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2 OS GÊNEROS OPINATIVOS E O ARTIGO DE OPINIÃO

2.8 As premissas da retórica

A estrutura retórica pode ser construída com base em diferentes tipos de argumentos. Cada argumento tem uma função persuasiva no discurso e é utilizado com uma intenção comunicativa de levar o outro á adesão de uma determinada tese. São eles:

2.8.1 Elementos de acordo prévio

Os elementos de acordo prévio dizem respeito aos fatos, verdades e presunções utilizados como estratégias argumentativas. A utilização de dados estatísticos é um exemplo de fato empregado para comprovar asserções em textos orais e escritos.

Assim como os fatos, os valores assumem um papel importante na argumentação por, muitas vezes, serem também inquestionáveis. Nas palavras de Reboul (1998), “assim como os fatos, os valores são presumidos; todos admitem sem provas, hoje em dia, que o desemprego é uma calamidade, e a quem sustentasse um juízo de valor contrário competiria provar.” Nesse sentido, os valores são aceitos, sem refutação, como verdades compartilhadas.

Na fundamentação dos valores, reforça-se a intensidade da adesão às teses por meio de premissas, denominadas por Perelman e Olbrechts- Tyteca como “lugares do campo do preferível” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 94). Alguns exemplos de lugares são: 1) Lugares da quantidade: afirma-se que qualquer coisa é superior a outra por razões quantitativas. “É preferível àquilo que proporciona mais bens, o bem maior o mais durável, ou ainda o que propicia mal menor”; 2) lugares da qualidade: valoriza o único, o raro, contestando a virtude do número (CAVALCANTI, 2011, p. 68); 3) Lugares da ordem: defende a superioridade do anterior ao posterior, da causa sobre o efeito, do principio sobre os fins etc. O exemplo utilizado por Cavalcanti, ilustra bem esse lugar: “ao dizermos que o João concorreu com 515 pessoas num concurso público e obteve o primeiro lugar na classificação geral, é um indicador de ordem ocupado por ele no resultado da aprovação” (CAVALCANTI, 2011, p. 69).

2.8.2 Argumentos quase lógicos

Os argumentos quase lógicos assim são denominados por não sujeitar-se a “lei do tudo ou nada” (REBOUL, 1998, p. 168). Estes tipos de argumentos podem ser refutados e, por isso, não são totalmente lógicos. São eles o ridículo, identidade e regra de justiça, transitividade, dilema e definição.

O argumento do ridículo, segundo Perelman e Olbrechts- Tyteca (2005), “é aquilo que merece ser sancionado pelo riso” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 233). Uma argumentação é ridícula no momento em que se instaura um conflito com uma opinião aceita, sem justificação. Segundo Reboul (1998), “o ridículo é o odioso desenvenenado, que não provoca escândalo, porém riso. (REBOUL, 1998, p. 170).”

Os argumentos de identidade e regra de justiça “A é A” estão vinculados à identidade, mas não se reduzem a ela. Mulher, por exemplo, pode ser entendido como “ser feminino”. Entretanto, o argumento “Mulher é mulher” remete á ideia de “ser frágil” ou “enganador” (REBOUL, 1998, p. 170). A compreensão dependerá do contexto discursivo.

A transitividade e o dilema são argumentos quase matemáticos, pois estão vinculados às fórmulas matemáticas. Um exemplo de transitividade seria: “os amigos de meus amigos são meus amigos” (REBOUL, 1998, p. 171). Nesse argumento se instaura o dilema, já que a relação pode não ser totalmente lógica. A questão do amigo do amigo pode ser destacada por uma questão de ciúmes.

Os argumentos apoiados nas definições normativas, descritivas, condensadas ou oratórias têm como objetivo tornar um argumento, de certa forma, inquestionável: “o homem enquanto animal racional”. Entretanto, até mesmos as definições podem ser questionadas e substituídas por outros conceitos.

2.8.3 Argumentos fundados na estrutura do real

Os argumentos apoiados na estrutura do real se relacionam com a experiência e não com a lógica, como os argumentos quase lógicos. Aqui, defende- se a ideia de que quanto mais explicada uma tese, mas provável será (REBOUL, 1998, p. 173). São argumentos fundados na estrutura do real a sucessão, o argumento pragmático, a finalidade, o argumento de autoridade, ad hominen, as duplas hierarquias e o argumento “a foriori”.

A argumentação pode ser feita por meio da exposição de sucessões de fatos: se um aluno sempre tira notas boas todos os anos, é excelente e sempre será assim. Entretanto, o argumento expressa apenas uma probabilidade de fatos, a partir da sequência e consequência (REBOUL, 1998, p. 172).

Já o argumento pragmático “permite apreciar um ato ou um acontecimento consoantes suas consequências favoráveis ou desfavoráveis” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 303). O que direciona o argumento pragmático é o sucesso das proposições argumentativas e sua validade. Nesse contexto, “um banqueiro falará da rentabilidade de um investimento, e não de sua segurança” (REBOUL, 1998, p. 174).

O argumento de autoridade tem como finalidade empregar o valor de uma pessoa para justificar uma determinada afirmação: “segundo Aristóteles”. Nesse tipo de argumento, o nexo entre as pessoas e os seus atos dão peso ao argumento e permite presumi-los a partir da proposição de que se “conhece a pessoa” e que aquela atitude é típica dela (REBOUL, 1998, p. 176).

Já o argumento ad hominem refere-se ao “argumento de autoridade invertido” e “consiste em refutar uma proposição recorrendo a uma personalidade odiosa: Era o que dizia Hitler!” (REBOUL, 1998, p. 178).

O argumento de duplas hierarquias, por sua vez, objetiva estabelecer uma escala de valores entre termos: quem nasce rico, tem mais sorte; quem nasce pobre deverá se esforçar mais na vida. Logo, quem nasce rico deverá se esforçar menos que quem nasce pobre.

No argumento a fortiori pesa a “maior razão” (REBOUL, 1998, p. 179): “só engravida aquela que quer engravidar”. A afirmação coloca o poder de dar a luz nas mãos da mulher, uma vez que a ela caberá o controle da gravidez. Entretanto, a mulher que engravida também pode ser interpretada como aquela que se descuidou e teve uma gravidez não desejada.

2.8.4 Argumentos que fundamentam a estrutura do real

Segundo Reboul (1998), os argumentos que fundamentam a estrutura do real se apoiam também na experiência, a partir da menção de exemplos, ilustrações, modelos, comparação, argumentos do sacrifício, analogias e metáforas. Assim, o exemplo de que nos Estados Unidos “um jornaleirozinho ficou bilionário”, é um tipo

de argumento utilizado para dizer que qualquer pessoa pode ficar bilionária (REBOUL, 1998, p. 181).

A comparação, como estratégia argumentativa, coloca a medida como a força retórica, “permitindo justificar um dos termos a partir do outro ou dos outros”: este salário é 50% inferior ao estabelecido por lei. (REBOUL, 1998, p. 183). Já o argumento do sacrifício destaca o valor do argumento pelos sacrifícios que são feitos a favor de uma situação: “provo a minha sinceridade mostrando que tenho muito o que perder por causa dela!” (REBOUL, 1998, p. 184).

Outras estratégias argumentativas que fundamentam a estrutura do real são as analogias e metáforas. As analogias, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) devem ser vistas “como uma similitude de estruturas, cuja fórmula mais genérica seria: A está para B assim como C está para D”. Assim, estamos fazendo analogia quando tentamos encontrar e provar uma verdade por meio de uma semelhança de relações. No exemplo “hierarquia é como prateleira: quanto mais em cima, menos utilidade”, o enunciador tente provar que “a hierarquia não serve para quase nada em seu ápice”, utilizando o elemento “prateleira” para provar que quanto mais alta, menos acessível (REBOUL, 1998, p. 185).

A metáfora, segundo Abreu (2004), é um tipo de comparação mais breve. Por exemplo, se dissermos José é valente como um leão, temos uma comparação. Entretanto, se argumentarmos que José é um leão, temos uma metáfora (ABREU, 2004, p. 112).

2.8.5 Argumentos por dissociação das noções

O argumento por dissociação das noções é definido por Reboul (1998) como “técnicas de ruptura”, isto é, um tipo de estratégia argumentativa que tem por finalidade “manter separado aquilo que o adversário pretendia unir: “esse exemplo não é real”; “essa analogia está ultrapassada” (REBOUL, 1998, p. 189).

As dissociações podem ser entre aparência e realidade, meio e fim, consequência e princípio, ato e pessoa, acidente e essência, ocasião e causa etc. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 469). Um exemplo de aparência e realidade seria “uma vara reta parece quebrada quando sua extremidade é mergulhada na água?”. Os empiristas diriam que, nesse caso, poderíamos corrigir a visão com o tato. “Mas o tato também tem suas ilusões; por que então não acreditar

nele mais que na visão?” (REBOUL, 1998, p. 190). O argumento inicial é dissociado e introduz uma dualidade de visões. O mesmo acontecerá com os argumentos de meio e fim: a) argumento instaurado- “estudo para ser aprovado”; b) dualidade argumentativa: não, você estuda para aprender e, por isso, é aprovado.

Para terminar, vimos que as análises e os exemplos de estratégias retóricas podem nos ajudar a compreender melhor a argumentação e, consequentemente, a organizar o nosso discurso. Segundo Reboul (1998), “não há argumento infalível, pois todo argumento pode ser contraditado por outro argumento” (REBOUL, 1998, p. 194). Além do mais, não podemos direcionar a nossa argumentação apenas à persuasão do outro. Um argumento deve ser “justo” e estar aberto à discussão e à contra-argumentação. Nas palavras de Reboul (1998), “O que salva a retórica é que o orador não está sozinho, que a verdade é encontrada e afirmada na prova do debate. Tanto com os outros quanto consigo mesmo” (REBOUL, 1998, p. 194).

Na próxima seção, discutirei sobre as características do artigo de opinião, enquanto gênero da ordem do argumentar. Nesta pesquisa, as atividades de leitura e escrita propostas, tanto na fase do ensino implícito como na fase do ensino explícito, tiveram como base o artigo de opinião como gênero norteador da sequência didática desenvolvida.