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4 LETRAMENTO CRÍTICO, DISCURSO E APRENDIZAGEM DE LE: Implicações

6.3 Percepções dos Participantes sobre as Relações Sociais a partir do Tema da Aula: Do

6.3.3 Reflexões dos Alunos sobre as Relações de Poder na Sociedade

Excerto 5: Aula do dia 06/09/2017 – parte 3

Gim Natan: filho de rico não vira traficante

Wilson: se ele já tem dinheiro, vai vender drogas pra quê? Gim Natan: filho de rico não vira traficante.

Profin: VI:ra

Wilson: vira nada professora! ele vira é FUMANTE!

Gim Natan: ele vira usuário! se ele JÁ TEM dinheiro! vira é o pobre, porque cresce o olho. Porque vê o rico andando

playboyzinho e quer ser também (SI) ((falas sobrepostas)) Profin: gente... Psiu! [...] aí a gente vai entrar em um outro assunto que depois a gente pode até aprofundar ele. Por que que a gente associa o tráfico com a favela? [...]lembram lá do... do helicóptero com cocaína, 450 kilos, que foi apreendido na fazenda de um deputado? Político. RIQUÍSSIMO?

Joe Parker: eu lembro.

Profin: aconteceu alguma coisa com ele? [...]

Wilson: [...]ÔXENTE tu pede pro outro falar e TU dá tua opinião só quer ouvir a dos outros?

Bruce: nãn eu não quero falar não. é ele que tá querendo. Profin: sim?

Joe Parker: acontece que a pessoa pensa porque sou de classe média estou blindada.

Profin: [...] pronto! olha só a visão que a gente tem. vamos andando pra encerrar aqui que eu ainda quero falar sobre o

nosso conteúdo para a prova [...]muito bem! já vi que uns concordam e outros não, com a visão que o brasileiro têm da favela. no texto vocês viram que os turistas têm uma visão romântica das favelas ...

Walter: romântica professora?

Profin: sim tá aí ó romantic [...]vocês concordam com essa visão?

Joe Parker: sim Ethan: sim

Profin: por que?

Joe Parker: porque todas elas têm seu lado bom e seu lado ruim. Profin: [...] muito bem. eu vou colocar agora o roteiro da

prova que é para vocês estudarem

Gim Natan[...] essa foi a melhor aula de inglês de todas, oh véi. A incidência de sobreposições das falas, o levantar-se da professora, para não perder o controle do tópico da conversa, além da intertextualidade, que os alunos fizeram entre os problemas sociais da sua comunidade e os apontados no texto são indícios que, para mim, deixam claro que, a professora participante buscou o texto em questão para reforçar a morfossintaxe do tempo verbal present continuous e reforçar a aprendizagem dos seus alunos. E isso demonstra o seu comprometimento com seu trabalho. No entanto, a aula tomou outro rumo. Ao final do horário, os alunos deram início à resolução das questões de compreensão do texto, as quais estavam logo abaixo do mesmo (ANEXO A).

Sobre o andamento da aula, posso inferir que a mesma foi avaliada positivamente, tanto pela a professora quanto pelos alunos. Sobre a avaliação da aula, na perspectiva da professora, como está evidente no excerto, chegando ao encerramento da aula, ao verificar o entendimento dos alunos sobre o significado do termo romantic, no texto em discussão, a professora completa o ciclo da sua aula. E na sua avaliação da compreensão do texto, a resposta do aluno Joe Parker ao explicar:“porque todas elas têm seu lado bom e seu lado ruim” é avaliada pela professora como um feedback positivo, (Profin: muito bem).

Situando nossa discussão na vertente da Pedagogia Crítica, sobre o que aconteceu ali, posso inferir que o modo como a professora encaminhou o conteúdo da sua aula permitiu que seus alunos pensassem criticamente sobre problemas com os quais vinham convivendo. E, talvez se fossem incitados e orientados a participar de alguma ação para escrever um documento reivindicatório de soluções dos problemas sociais, detectados em seus bairros, pudessem justificar sua reivindicação, apontando claramente quais setores do bairro precisariam da atenção dos investidores. Isso significa dizer que, a partir do conhecimento da turma sobre a sua própria realidade, o conteúdo do texto levado pela professora de inglês serviu para que os alunos chegassem a conclusões sobre ações que precisam ser feitas para que haja melhorias no seu bairro.

Aqui entendo que as discussões iniciadas em uma sala de aula podem desencadear inúmeras mudanças. No contexto dos participantes eles apontaram a necessidade de mudanças para garantir a qualidade de vida das pessoas, a começar pelo saneamento básico e pela garantia de acesso a uma educação de qualidade. Em outras palavras, se fossem devidamente acompanhados e orientados, a partir da discussão promovida na turma, os alunos poderiam sair do nível da reflexão para o nível da ação como um grupo de solicitantes. E, munidos de argumentos nas suas reivindicações, poderiam justificar que os investimentos são necessários porque o bairro necessita de investimentos em segurança e infraestrutura, as escolas e o ensino de lá são de má qualidade e porque estão conscientes de que é dever dos governantes aplicar o dinheiro público na cidade, pelas quais foram eleitos para governar e seu trabalho deve garantir o bem estar dos seus habitantes.

Pelo que eu vinha observando sobre a professora, nas cenas das duas turmas, uma aula com tantas inferências e interferências dos seus alunos não fazia parte do seu script. Porém, naquela aula percebi que quando ela abriu espaço para que seus alunos fizessem inferências sobre o tema tratado no texto, a mesma deu início a um processo de ensino e aprendizagem para além da sala de aula. Isso significa que a nova atitude da professora de inglês fez com que os alunos não apenas revisassem o conteúdo gramatical do texto, mas os levou a pensar, agir e falar o que sentiam a partir do seu posicionamento crítico sobre o tema central do texto.

Sendo assim, posso inferir que: levar para a turma um texto cuja temática abra espaço para inferências e contextualizações com a realidade dos alunos é uma possibilidade para que a prática do(a) docente de inglês inicie um diálogo com o ensino e aprendizagem dessa língua pelas vias dos usos de uma LE com prática social (TAGATA, 2017). No entanto, isso somente é possível se o responsável pelo processo da mediação entre o mundo do texto e o mundo dos aprendizes for capaz de construir pontes para que os aprendizes transitem entre esses mundos. Para fins de contextualização dos próximos excertos, convém explicar que, como o tempo não foi suficiente para que a maioria dos alunos terminasse de responder o exercício de compreensão textual naquela aula, a sua correção ficou para a primeira aula seguinte à data da prova, isto é, a aula do dia 20/09/2017.

Assim, para que os alunos da Turma 1também pudessem refletir e expressar-se sobre seus bairros, após essa aula conversei novamente com a professora sobre algumas formas de fazer os alunos produzirem frases envolvendo o uso do gerúndio, porém com o foco na sua realidade. Na ocasião, descrevi um pouco do que ocorreu na pesquisa que eu havia desenvolvido naquela mesma escola, em 2013, quando trabalhava com as turmas de inglês do turno matutino. E finalizei dizendo-lhe que poderia sugerir aos alunos que fizessem a descrição de uma cena

em andamento, dentro da sua casa ou na vizinhança ou que fotografassem locais do seu bairro e em forma de slides ou de cartazes apresentasse o bairro para os colegas.

Na aula do dia 20/09/2017, após a devolução e os comentários das provas, a professora concluiu as correções do exercício sobre o texto deixado na semana que antecedeu a semana de provas. Após finalizar a correção e vistar as atividades dos alunos, a professora escreveu cinco questões no quadro, todas relacionadas ao comportamento das pessoas e às características do lugar onde os alunos viviam. Nessa atividade, somente as duas últimas questões foram em inglês. A última questão, cujo enunciado dizia: “Imagine it’s Saturday afternoon, it is too hot inside and you decide to go for a walk in your neighborhood. What are people doing around?” deu origem a uma atividade escrita, em inglês, do gênero cartaz, para ser apresentado oralmente, em português. A professora deixou a critério dos alunos fazerem individualmente ou em grupo. Na aula do dia 27/09/2017, durante as apresentações, foi possível perceber que nas descrições que os alunos fizeram dos seus bairros, eles apontaram problemas parecidos com os que foram apontados durante as interações da Turma 2 (Excerto 3). Com exceção de um grupo formado por dois alunos, que moram em um bairro ligado ao centro da cidade, os demais todos disseram que seus bairros sofrem preconceito por conta da violência. Assim, a atividade serviu ao propósito de verificar o modo como os alunos veem o lugar onde moram e como lidam com a forma como outras pessoas veem esse mesmo lugar.

A seguir, apresento 2 excertos referentes ao conteúdo da fala dos alunos na ocasião da apresentação da atividade proposta pela professora.