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2 OS GÊNEROS OPINATIVOS E O ARTIGO DE OPINIÃO

2.4 A base retórica da argumentação

A argumentação vincula-se à lógica, “a arte do pensar corretamente”, à retórica, “a arte de bem falar” e à dialética, “a arte de bem dialogar”. Essa organização lógica forma a base do sistema argumentativo, pensada por Aristóteles, ao fim do século XIX (PLANTIN, 2008, p.9). A seguir, discorrerei sobre os três tipos de argumentação: a argumentação lógica, retórica e dialética.

2.4.1 A argumentação lógica

Do ponto de vista lógico, a argumentação é compreendida como uma cadeia de premissas e conclusões implicadas na elaboração dos argumentos e das relações que estabelecem entre si (ALVES, 2003). O autor esclarece que “o objetivo de uma teoria lógica é descobrir e empregar padrões para o juízo racional” (ALVES, 2003, p. 7).

Plantin (2008) discorre sobre a argumentação lógica a partir de três operações do espírito: “a apreensão, o juízo e o raciocínio” (PLANTIN, 2008, p. 11) e explica que

- Pela apreensão, o espírito apreende um conceito, depois o delimita (“homem, “alguns homens”...); _ pelo juízo, ele afirma ou nega algo desse conceito, para chegar a uma proposição (“o homem é mortal”); - pelo raciocínio, ele encadeia essas proposições, de modo a avançar do conhecido para o desconhecido.

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Texto original no espanhol: contribuye a tener una base explícita y objetiva para decidir qué enfatizar, qué debe tener menos importancia y qué debe dejarse de lado en el acto de escribir (FIGARI, 2000, p. 5).

No plano da linguagem, essas operações cognitivas correspondem respectivamente: - à fixação linguística do conceito por meio de um termo e à questão da referência; - à construção do enunciado por imposição de um predicado a esse termo e à questão do verdadeiro e do falso; - ao encadeamento das proposições ou argumentações, pelas quais produzimos proposições novas já conhecidas e à questão da transmissão da verdade. (PLANTIN, 2008, p.12)

O que se defende, na verdade, é que a argumentação é norteada por operações cognitivas de escolhas linguísticas, voltadas para a construção dos enunciados e proposições argumentativas. A partir dessas operações mentais, são articuladas as ideias já conhecidas e novas que, na linguística de textos, recebe o nome de progressão textual ou progressão temática, tema já discutido anteriormente.

Em relação ao sistema lógico da argumentação, Ducrot (1968) afirma que toda língua possui uma organização e, desde que se tornou objeto de descrição, os gramáticos a desmontaram com o intuito de entenderem a sua estrutura. O autor defende a ideia de que uma organização similar a da língua se encontra no enunciado. Nas palavras de Ducrot, “em vez de os elementos da frase simplesmente se justaporem, juntam-se em grupos de palavras, as quais se reúnem em proposições, que se combinam, por fim, para compor a frase” (DUCROT, 1968, p. 24).

Ao discorrer sobre o ensino da análise lógica da língua, Ducrot (1986) afirma que existe certa regularidade nos enunciados construídos que ensinamos às crianças. Na opinião do autor, “na variedade infinita das frases, descobre-se um número bastante pequeno de esquemas que se repetem, idênticos, de enunciado a enunciado” (DUCROT, 1968, p. 25).

No que diz respeito à articulação do pensamento e da construção de frases, Ducrot argumenta que as diferentes ideias provenientes do nosso pensamento dão origem a variados tipos de palavras nas proposições enunciativas. Segundo o autor, as proposições refletem relações necessárias de ideias e “mesmo a ordem linear das palavras na frase é considerada como imitadora da sucessão natural das ideias no espírito” (DUCROT, 1968, p. 28). Argumentar, por exemplo, é evidente que Camila está enganada, não significa o mesmo que afirmar é possível que Camila esteja enganada. Dentro do sistema linguístico, os elementos possuem valores diferentes e, é em comparação com os grupos associativos que conhecemos que estabelecemos nossa escolha.

A ideia de relação e organização também aparece nas palavras de Koch (1984), ao argumentar sobre a estrutura do discurso e do texto. Segundo a autora, todo texto caracteriza-se pela rede de relações de intenções, ideias e unidades linguísticas que o compõem. Em relação à estrutura linguística do texto, Koch explica que podem ser observadas as mais variadas e complexas relações, podendo ser classificadas como

relações morfo-sintáticas intra e inter-enunciados, como é o caso da concordância verbal e nominal; relações fonológicas ou supra- segmentais, como entonação, estritamente relaciona com os níveis sintático-semântico e pragmático; relações sintático-semânticas entre proposições, que exprimem causa/consequência, meio/fim, condicionalidade ou hipótese, oposição e contraste, etc. (KOCH, 1984, p. 33)

No que diz respeito à estrutura do texto argumentativo, outros tipos de relações são estabelecidos de acordo com a intencionalidade do autor. Essas são definidas por KOCH (1984) como “relações argumentativas”. Nelas se fazem presentes “apresentação de explicações, justificativas, razões, relativas aos atos de enunciações anteriores” (KOCH, 1984, p. 33). Segundo a autora, é o encadeamento de enunciados feitos por meio de organização de frases ou enunciados, que originará o que se denomina “texto”.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) também defendem a ideia de que intenção argumentativa está vinculada à escolha acertada de termos da língua para expressar o pensamento. De acordo com os autores

A escolha dos termos, para expressar o pensamento, raramente deixa de ter alcance argumentativo. Apenas depois da supressão deliberada ou inconsciente da intenção argumentativa é que se pode admitir a existência de sinônimos, de termos que seriam suscetíveis de ser utilizados indiferentemente um pelo outro; então, unicamente, é que a escolha de um desses termos fica pura questão de forma e depende de razões de variedade, de euforia, de ritmo oratório. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 168)

Para ilustrarem o argumento da escolha dos termos, os autores explicam ainda que as interrogações utilizadas nos discursos têm um grau de importância retórica considerável. Assim, “o uso da interrogação visa às vezes a uma confissão sobre um fato real desconhecido de quem questiona, mas cuja existência, assim como a de suas condições, se presume” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,

2005, p. 180). A forma interrogativa funciona, dessa forma, como uma maneira de solicitar a comunhão do auditório em relação às teses defendidas.

Segundo Plantin (2008), a teoria da argumentação na língua se encontra em um plano exclusivamente linguístico e estrutural. Com base nesse modelo, é possível predizer o que um indivíduo vai dizer após a emissão de um enunciado. “Ele é forte, logo... poderá conseguirá superar as dificuldades.” Assim, a argumentação na língua tem como finalidade “estudar as capacidades projetivas dos enunciados, da expectativa criada por sua enunciação” (PLANTIN, 2008, p. 32).

Nesse sentido, o valor argumentativo de um enunciado está na operação desse enunciado sobre os que são capazes de sucedê-lo, em um discurso gramaticalmente construído. Segundo Barbisan (2004 apud Ducrot, 1990), esses enunciados capazes de suceder ao enunciado anterior referem-se ao “conjunto das possibilidades ou das impossibilidades de continuação discursiva determinadas por sua utilização” (DUCROT, 1990 apud BARBISAN, 2004, p. 51). Tal argumento pode ser ilustrado através do seguinte exemplo: o enunciado “João parou de fumar”, pressupõe que “antes, João fumava” e estabelece que “atualmente, ele não fuma mais” (PLANTIN, 2008, p. 33).

Assim sendo, pode-se dizer que a articulação dos elementos linguísticos, pragmáticos, discursivos que compõem o texto argumentativo está vinculada ao esforço cognitivo de fazer-se entender e se comunicar na língua alvo. Não há como negar, por exemplo, que escolhas lexicais e enunciativas influenciam a compreensão e a forma de apresentação dos argumentos.

2.4.2 A argumentação retórica

A argumentação retórica, por sua vez, tem como finalidade persuadir ou convencer pelo discurso, a partir da fala ou da escrita. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) estabelecem uma diferença entre persuadir e convencer, argumentando que na persuasão acredita-se e se aceita pressuposições por razões afetivas ou pessoais, sem que seja preciso estar convencido do argumento que se defende. No convencimento, faz-se presente o caráter racional da adesão.

Segundo Reboul (1998), na argumentação retórica, é importante ter em mente que aquele que fala ou escreve nunca está sozinho e “exprime-se sempre em concordância com outros oradores ou em oposição a eles, sempre em função de

outros discursos” (REBOUL, 1998, p. XIX). De acordo com o autor, essa é lei fundamental da retórica. Nesse sentido, para ser um bom orador ou escritor, não basta proferir, ler ou escrever; é preciso, antes de tudo, considerar a quem se fala, lê ou escreve, levando em conta os discursos do outro e os seus não ditos (REBOUL, 1998). Essa seria a função hermenêutica da retórica.

O processo de compreender e inventar o discurso argumentativo implica um processo de formação retórica, pois é preciso ensinar e aprender “a encadear os argumentos de modo coerente e eficaz, a cuidar do estilo” (REBOUL, 1998, p. XXII). Na concepção do autor, é preciso aprender a arte de bem dizer, pois

Errar na formulação da questão, escrever de modo incorreto, monótono, extremado, confundir tese com argumento, expor de maneira desconexa, esconder-se atrás de clichês- é dar prova de incultura. Em outras palavras, é apartar-se dos outros e de si mesmo. É verdade que existem outras culturas além da escolar, mas não existe cultura sem formação retórica. E aprender a arte de bem dizer é já e também aprender a ser. (REBOUL, 1998, p. XXII)

Um dos grandes problemas presentes na produção escrita de textos argumentativos está relacionado ao fato de que, muitas vezes, o escritor não leva em consideração o contexto retórico para o qual escreve, isto é, o leitor, os objetivos do seu texto, suas intenções e propósitos comunicativos. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), é muito difícil determinar o auditório de quem fala;

essa dificuldade é maior ainda quando se trata do auditório do escritor, pois, na maioria dos casos, os leitores não podem ser determinados com exatidão.

É por essa razão que, em matéria de retórica, parece-nos preferível definir o auditório como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação. (PERELMAN; OLBRECHTS- TYTECA, 2005, p. 22)

Nesse sentido, assim como falhas na argumentação lógica podem provocar problemas linguísticos que afetam a compreensão de uma produção textual, deslizes retóricos também podem ocasionar incoerências em relação às intenções comunicativas e posicionamentos que se pretende defender no texto escrito. O discurso pode não chegar a ser convincente, por exemplo, se o escritor não levar em consideração as ideias e convicções de quem escutará ou lerá o seu texto. A ausência de utilização de estratégias retóricas, tais como: exemplificações,

generalizações, provas, dados, argumentos e contra- argumentos também podem afetar as intenções comunicativas do escritor.

2.4.3 Argumentação dialética

A dialética é definida por Reboul (1998) como “um jogo cujo objetivo consiste em provar ou refutar uma tese respeitando-se as regras do raciocínio” (REBOUL, 1998, p. 32). Nesse jogo, é preciso que as teses sejam defendidas, sustentadas e que os participantes da discussão articulem bem seus raciocínios e utilizem todos os argumentos que forem necessários.

Reboul (1998) ainda argumenta que a retórica e a dialética, apesar de serem disciplinas diferentes, apresentam pontos em comum, já que ambas são capazes de provar uma tese ou o seu contrário, possibilitar discussões de tudo o que for controverso e ser ensinadas metodicamente, mediante técnicas. Segundo o autor, a retórica é uma aplicação da dialética e a utiliza como meio de persuadir.

A dialética seria, então, “um jogo intelectual que, entre suas possíveis aplicações, comporta a retórica. Esta é a técnica do discurso persuasivo que, entre outros meios de convencer, utiliza a dialética como instrumento intelectual.” (REBOUL, 1998, p. 39).

Diante do exposto, considero de suma importância trabalhar a argumentação escrita nos âmbitos: lógico, retórico e dialético, pois para a elaboração de um texto coeso e coerente, é necessário que os elementos linguísticos estejam bem articulados em relação à produção de frases, períodos e orações. Além da atenção à estrutura linguística, é também fundamental que os escritores levem em consideração o contexto retórico para o qual pretendem produzir os seus textos, bem como as estratégias argumentativas, tanto para provar uma tese como para contradizê-la.