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3. Capítulo 1: Atravessando as ruínas da fé

3.1 As publicações em revistas apostólicas

“Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”

Segundo o levantamento que fizemos, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo” é o primeiro artigo publicado na revista Les

Missions Catholiques e é um dos primeiros artigos do padre; antes dele,

conseguimos levantar apenas sete artigos publicados em outras revistas111. A orientação do texto acontece de acordo com o deslocamento realizado nessa viagem, começando em Tefé e terminando em Cruzeiro do Sul. Anuncia-se, logo no primeiro parágrafo, que se escrevia a bordo de um vapor, na descida do rio, quase chegando de volta a Tefé. Talvez por ser o seu primeiro artigo para a revista, o texto é bem elucidativo, trazendo informações sobre as dificuldades da viagem e a dinâmica econômica da região:

Toda a região sofria de uma extrema escassez. Só havia para comer mandioca e feijão, e essa alimentação modesta ameaçava se esgotar. Em certos lugares não havia nem açúcar nem café, o que deve parecer surpreendente no centro do principal produtor de café do mundo; mas é preciso lembrar que esta é uma das regiões por excelência produtoras da borracha, onde todos os braços estão ocupados com a extração da goma. Tudo o que se come, tudo o que se bebe, tudo o que se veste é importado pelos vapores fluviais dos grandes centros de comércio, Manaus e Belém. De modo que quando, por uma razão ou outra, os vapores não chegam no tempo previsto, o espectro da miséria imediatamente aparece.

111 Em 1907, Tastevin publica “Deux notes philologiques sur les mots Tupana et Tapihiya de la langue Tupi”; em 1908, “Préface d’un dictionnaire de la langue tupihija, dite tupi ou néengatu”; em 1909, “De la formule de salutation chez les indiens du Brésil”; em 1914, “Le poisson symbole de la fécondité ou de la fertilité chez les indiens de l’Amérique du Sud”, todos na revista Anthropos. Em 1909, publica “Une tournée de mission au Ménérua” e em 1911, “Amazonie. Ce que nous faisons au pays des grandes fleuves”, na revista Annales Apostoliques. Em 1914, no mesmo número da Les Missions Catholiques, ele publica “En Amazonie” e “En Amazonie. Sur le Môa, aux limites extrêmes du Brésil et du Pérou”.

Meu caráter sacerdotal me valeu não sofrer demais, pois tinham comigo todas as considerações. De resto, eu me havia prevenido antes de deixar o vapor que nos havia trazido. Pude até prestar um serviço a uns pobres diabos, que premidos pela fome e não ousando mendigar, vinham noturnamente aplacar suas crises de fome na minha canoa. Que tenham tido bom proveito! (TASTEVIN, “Na Amazônia”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 65).

A dificuldade para obtenção de artigos de primeira necessidade aparece muitas vezes nos textos de Tastevin. A fome, que assolava a região, também atinge o padre. No trecho acima, ele explica porque, em uma região economicamente ativa, as pessoas são rondadas pelo temor da fome. Devido ao ciclo de vazante e cheia dos rios, as dificuldades de trânsito e transporte eram frequentes. Por ser padre, ele tinha um tratamento diferenciado nas localidades visitadas, o que lhe garantia comida, como ele mesmo comenta: “Quanto a mim, fui excelentemente tratado. Soube mais tarde que, na ocasião de minha passagem, o diretor havia matado suas últimas galinhas, seus últimos patos e duas grandes tartarugas que ele guardava para momentos de desespero”112.

Na segunda parte do artigo, Tastevin conta sobre sua resolução de “visitar um afluente da margem direita do Tejo, onde nenhum padre havia penetrado e onde se encontravam algumas famílias com crianças ainda pagãs”113. A viagem se deu por terra, através da “cadeia de colinas argilosas que separa a bacia do rio Juruá e do rio Tarauacá”114. Nos três dias em que a travessia aconteceu, a chuva não parou e o padre, usando uma batina que pesava em seus “ombros como uma armadura de aço”115, passou fome e afirma: “Nunca chafurdei tanto na lama em minha vida”116 e ainda: “Também nunca levei tantas quedas”117. Depois

112 TASTEVIN, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 65.

113 TASTEVIN, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 65.

114 TASTEVIN, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 65.

115

TASTEVIN, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 65.

116 TASTEVIN, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 65.

de tantas dificuldades e privações, finalmente chega às margens do igarapé Paraná, quando descreve:

Fiz o efeito de um fantasma: as pessoas não queriam acreditar nos seus olhos.

Um padre aqui! E nesse estado! É preciso coragem e ambição!

Essa última reflexão me entristeceu; mas essa pobre gente, não tendo outro móvel para suas ações além do interesse, não podem118 crer que se possa agir por simples dedicação (TASTEVIN, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 66-7).

A imagem que um padre deveria ter certamente não combinava com o seu estado naquela situação. Por causa da comoção que teria causado nas pessoas, ele atribui a si mesmo o efeito de fantasma. A palavra “fantasma” deriva de phaino, phós, “luz”, derivada do grego,

phaínein, verbo que significa “fazer brilhar, fazer aparecer, fazer visível,

fazer conhecer; indicar, revelar; pressagiar, denunciar; parecer, mostrar”. Desse verbo temos derivado o substantivo neutro phántasma, que traz a acepção de “visão, sonho, aparição; fantasma, espectro, aparência”. No latim, fantasma tem um significado parecido: “ser imaginário, falsa aparição, visão, fantasma, espectro”.

Para chegar a um ponto tão remoto era preciso coragem e ambição, como fica demonstrado pelo discurso direto atribuído aos paisanos pelo padre. Se havia um tom ambicioso em sua aventura, esse tom não vem explicitado pelo próprio padre, mas pelos outros que reconheceram nessa missão tal característica. Para diluir o peso da suposta constatação dos paisanos, o padre diz ter se entristecido com essa reflexão. Quem se movia por interesse e ambição eram os outros, não ele, que era dedicado e comprometido com a missão evangelizadora.

Mas, ao tergiversar sobre a ambição que se poderia identificar em tal aventura, talvez a ambição fique ainda mais explícita. A fagulha de seu interesse não estava somente no batismo daquelas crianças pagãs. O 117 TASTEVIN, “Na Amazônia − viagem ao Alto Juruá e ao rio Tejo”, 1914, tradução de Mauro W. B. de Almeida, p. 65.

118 O erro de concordância é da tradução. No original: “Je fis l’effet d’un fantôme: les gens n’en voulaient pas croire leur yeux” (TASTEVIN, “En Amazonie”, Les Missions Catholiques, 1914, tomo XLVI, p. 21).

batismo era sua obrigação como missionário, mas tamanho deslocamento, em circunstâncias tão penosas, era uma forma de impressionar os seus fiéis e também impressionar os seus leitores com a sua dedicação e comprometimento. Estamos mais próximos, assim, da concepção barthesiana de viagem etnográfica: aquela da exploração puxada pelo desejo, a que se deve acrescentar ao menos uma dose de interesse.

Como vimos na primeira citação desse artigo, o espectro da fome ameaça retornar ocasionalmente, como uma realidade que já estivera entre os paisanos daquela região e poderia voltar em determinadas circunstâncias. Se pensarmos na auto-caracterização de Tastevin como um fantasma, poderia se dizer que o espectro ronda e retorna, enquanto o fantasma aparece, assusta e não volta mais?

Vejamos como Tastevin desenvolve a sua relação com a região e seus paisanos num outro artigo publicado no mesmo tomo da revista (tomo XLVI), dessa vez sobre a sua viagem ao rio Moa, que foi feita no final do mesmo ano, em 1913. O artigo é muito mais extenso que o primeiro, sendo também ordenando pelo deslocamento da viagem. “No Moa, nos limites extremos do Brasil e do Peru”

Quando esteve em Cruzeiro do Sul, no início do ano de 1913, o padre acertara com os patrões do rio Moa a realização da desobriga para o final do ano, de maneira que ele fez primeiro a desobriga no rio Tejo, nos meses iniciais de 1913, retornou a Tefé, e voltou a Cruzeiro do Sul em novembro. O padre descreve − sem dele fazer um juízo aberto − o regime de semiescravidão que se observa no modo de produção local; trabalha com essa contingência, inclusive, para que tenha organizada a desobriga, feita de maneira a contemplar a população que vivia no entorno de rios principais: na subida, angariava os fiéis e na descida parava para realizar os sacramentos. Como vimos na afirmação de Manuela Carneiro da Cunha, ele dependia dos patrões para ter a desobriga realizada. É o que o próprio Tastevin confessa na passagem abaixo:

é moralmente impossível ao padre ir de uma choupana até a outra ministrar os sacramentos. O serviço religioso só pode, portanto, ser feito na casa do patrão, que reúne para esse efeito todo o seu pessoal no dia marcado pelo missionário.

Isso causa uma certa despesa e um certo desconforto, já que não só o pessoal perde vários dias de trabalho quando vem de longe; mais ainda é necessário dar de comer e alojar todo mundo, e isto gratuitamente: dar de comer porque aqui, desde que não se pode caçar nem pescar, o único homem que tem provisões é o patrão, logo isto não deve durar muito tempo; alojar porque geralmente a casa do patrão está longe de qualquer outra residência. Frequentemente a multidão é tão grande que não há sequer a metade do lugar para que todos possam esticar as suas redes sob um abrigo habitável. E então, só há uma solução: passar a noite dançando para resistir ao sono. Era portanto natural que o padre consultasse os patrões do Moa a respeito da visita projetada e o seu parecer motivado fez com que a viagem fosse adiada para o fim do ano (TASTEVIN, “No Moa, nos limites extremos do Brasil e do Peru”, 1914, tradução de Nicolás Niymi Campanário, p. 73). O trabalho do padre, como podemos ver, se concentra nos barracões, normalmente localizados nas margens dos rios. Não havia necessidade de se embrenhar no meio da floresta, como lemos na passagem sobre o igarapé Paraná; o missionário transita pela superfície, nas margens dos seringais. Além disso, ele trabalha com pressa, pressa para chegar, ministrar os sacramentos, pressa para sair. Como vimos na citação acima, ele tinha consciência da logística necessária para a realização das desobrigas: o deslocamento dos fiéis e a permanência nos barracões em condições excepcionais, o que resultava, muitas vezes, em uma mistura de missa e dança. Se, num primeiro momento, Tastevin aparentemente compreende as razões dessa mistura sacrílega, depois, no mesmo texto, ela é execrada:

− A missa, disse-lhes eu − não é um espetáculo ao qual se assiste para se distrair ou para adormecer os arrependimentos sem ter feito penitência. É um sacrifício do qual se deve participar pela oferenda ou pela comunhão, sobretudo quando não temos sequer, uma vez por ano, a chance de assisti-la, como é o caso de vocês. Vocês preferiram a embriaguez sensual da dança da noite às alegrias espirituais da comunhão; não pode haver aliança

entre Jesus Cristo e o demônio. Não estou nem um pouco contente com vocês, e não rezarei missa nestas condições.

Eles foram embora um pouco decepcionados (TASTEVIN, “No Moa, nos limites extremos do Brasil e do Peru”, 1914, tradução de Nicolás Niymi Campanário, p. 97).

Tastevin exerceu sua autoridade sacerdotal nessa situação: sem cerimônia, dissolveu o propósito que reunira ali aquelas pessoas, castigando-as. Os seringueiros foram embora um pouco decepcionados, talvez não muito decepcionados porque, ao menos, puderam aproveitar a embriaguez sensual da dança. Decepcionante é a conclusão da situação, pois, sabendo dos arranjos que eram necessários para a sua passagem, o padre se nega a realizar o que tinha o levado até ali.

Como não tinham onde dormir, os seringueiros dançavam a noite toda e participavam da missa de manhã. Além disso, o proprietário do barracão onde a missa aconteceria tinha “preparado uma grande festa por causa do batismo planejado para o seu filho adotivo”119. O que antes era condição para realização da missa, passa a ser motivo para que ela não aconteça. Não pode haver aliança entre Jesus e o demônio, diz o padre; mas o que ele esperava que os seus fiéis fizessem? Dormissem ao relento, sem acomodação adequada? Permanecessem em silêncio enquanto estavam todos reunidos numa circunstância em que haveria uma festa? Provavelmente, essas pessoas que atendiam à missa eram conhecidos, vizinhos ou parentes, e tinham, naquela ocasião, oportunidade de estarem juntos. Quer dizer, se não fosse pela missa e pelo batismo, aquelas pessoas estariam em casa. Assim, para que o planejado acontecesse, a embriaguez sensual da dança aconteceria, como o padre já afirmara no início de seu artigo.

Nas comunidades visitadas por ele no rio Moa, há muito não se via um padre e quando, finalmente, um aparece, ele não recebe seus fiéis de braços abertos, mas os acusa de viver na heresia e no pecado. Essa situação provoca conflitos, já que os seringueiros não aceitam serem assim excluídos da comunidade católica; o padre é questionado, desafiado. Em certa ocasião, o conflito atinge o seu ápice, quando um homem resolve dar-lhe uma sova porque ele se recusava a permitir que uma criança fosse apadrinhada por pessoas em débito com as funções na

119 TASTEVIN, “No Moa, nos limites extremos do Brasil e do Peru”, 1914, tradução de Nicolás Niymi Campanário, p. 96.

igreja. Depois desse conflito e da missa não realizada por conta da dança na noite anterior, o padre se diz “atravessando as ruínas da fé”120. De fato, pelas próprias circunstâncias da migração dos nordestinos e do abandono e da miséria que ali se instalaram, a ruína se torna uma imagem frequente na descrição dos seringais. A fé dos ribeirinhos, mesmo que nunca tenha sido propriamente construída pelos moldes litúrgicos da Igreja católica, compõe-se, para Tastevin, de um palimpsesto de instrumentos e práticas, assumindo um aspecto arruinado. O padre, porém, cumpre à risca o seu dever, vem com a sua fé construída e bem alicerçada por anos de estudo; por outro lado, os seringueiros, mesmo dotados de uma fé arruinada, mantêm a tenacidade de sua fé.

Se o padre exige a retidão dos fiéis a despeito dos caminhos tortuosos pelos quais a fé chegou até eles, essa exigência não se volta para ele mesmo. Ele viaja para batizar, rezar a missa, casar, mas a sua viagem é fracassada, pois ele se nega a fazer o que tinha o levado até ali. Ele acusa a ruína, mas não se cobra por não ser capaz de construir alicerces para uma cristandade praticante, como podemos ver no comentário abaixo:

Doze apóstolos mudaram a cara do mundo. Se os nossos 52 católicos praticantes do Moa souberem desempenhar bem o seu papel, eles farão triunfar um dia Nosso Senhor no território banhado por este pequeno rio perdido no fundo do Brasil. O que é necessário para isto? É necessário que o padre não os abandone, que ele os visite, os fortaleça, os encoraje todos os anos. Quando o rebanho é bem cuidado, os lobos permanecem longe. Mas quando está só, como se defenderia? Nossa gente não tem conhecimento suficiente para fazer respeitar a sua fé e confundir o erro. Quando um sofista a ataca, fica sem responder, com a dúvida no coração. A fé de muitos deles já naufragou; mas ainda há bastantes destroços e um missionário zeloso e capaz conseguiria certamente reanimar as cristandades, com a condição de que se estabeleça perto deles, em Cruzeiro, por exemplo (TASTEVIN, “No Moa, nos limites

120 TASTEVIN, “No Moa, nos limites extremos do Brasil e do Peru”, 1914, tradução de Nicolás Niymi Campanário, p. 96.

extremos do Brasil e do Peru”, 1914, tradução de Nicolás Niymi Campanário, p. 103-4).

No relato dessa viagem, Tastevin demonstra preocupação com a condução da catequese na região do Juruá. Ele sugere a criação de uma base em Cruzeiro do Sul, onde o padre estaria mais perto de seu rebanho e poderia ministrar os sacramentos com uma regularidade maior. Seu discurso se constrói com alusões às parábolas e ao trabalho apostólico, prevendo uma estratégia de conquista bélica dos fiéis, mas não se sabe quem seria o agente desses verbos. Poderia ser ele a cuidar do rebanho, assim como poderia ser um outro missionário.

A fé dos seringueiros naufragara, diz o padre, e seus destroços ainda são visíveis, podendo compor novamente uma religião coesa. O missionário só vê ruínas, desvios, heresias. Crianças pagãs, padrinhos pagãos, casamentos sem sacramento. Distantes da sede das práticas cristãs, os habitantes da região não tinham outro caminho a não ser exercer a fé ao seu modo, sem padre, sem Igreja, sem missa: adaptando a crença à necessidade diária da vida. Não é possível esperar um padre para realizar um casamento; as crianças nascem independentemente de batismos; o afluxo de distorções do credo cristão à região vem mascarado como legítimo.

O padre atravessava as ruínas da fé, atingia seus confins, ia aonde nenhum padre tinha ido; a partir das ruínas se poderia reerguer uma fé que já teria sido fundada, mas que devido à falta de cuidado dos próprios representantes da Igreja, se esfacelara. Porém, ao contemplar as práticas religiosas de seus pretensos fiéis, ele se restringia a observar, relatar os casos aos seus superiores e, sem se sentir obrigado ou condicionado a acolher aquelas pessoas com misericórdia; o cristianismo chega através do padre na forma do castigo.

Ao negar-lhes a missa, eles ficaram somente com a dança, com a embriaguez sensual, com o demônio. Se os destroços foram reconhecidos, como reanimar-lhes a cristandade? Negando a missa, negando os batismos? Nessa circunstância, poderíamos dizer que o padre contribui com o arruinamento da fé. Compreende e não compreende as necessidades locais para realizar a missa; menospreza os esforços dos fiéis para participar da desobriga e vai embora

através dele se percebe um cinismo corrosivo. De fato, atravessou as ruínas da fé.

Se o padre é aquele que viria para iluminar, para dissolver as trevas, ele não consegue fazer com que a fé que viera promover deixe de assombrar. Quando ele se nega a realizar a missa, os destroços da fé

permanecem na superfície. O padre por ali passa somente para acusar, sem que sua fé mova o seu desejo de reunir aqueles destroços − tudo é superfície: a fé do padre, que não ilumina, mas impõe uma sombra passageira; a fé dos seringueiros que, mesmo depois de uma noite passada na embriaguez da dança, se aprestam para receber a missa de manhã.

Como resultado de sua viagem, em um mês, visitando os ribeirinhos do rio Moa, consegue o seguinte resultado: “Ministrei 52 batismos, celebrei doze casamentos, distribuí a santa comunhão a 55 pessoas e preguei vinte vezes. Cinquenta e cinco confissões numa população de 1.200 almas, de que um terço poderia ter aproveitado a minha passagem: isto indica apenas dez por cento de católicos praticantes”121.

O padre reconhece o fracasso de uma de suas missões, mas esse fracasso é atribuído somente aos fiéis. Ele não fracassara, pois a sua viagem ao rio Moa não estava restrita ao resultado da pregação; o motivo oficial era fazer a desobriga no rio Moa, que não havia sido visitado por nenhum missionário francês. Ele reportava à Congregação do Espírito Santo a situação de sua prelazia, produzindo documentos que serviriam para orientação de outros missionários e para orientação das estratégias de atuação da própria Congregação. Além disso, temos como resultado o artigo publicado, em 1914, na revista Les Missions

Catholiques, um pequeno censo populacional, e a coleta dos pontos

cartográficos que posteriormente seriam somados a outros, obtidos em outras viagens, para a composição do “Mapa do alto Juruá”, traçado a bússola pelo padre, produzido entre 1908 e 1925 e publicado em 1928, na revista La Géographie.

Missão e Omissão

Atingir um rio ainda não visitado onde se encontravam crianças pagãs é a missão de uma dada ocasião. Note-se que a razão final da difícil aventura é o batismo das crianças, mas o meio − o rio, o caminho − é igualmente importante. É uma soma conveniente: a exploração que resultará na catequese. Um domínio territorial somado a um domínio

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