• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 ABORDAGEM DE INTERACÇÃO E REDES 26

3.4. As Redes Industriais e o Espaço 52

A riqueza conceptual da investigação dentro dos autores que se identificam com o IMP é hoje de tal forma ampla que extravasa os limites confinados às relações industriais que estiveram na base da sua origem. De facto, surgem de entre autores identificados com o IMP valiosas contribuições para o entendimento das dinâmicas territoriais, de tal forma que estes estudos se afiguram indispensáveis para o projecto a desenvolver (cf. Cova et

al., 1996; Johnston e Araújo, 2002; Mota e Castro, 2004; Waluszewski, 2004; Baraldi,

2006; Baraldi et al., 2006; Baraldi e Stromsten, 2006; Häkansson et al., 2006; Lundberg, 2008).

53 Estas abordagens, ao invés de “tomarem as regiões como entidades unidimensionais, como um objecto de análise em si próprias (…) permitem investigá-las como um fenómeno embebido e multidimensional interligado com outras variáveis” (Häkansson

et al., 2006, p. 232). A definição de território advinda destes estudos é, à semelhança do

já verificado nas abordagens provenientes da geografia relacional, amplamente dinâmica, interactiva e relacional.

Johnston e Araújo (2002, p. 10) sugerem que os “territórios são ambientes nos quais as organizações são directamente activas e têm uma presença num determinado momento: São configurados através de relacionamentos formados na base de actividades e recursos existentes dentro desse ambiente específico”. Decorrente desta visão do território, é banido o entendimento do mesmo como um simples receptáculo de actividades económicas e é tomado antes como uma estrutura de relações dependentes de recursos específicos. No mesmo estudo, Johnston e Araújo (2002) expõem que um território pode conter vários tipos de envolventes e recursos condicionantes da actividade empresarial, revestindo muitos desses recursos uma natureza tangível, mas que também assumem em grande número qualidades intangíveis como sejam as relações e actividades institucionais onde se inclui a interacção entres actores e que são designados pelos autores de “territorial operating environments”. Para além da atribuição de um carácter dinâmico às regiões, também é reconhecido pelos autores a importância da história para o desenvolvimento futuro do território porquanto os mesmos consideram que as regiões “não deverão ser vistas como entidades individuais que estão apenas ligadas com outras localizações geográficas pela distância. As regiões têm antecedentes históricos e uma dinâmica através da qual fluxos de entrada e saída de recursos podem mudar a forma espacial e as relações dentro dessa área” (Johnston e Araújo, 2002, p.10).

Esta visão é partilhada por Waluszewski (2004), referindo a autora que o desenvolvimento territorial é um processo construído incremental e não instantâneo que possa acontecer de um dia para o outro. Mais do que olhar às características actuais, é necessário entender os padrões históricos de combinação de recursos disponíveis nas diversas regiões.

54 O espaço surge também para Häkansson et al., (2006) como um fenómeno heterogéneo, como algo simultaneamente criado e utilizado diferentemente pelas organizações, tendo uma ampla componente dinâmica que se altera no tempo. O espaço terá pois de ser considerado como algo “que afecta não só a organização individual mas a forma como a organização interage com outras organizações”. Considera-se também que “a interacção entre as organizações cria o espaço” (Häkansson et al., 2006, p. 231).

Na perspectiva dos autores, tomando-se o território como uma organização, cada empresa nele operante deverá ser considerada uma combinação particular de recursos, que pode ser tomada como parte de uma vasta constelação de recursos que em si se manifestam. Assim, o carácter das relações sociais e institucionais, que se desenvolvem e têm origem num contexto territorial, é algo de único, inimitável e que afecta o potencial e atractividade da região em que se desenvolvem.

Mota e Castro (2004, p. 263) concebem as aglomerações industriais como “redes baseadas territorialmente” defendendo que “as dinâmicas nas conexões internas a essas redes afectam e são afectadas pelas instituições locais bem como pelas conexões externas ao território”. As dinâmicas territoriais dependem de um conjunto de conexões resultantes da estrutura de relacionamentos entre empresas, porque todas estão envoltas em redes que extravasam os limites territoriais. Assim a disseminação de conhecimento e a aprendizagem da rede resulta do padrão relacional e não apenas da proximidade física entre os actores (Mota e Castro, 2004). A proximidade espacial é apenas um factor que pode afectar os relacionamentos e o padrão da rede. Para além dela, também a proximidade social, tecnológica, cultural e organizacional afecta o padrão relacional (Ford, 2002).

Analisando a indústria portuguesa de moldes, Mota e Castro (2004, p. 277) concluem que o papel das empresas líderes para a dinâmica da indústria, depende do seu envolvimento “em redes de relacionamentos directos e indirectos (…) que selectivamente conectam competências quer dentro quer fora da aglomeração”. Quando os actores estão ligados apenas a outros actores locais os seus horizontes são muito limitados e o padrão de aprendizagem será reduzido. A importância de horizontes alargados é também evidenciada no trabalho de Lundberg (2008) segundo a autora é

55 necessário que as empresas em interacção tenham horizontes de rede diferenciados, pois isso irá permitir a visualização de novas possibilidades de interacção.

Baraldi (2006) acentua a interdependência entre as empresas e os territórios já apontada pela geografia relacional, considerando que os “locais são centrais na vida de todas as empresas, desde que estas surgem e durante as várias etapas do seu desenvolvimento”. Segundo o autor, esta dependência é bidireccional: “todas as empresas interagem constantemente com vários locais, mesmo sem estarem completamente conscientes de o estarem a fazer. Os locais afectam a vida das empresas, mas, as empresas, sozinhas ou em interacção com outras também afectam os locais” (Baraldi, 2006, p. 297). Existem consequentemente dois níveis (o nível regional, o nível empresarial) em interacção simultânea e permanente (Figura 3.5).

O autor reconhece uma interacção entre as estruturas espaciais e as estruturas sociais, referindo o mesmo que “a última molda a primeira tanto quanto a primeira limita e influencia a última” resultando este processo em espaços extremamente heterogéneos. Contudo, “as suas características não são moldadas de uma vez para sempre, mas variam dependendo: (1) do processo social e estruturas nas quais os espaços estão imersos e (2) dos outros espaços com os quais estão ligados, física, simbólica ou economicamente” (Baraldi, 2006, p.300).

Para Cova et al., (1996, p. 654), o território não deve ser perspectivado como “um simples suporte à localização de factores”, mas antes como um grupo de actores territoriais e diversos elementos económicos, socioculturais, políticos e institucionais com uma organização e padrões de regulação específicos. Estes territórios, denominados de milieu, suportam “a rede de relações orientadas para a construção de competências específicas” (Cova et al., 1996, p. 655).

Outra consideração presente na generalidade das análises das redes industriais, e que se afirma como uma das consequências mais visíveis da interacção entre os espaços, é a de que não se pode tomar cada um deles de maneira isolada. Os territórios assumem posições relativas em relação a outros. Em função das interacções desenvolvidas,

56 algumas regiões podem-se tornar mais centrais e outras mais periféricas. As regiões que albergarem os actores mais poderosos ganharão em poder e tornam-se fortes instrumentos para controlar outros actores e locais a diversos níveis (Baraldi et al., 2006).

Figura 3.5 – Interacção ao Nível Regional e Empresarial

Região A Região B

Rede Interorganizacional X Rede Interorganizacional Y

Nesta perspectiva será vital que as regiões consigam atrair empresas que possam trazer recursos de ligação, sendo para tal necessário as regiões compreenderem a trajectória das empresas numa perspectiva de complementaridade. É necessário que as empresas instaladas adicionem valor significativo às redes a que pertencem e que desenvolvam interacções com outros actores do território. Se uma empresa instalada num território conseguir ser mais importante e visível na cadeia de valor externa, mais referencial e maiores ligações deverá conseguir a região que a acolhe.

As interacções entre as regiões estão baseadas nas interacções dos actores pertencentes a esses locais (Figura 3.5). Nem todos os actores podem ganhar pela interacção dos espaços, sendo que alguns podem mesmo perder poder, já que essa interacção os expõe à concorrência de novos locais e actores (Baraldi et al., 2006). As empresas multinacionais são um dos actores privilegiados na promoção da interacção de espaços

57 e objectos sendo definidas por Baraldi et al., (2006) como place-connectors. Esta promoção de interacção revela-se fundamental, tendo em conta que “ser movimentado para o local errado pode significar o declínio de um objecto, enquanto ser deslocado para o sítio certo pode originar a exposição aos recursos necessários para transformar uma ideia num produto específico” (Baraldi et al., 2006, p. 385).

Para que a interacção aconteça é necessária a existência de algum tipo de relacionamento, sendo estes “importantes pontes para ultrapassar, distâncias espaciais, culturais e de competências” (Baraldi, 2006, p. 311). Estes “podem ultrapassar diversos locais e criar configurações de rede. Assim um espaço pode estar intimamente dependente de desenvolvimentos que aconteçam em outro e vice-versa” (Baraldi e Stromsten, 2006, p. 248).

Figura 3.6 – Espaço Relacional de uma Empresa Focal

EF Relacionamento Intenso Relacionamento Ténue Espaço Relacional da Empresa Focal Região Focal Outras Regiões

O facto de uma empresa interagir simultaneamente em diversos espaços físicos (Figura 3.6) faz com que o seu espaço relacional, (entendido como uma área ou configuração espacial constituída pelos, relacionamentos ocorridos dentro ou entre organizações (Yeung, 2005b) ) contemple inúmeras escalas geográficas. Podendo acontecer que a

58 escala geográfica mais próxima da localização física da empresa nem sempre seja a mais relevante na sua actuação estratégica.

No exemplo ilustrado na Figura 3.6, a empresa focal não possui qualquer relacionamento intenso na região onde está localizada, mas tem três relacionamentos desta tipologia em regiões fisicamente distantes. Desta forma, a empresa constrói o seu próprio espaço relacional baseando-se em factores que ultrapassam a simples distância geográfica. As empresas retiram valor de relacionamentos e estes não dependem apenas de distâncias físicas, mas de uma plêiade de outros factores. O espaço relacional de cada empresa é moldável e composto por várias escalas o que faz com que as regiões sejam sujeitas a múltiplas influências localizadas em diversos níveis.

Em suma, a abordagem de rede propõe uma visão que destaca o poder da interacção e encontro de recursos para o desenvolvimento regional. A teoria de rede, a posição na rede e os recursos das empresas são elementos mais relevantes para a actuação estratégica e escolha das contrapartes do que a sua simples localização geográfica. É pela forma como as empresas valorizam os seus recursos, como adicionam valor e como se relacionam, (ou seja pelo que fazem e como fazem) e não simplesmente por existirem que se presta dinâmica a um território.

3.5. Síntese e Lacunas

Na abordagem de rede a trajectória dos actores depende de um conjunto amplo de relacionamentos que têm um carácter técnico, mas também amplamente social e cultural. A ocorrência dos relacionamentos exige um investimento relacional. Dada a capacidade limitada que os actores dispõem para investir relacionalmente e se relacionarem, aquela ocorrência tem inerente uma sucessão de interacções e escolhas.

Os relacionamentos estão conectados, o que os converte em elementos de uma forma organizacional mais ampla: a rede. Torna-se por isso evidente a impossibilidade de analisar as interacções empresariais sem a consideração da teia de relacionamentos em

59 que a empresa se insere: a sua rede industrial. Esta rede comporta em si as redes de actores, recursos e actividades.

A evolução da trajectória de um actor não depende exclusivamente de si. Cada empresa estará limitada nas suas acções por aquilo que seja aceitável por parte das empresas com as quais está ligada em cadeias de actividades, isto porque os relacionamentos põem em combinação os recursos resultando parte das suas características e produtividade do seu padrão de interacção (Häkansson e Snehota, 2000).

As redes têm um carácter dinâmico, estando continuamente em mudança. Devido à conectividade, a evolução dos actores depende de acontecimentos diversos da rede. As relações diádicas projectam-se na rede e as mudanças nesta irão manifestar-se nas relações individuais. A posição, a teoria de rede e os recursos dos actores estão interligados, influenciando-se reciprocamente e condicionando a actuação estratégia dos actores.

Resultante do padrão de conectividade, os actores têm posições atribuídas que lhes conferem uma maior ou menor capacidade para influenciar terceiros e usufruir dos seus recursos. Estas posições são construídas ao longo do tempo e grande parte da actuação estratégica da empresa visa conseguir o seu fortalecimento. Devido à amplitude das redes e aos limites de processamento de informação, os actores têm apenas uma capacidade cognitiva limitada das redes onde estão inseridos. Estão circunscritos a um horizonte que confina a realidade que conhecem. Desenvolvem por isso teorias que funcionam como tradutoras de comportamentos e orientam a actuação estratégica. Estas teorias são dinâmicas e em cada momento determinam as actuações estratégicas a empreender (Mouzas et al., 2008).

O conhecimento da rede pode levar a vantagens competitivas (Mouzas et al., 2008). Para o aproveitamento de competências das contrapartes os actores necessitam de horizontes de rede mais amplos e uma aproximação entre as organizações que leve a um esbatimento das suas fronteiras (Araújo et al., 2003). Em muitas situações “os

60 relacionamentos são construídos com base nas competências das partes” (Turnbull et

al., 1996, p. 58).

O valor dos recursos resulta de um processo de interacção que lhes confere uma forte dimensão externa e um carácter não definitivo. Surgem permanentemente reconfigurações na sua utilização e consequentemente alterações do seu valor. Torna-se por isso fundamental descobrir as contrapartes que, através da inserção em constelações de recursos, permitam valorizar os recursos da empresa focal.

A abordagem das redes industriais, partilhando alguns dos princípios da geografia relacional, permite a operacionalização de relacionamentos e reforça a componente empresarial. Através da abordagem em rede “podemos investigar como as características de um local são criadas pelas empresas/organizações e a sua interacção a longo prazo. Certamente, esta interacção ocorrerá dentro de áreas geográficas focais, mas também através de recursos de ligação activados em diferentes locais” (Häkansson

et al., 2006, p. 230).

A ideia fundamental é a de que o espaço e os recursos interagem afectando-se mutuamente (Baraldi, 2006), salientando-se a importância da interacção e conjugação dos recursos independentemente da localização das empresas (Waluszewski, 2004). A forma como a interacção e influência acontece não é, no entanto, suficientemente explanada.

É evidenciada a importância da interacção entre actores para a dinâmica do território. Contudo é necessário que essa interacção seja dotada de características que possibilitem o desenvolvimento de competências. Este facto exige que as partes em interacção tenham uma capacidade de aprendizagem significativa e não tenham horizontes de rede limitados. É também destacada a importância das ligações a actores externos que permitam a inserção em cadeias de actividades e constelações de recursos. Esta inserção poderá atribuir mais valor os recursos e dotá-los de novas características. A valorização dos recursos dos territórios depende por isso em forte medida das competências das empresas aí instaladas e da sua rede de relacionamentos.

61 A abordagem de interacção e das redes serve os propósitos da investigação, pois fornece um quadro teórico que explica a interacção e relações entre as empresas. Apesar de estas serem reconhecidas como o principal agente de dinâmica territorial, a sua interacção não era suficientemente explicada pela geografia relacional. Os recentes contributos relacionados com o espaço permitem obter alguma especificação territorial dentro de um quadro teórico de interacção empresarial bastante detalhado. Por estas razões, a abordagem de interacção e redes é seleccionada como a abordagem teórica principal nesta tese.

Contudo, e apesar do potencial demonstrado pela abordagem das redes industriais na explicação da interacção entre espaços e empresas, a mesma não está ainda suficientemente desenvolvida e orientada às regiões de maneira a permitir compreender como se processa tal interacção. Em concreto, não é explicado como se reflectem na dinâmica e estrutura territorial, alterações decorrentes da actuação estratégica das empresas. Este vazio dá, consequentemente, origem a uma oportunidade de investigação: esclarecer a interacção entre a actuação empresarial e a dinâmica territorial, sob a tutela conceptual maioritária das redes industriais. O conhecimento desta relação é, aliás, fundamental para as entidades de desenvolvimento regional, pois as organizações empresariais revelam-se indispensáveis no desenvolvimento de recursos e na integração de actividades desenvolvidas regionalmente em cadeias de valor globais.

No próximo capítulo procura-se tirar partido da complementaridade entre a abordagem de interacção e redes e a geografia relacional de forma a elaborar um modelo de análise que permita a obtenção de respostas às questões de investigação que aí se apresentam.

62