da EJA, com sua aprendizagem de inglês e quais as suas expectativas em relação à aprendizagem, ou mesmo como veem essa língua no contexto das interações dentro ou fora dos grupos sociais por onde

transitam, eles foram observados e ouvidos em duas entrevistas em diferentes momentos da pesquisa.

Os dados seguintes são da entrevista feita com 16 participantes no início do ano letivo de 2018, quando eles iam iniciar a etapa final da EJA, ou Segunda Etapa do Ensino Médio. O roteiro desta entrevista compõe-se de 24 perguntas (ver Apêndice A). As questões iniciais (de 1 a 9) serviram ao propósito de acrescentar detalhes ao que já se especulava sobre o perfil dos alunos. As questões centrais (10 a 15) abordavam diretamente as experiências e as expectativas dos entrevistados com a LI. As questões de 16 a 19 serviram para retomar alguns pontos tratados nas aulas da professora de inglês na Fase 1 deste estudo, especialmente os temas surgidos após o texto sobre favelas. E as questões finais de 20 a 24 serviram ao propósito de fazer um levantamento sobre a receptividade dos alunos para dar continuidade ao projeto interdisciplinar que havia sido discutido com eles no final do ano letivo de 2017.

Dito isto, passemos aos dados característicos dos alunos de uma turma do Ensino Médio da modalidade EJA Ensino Médio, ou seja, dados sobre o ethos dos participantes.

Para sondar quais são as causas mais prováveis da evasão de alunos da EJA, mesmo, quando já estão na etapa final do Ensino Médio, indaguei sobre quais as principais dificuldades para continuarem estudando e o que poderia levá-los a deixar a escola antes do final do ano. Dos 16 alunos entrevistados, apenas 5 disseram que uma proposta de emprego poderia fazê-los parar de estudar ainda naquele ano. 2 afirmaram já ter recusado propostas de emprego por considerar que terminar o Ensino Médio poderia lhes garantir propostas melhores. Contudo, surpreendeu-me ao ouvir de 4 deles que um dos motivos que poderia levá-los a desistir poderia estar no modo como o professor trata os alunos. Ao indagá-los sobre isso, explicaram que a indiferença e a incompreensão de alguns dos professores é um fator desestimulador. Os demais alunos admitiram que problemas familiares ou mesmo a preguiça para levantar cedo poderiam fazê-los parar antes do fim do ano.

Quanto às motivações dos alunos que continuavam estudando e já estavam na etapa final, a questão de número 7 da entrevista semiestruturada (APÊNCICE A) serviu ao propósito de sondar as motivações para alunos da EJA não deixarem a escola antes de concluir a Educação Básica e quais as perspectivas deles após a conclusão da etapa em andamento.

Dentre as motivações dos alunos apareceu uma diversidade de motivos, como: a insistência da família, o incentivo de amigos e a necessidade de garantir seu certificado em curso técnico em andamento e poder ingressar no mercado de trabalho. No entanto, surpreendeu-me o fato de que nas respostas dos participantes (9 deles) o desejo de terminar o Ensino Médio não se restringia apenas ao objetivo de conseguir uma certificação para poder

logo em seguida ingressar no mercado de trabalho. Mais de 50% dos participantes expressaram que não iriam desistir porque sabiam que necessitavam concluir o Ensino Médio para ingressar em uma universidade. Ou seja, a maioria dos alunos de uma turma da EJA estava concluindo o Ensino Médio na perspectiva de continuar seus estudos e não apenas na intenção de receber um certificado que atestasse seu nível de escolaridade.

Acho pertinente destacar que esta constatação me surpreendeu. Sobre a perspectiva da maioria dos entrevistados e sobre a surpresa que esta constatação me causou vale destacar que as diversas situações vivenciadas no contexto do locus pesquisado explicitaram o ethos dos participantes. Também revelaram indícios da incredulidade docente e do ethos de quem planeja para a EJA.

Sobre o quantitativo de alunos com interesse em terminar o Ensino Médio para dar continuidade ao seus estudos, convém observar que, pelo fato de ser uma informação surpreendente, isso me levou a olhar este dado pelo viés da Análise Crítica do Discurso.

Assim, aqui cabe refletir nas palavras de Fairclough (2016) sobre ideologias e sistemas de crença. Segundo ele explica, a constituição discursiva da sociedade está relacionada às práticas sociais. Estas estão por sua vez, enraizadas “em estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 97). Então surpreender-se com o fato de alunos concluintes do Ensino Médio estarem almejando cursar um curso superior nada mais é do que a manifestação de uma crença de que alunos da EJA não pretendem ingressar em uma universidade. Então não há porque preocupar-se em prepará-los para este fim. Na verdade, essa crença pode ser vista como a incredulidade de muitos professores sobre o potencial dos seus alunos da EJA.

Para conferir o nível dessa incredulidade, basta fazer a seguinte reflexão: quão surpreso ficariam o corpo docente e o administrativo de uma escola regular, pública, porém, de referência na cidade, ao constatar que mais de 50% dos alunos do 3º ano do Ensino Médio pretendem ingressar em uma universidade quando concluírem o ano letivo? E, se em vez de cerca de 60%, fossem 100% dos alunos 3º ano do Ensino Médio, porém de uma escola particular, da elite tradicional da cidade, isso seria motivo para surpreender seu corpo docente e o administrativo? E, quanto à capacidade e o potencial do público da EJA para a aprendizagem de uma LE com o status que tem a LI, quais as perspectivas que vemos para esses alunos?

Nossas respostas a estes questionamentos devem esclarecer como os projetos pensados para os alunos da EJA, sem levar em conta o que eles pensam e sentem, mas o que pensamos sobre eles, podem não corresponder ao que eles esperam de nós professores ou dos responsáveis para desenvolver ações inclusivas desse público.

Diante disso, convém não esquecermos que, na verdade, tendemos a reproduzir e reforçar ideologias, as nossas e a dos grupos dominantes. E, às vezes, fazemos isso conscientemente, outras vezes, inconscientemente. Portanto, é aí que cabe a escola entrar em ação exercendo seu papel de forma que todos que a frequentem sejam igualmente preparados, já que a ela cabe o status de instituição preparadora das pessoas para agir na sociedade. Porque a escola é uma instituição com poderes para mudar ou para perpetuar situações que dependem do conhecimento formal das pessoas.

O excerto seguinte, foi retirado da entrevista com um grupo de três alunos, o qual chamei de grupo 2. Neste excerto, a discussão segue em torno da questão número 7, que trata da motivação de cada aluno para não abandonar a escola sem finalizar sua Educação Básica.

Excerto 9: Motivações dos alunos para continuar na EJA – Entrevista Inicial

Ethan: É interesse de terminar professora. March: é terminar logo

Profpe: é... interesse em terminar. Por quê?

Lewis: Porque, professora, a maioria dos empregos, eles exigem o Ensino Médio.

March e Ethan: é,(( concordando com a cabeça))

Lewis: Hoje se/ hoje... o ser humano sem estudo ele não é nada. Ethan: Não vale nada.

March: tem que ter o Médio

Profpe: [...]Vocês então concordam que é fundamental terminar pra ter pelo menos a qualificação de/ ... Ensino Médio.

Todos: Sim

Profpe: se não complica mais. Todos: sim.

Profpe: complica o quê? Mercado de trabalho? Namorar?

March: Namorar não complica não! Complica é o mercado de trabalho.

O que está claro na fala desses alunos quando dizem que sem o Ensino Médio “hoje... o ser humano sem estudo ele não é nada” (Lewis). "Não vale nada” (Ethan) e que é reforçado por March ao dizer que “tem que ter o Médio”, pode incluir pessoas muito próximas a eles. Mas, é claro que eles não queriam de forma alguma desvalorizar pessoas que eles conhecem e que não terminaram o Ensino Médio, ou mesmo o Fundamental. No entanto, chamo a atenção

para o que emergiu em suas falas e para o caráter constitutivo das suas práticas discursivas que, conforme Fairclough (2016, p. 97), explica, contribui para reproduzir as identidades sociais e crenças dos sujeitos. Assim, para alguns desses alunos, a motivação para terminar o Ensino Médio pode ser muito mais enfatizada pelo fato de não ser mal visto por outras pessoas do que para sua própria realização e conquista pessoal ou para seu crescimento intelectual. Estes seriam os que se enquadram nos índices de uma mera certificação. Mas, como já vimos aqui, eles não correspondem à maioria dos participantes.

Na seção seguinte, discuto as percepções e as perspectivas dos participantes sobre o ensino e a aprendizagem da LI.

6.5 O Ensino e a Aprendizagem de Inglês na EJA nas Perspectivas de Professores e