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CAPÍTULO III: REPRESENTAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS DOCENTES NAS

3.3 REPRESENTAÇÕES DAS MUDANÇAS OCORRIDAS NA EDUCAÇÃO DE

3.3.2 As reformulações no ensino de Língua Portuguesa

As mudanças no ensino de Língua Portuguesa foram fruto do desenvolvimento de disciplinas que surgiram em oposição e em torno do núcleo duro da linguística. Núcleo este, constituído pela fonética, fonologia, morfologia, sintaxe e semântica da palavra, e em torno deste constituíram-se a pragmática, a sociolinguística, a psicolinguística, a linguística textual, a análise da conversação e a análise do discurso.

Alguns fatores internos desencadearam a recente renovação do estatuto da disciplina Língua Portuguesa. A formação de professores dessa disciplina Língua Portuguesa na Universidade se modifica na segunda metade da década de 1980, em função das disciplinas ligadas “as novas teorias desenvolvidas na área das ciências linguísticas” (SOARES, 2001, p. 216). Além dessas disciplinas, a autora cita a introdução de outros fatores, ditos externos, ou seja, na perspectiva social, as imposições de grupos sociais majoritários, as exigências de mercado, as pressões dos movimentos sociais para impor um determinado “conteúdo” de ensino; na perspectiva jurídica, a determinação ou as orientações curriculares aprovadas para serem implementadas em todo território nacional; e na perspectiva cultural a influência da tecnologia e da mídia definindo que a escola deve valorizar, em uma determinada época histórica, as escolhas de leitura e de produção escrita e da forma de ensinar.

Os estudos em torno da linguística aplicada tomaram maior proeminência quando da produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa - PCNs (BRASIL, 1997). Com base neles, ocorrem mudanças curriculares nos cursos de Letras nas Universidades, reformulam-se livros didáticos e professores passam a ser formados nessas novas orientações que alteram as formas de trabalhar a disciplina Língua Portuguesa em sala de aula. As mudanças giram em torno da concepção de linguagem, que passa a ser vista como meio de interação social; da concepção de sujeito, que passa a ser visto como produtor interlocutivo de discursos; e da visão de ensino de língua, que passa a ser efetivada a partir de gêneros textuais ou discursivos.

Paralelamente, ocorreu a produção teórica em torno do construtivismo, que altera a focalização do professor do ensinar para o aprender, isto é, a perspectiva passa a ser a resposta para as perguntas cognitivas: “Como o aluno aprende?” e “O que o aluno já sabe?”.

Estas novas concepções e metodologias centradas no ensinar e no aprender são institucionalizadas nos PCNs de Língua Portuguesa que passam a concorrer com as já

instituídas no ensino, centradas nas palavras soltas ou em frases descontextualizadas ou ainda nos objetos gramaticais (substantivo, adjetivo, verbo, etc.).

É a transição de um ensino centrado na palavra para o centrado no discurso. As professoras relatam sobre essa transição de um ensino centrado na letra ou na palavra, para outro tipo de ensino, centrado no texto, no discurso:

PE: Quando esse [ensino] começou e agora, tem alguma diferença? (t. 31)

LE: Olha, é:: bastante. Algumas, né? Quais são? Bem, naquela época, quando eu cheguei, é:: ainda existia é:: um trabalho voltado pra/ dentro da/ pra educação especial mesmo, né? Mais era, era muito parecido com a/ com a as atividades fora da escola, né? É, as escolas normais, né? Que que acontece? Seguia-se um vocabulário, é e esse vocabulário do alfabeto, no ano que eu entrei, e do alfabeto, que eram palavras soltas e:: aí e eram colocadas essas palavras no/ eu lembro muito dessa, dessa, tinha um barbante né? Com essas palavras “gelo”, “algodão”, que não tinha um contexto, sabe, eram palavras soltas, palavras com “g”, tinha “gelo”, tem “geladeira” e:: depois disso, né? Foram, foram tendo outras mudanças, foram mudando as metodologias, se busca/ é é essa primeira metodologia era muito ligada a oralidade, muito ligada ao trabalho da fonoaudiologia, né? E agora depois disso não. Depois/ e a criança, naquela época, ela ficava muito atrasada em relação aos de fora, por quê? Tinham que guardar esse vocabulário enorme/ (LÉA, t. 32).

[...]

PE: Pois é, mais você acha então que agora é diferente? (t. 37)

LE: Ah! agora é bem:: diferente, né? Porque desculpa até perdi o fio da meada, porque é/ Agora a gente tem/ acompanha tudo, se é olimpíada, a gente trabalha é:: agora vai ter Brasil e França e ai:: nós acompanhamos, tudo que acontece, todas as comemorações, a gente é:: trabalha. Tem o conteúdo sim, mais as questões ambientais, é, é aquecimento global, a questão da água, a questão da dengue, tudo isso, tudo eles fazem jornal, pra sala e a gente vê o que que está acontecendo, eles discutem, se eles acham uma notícia importante a gente/ porque agora nós temos como nos comunicar, porque temos uma língua em comum, Isso realmente muda muito, né? (LÉA, t. 38).

Em todo caso, tem-se instituído que a partir da década de noventa, o ensino de Língua Portuguesa agrega a influência de dois movimentos: as discussões sobre gêneros textuais, enquanto instrumento e objeto e a concepção construtivista de educação, centrada na realidade da criança, nos seus conhecimentos prévios.

A prioridade no ensino deixa de ser a aquisição da oralidade da Língua Portuguesa. Isto aconteceu, no Pará, a partir do ano de 1996, quando uma influente assessoria da Professora Lucinda Ferreira, junto aos professores, provocou discussões em torno da mudança de concepção do ensino de surdos. Até então existiam classes especiais multisseriadas, como expressa a professora Ray:

PE: E aí como é que tu trabalhaste com ela, depois que tu aprendeste, foste aprender língua/Língua de Sinais, o alfabeto, Língua de Sinais? (t. 13)

RA: Trabalhei, comecei a trabalhar o alfabeto, depois comecei é:: buscar porque era uma turma mista e era uma classe especial. Nessa classe especial eu tinha aluna de primeira série, de segunda série, de terceira série, até da quarta série, então pra quem tava na primeira série, pra quem tava na segunda série, na terceira série, na quarta série já tinha o conhecimento mais amplo da libras [...] (RAY, t. 14).

Um professor da educação especial atendia diversos alunos, de diversas séries, em uma única sala, nas escolas regulares: as chamadas classes multisseriadas, que faziam parte do programa do Departamento de Educação do Estado do Pará até 2002, quando foi instituído o fim das classes especiais.

Já no Rio de Janeiro, no INES, esta alteração começa a acontecer a partir do ano de 1993, quando da contratação de novos professores em decorrência da aposentadoria das que trabalhavam com as metodologias orais. Isso está expresso no discurso da professora Bia.

PE: Mais assim, que orientação genérica vocês recebiam, por exemplo? (t.25) BI: Nã::o. Procurar aprender a Língua de Sinais com os alunos. É mais não fazer/ eu

lembro bem disso, da orientadora, não fazer nenhum trabalho a nível fonoaudiológico na sala de aula. Isso eu lembro bem. Então essa visão clinica com relação à surdez, ela já, já de cara, quando eu entrei, em 93, eles já queriam descartar. Né então é:: [...] Mais agora uma diretriz com relação ao trabalho pedagógico, eu não recebi, claramente. Eu tive que formar um grupo, ver que professores/ com esses professores no::vos que estavam entrando. Só uma antiga, que é uma professora que até hoje está aqui, ainda não se aposentou. Ela era a única professora antiga que tava nesse grupo, o restante eram só os novatos, os professores que entraram, né? (BIA, t. 28).

Junto com a mudança de não trabalhar com a oralização do surdo não veio nenhuma orientação de como desenvolver o trabalho a partir da língua de sinais.

As professoras Luna e Ivana mostram que na atualidade há mais possibilidades metodológicas para trabalhar com surdos:

PE: Você acha que então antes, você tem seis anos né? Quando você começou e agora, você acha que tem alguma diferença? Mudou alguma coisa? (t. 17) LU: Sim. Muito:: Acho que hoje assim:: quem trabalhou no ensino regular e hoje

trabalha com educação de surdos, hoje o professor tem várias metodologias, várias propostas e ele consegue desenvolver, sistematizar tanto com surdos quanto com os ouvintes na sala. Porque/ pra isso acontecer eu que tive que procurar capacitação, formação, leitura, conhecer o aluno, conhecer até um pouco da história de vida daquele aluno (LUNA, t. 18).

PE: Você acha que quando você começou e agora tem diferença? Mudou alguma coisa? (t. 15) [...]

IV: Ah! Comigo mudei pra caramba. Eu acho que o que vai me dando mais autonomia, mais segurança de fazer o que eu faço, é aprender a Libras, é aprender a me comunicar com esse aluno. É ver o que que ele espera e conseguir passar pra ele. Então o veículo de comunicação, você conseguir entender o que

ele te pergunta pra você responder, você/ se acessa essa língua é o que me dá mais segurança. Se você consegue ver/ quais/ é como é que são as atitudes dele, como é que tá acontecendo/ o que que tá acontecendo na sua sala quando você explica alguma coisa, como ele se porta? Só o olhar, não entendi, eu não entendi, saber se posicionar com você. Saber conversar com ele é um ganho incrível (IVANA, t. 18).