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Origens, existências passadas e presentes

1. Primórdios

1.4. As Relíquias

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; o autor das “notícias já tinha aludido a elas anteriormente, dizendo que são em “grão numero” e algumas “muy notaueis” existindo então “em o Cartorio papeis

autênticos da Verdade dellas”122

O Lenho Santo, hum pequeno da Veste Roxa, e outra da Veste purpurea, e outros dous pequenos do Santo Lenho; a Cabeça de Santa Juliana V. e M., a Cabeça de S. Barbara V. e M., hum pequeno da Cabeça de S. Mauricio M., hum dente, e outra Reliquia de Sta Cecilia V. e M., hum pequeno de Osso da Cabeça de S. Ioão GrysoSthomo, quatro Ossos de huns Martyres companheyros de S. Dionizio M., hum pedaço de huã Costa de Sto Andre Apostolo hum pedaço de dedo de S.to Seleuco Bispo e M., hum pedaço de cabeça de S. Nereyo, Reliquia de SantiAgo Mayor Apostolo, huns pequenos da cabeça de S.ta Maria Madalena, hum Osso de S.ta Roza, outro de S.ta Maria Egypciaca, outro de Santo Hydeominio, Outro de S.ta Vrsula, duas Costas dos Martyres de Marrocos que estão em Santa Cruz de Coimbra, huã Reliquia muy grande de S. Sebastiaõ que foy del Rey D. Sebastiaõ deste Reyno, por respeito da qual he de guarda em Sacavem sua fre- /guezia, a festa de S. Sebastião. Ossos de S. Pedro, S. Paulo, S. Barthlomeu, e S. Matheus Apostolos, de Santa Ignes, e S. Agueda V.V. e M.M., S. Praxedes V., S. Pedro M., S. Vicente M., Santos Martyres Thebeos, hum pequeno do habito de Nosso Padre S.

. O autor, certamente membro da Ordem de S. Francisco, enumera-as: 119 Idem, fl.158vs 120 Notícias do Convento […], fl.172vs 121 Idem, fl.172vs-173 122 Idem, fl.152

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Francisco, Reliquias de S. Bento Abbade, S. Clemente Bispo e M , S.to Albano B. S.to Ambrozio Doutor, S. Bazilio M., S. Ioaõ Abbade. S.to Vrbano Papa e M., S. Marcelo Papa e M., S. Sylvestre Papa; S.to Oracio, S.Valerio B. S. Modesto B., S. Godeardo B., S. Carlos Magno Emperador, S. Ioaõ Esmoler, S. Hermolas B., S. Cypriano M., S.to Alexandre B., S. Nicazio Confessor, S. Niculao Telentino; S. Felice B., S. Luzario M. S. Bangirillo B., Santo Epimaco M., S. Pastor Abbade, S. Patrício B., S. Gervazio M., S. Simplicio M., S. Floreno Confessor, S. Christovaõ M., S.to Hilario B., S. Stanislao B., S. Macedonio Confessor, S. Jorge M., S. Felippe B., S. Adanulo, S. Constancio, S. Marcos, S. Cyriaco M., S. Gregorio M., S. Mamaquino Abbade, S. Lopo B., S. Eleuterio, S. Agidulpho B., S., Bilibaldo B., Santo Quintino M., S. Forejo Confessor, S. Quirico M., S. Forejo B., S. Torculano B., S. Hum-/berto B., S. Nicolao B., S. Primo M., S. Domiciãno, S. Othomazo Abbade, S. Antonio M., S. Juliano, S. Dionizio, S. Cromacio M., S. Foliano, S. Celso M., S. Aureliano M., S. Valentim M., S. Leaõ(?) Papa, S. Gezon M., Sto Aleixo Confes., S. Martinho B., S. Feliciano M., São Adalberto, S. Policarpo B., os companheyros de Santo Eusthachio, Sto Alberto, S. Iuxto M., S. Theodoro M., S. Chrysanto, S. Brandauo, S.Germano B., S. Cayo Papa, S. Columniano, de hum dos Innocentes, S. Venceslao, S. Saturnino, S. Geroncio B., S. Henrique Rey, S. Agostinho, S. Medardo, S. Galicano M., S. Donato B. e M., S. Candido, S. Rimigio B., S. Arnizio Abbade, Santo Estevão Protormartyr, S. Soteno M., de hum dos quarenta Martyres, S. Manfredo, Sta Anastacia, Sta Apolonia V. e M., Sta Balbina, Sta Albana, Sta Heduiges Duqueza, Sta Cordula V., Sta Madalberta V., Sta Claudiana Veuva, Sta Bodierma Virgem, Sta Daria M., Sta Isabel Veuva, S. Marina V., S. Marcela M., S. Hipolita V. e M., hum dos Quinze Martyres, S. Ignes, huã das quinze Virgens, S. Gertrudes V., S. Dorothea V., S. Esponia V., S. Filicula V., S. Zenella V. e M., S. Petronilla, duas Cabeças das Onze mil Virgens. Hum pequeno do Sudario de Christo Nosso Senhor.”123 O documento refere ainda que “As quaes Reliquias todas mandaram collocar e venerar vistas suas povranças os Arcebispos de Lisboa D. Jorge dalmeyda, que santa gloria haja, e D. Miguel de Castro que ao prezente he Arcebispo, como se ve por suas provizoes, que se guardam em o Cartorio, e muitas dellas estão postas em meyos Corpos, e outras em Ricas Custodias”.124

A importância e preciosidade de muitas das relíquias, representava um património significativo que levou o Papa Gregório XIII por Breve seu dado em Roma, a 27 de

123

Notícias do Convento […], fls.152-154vs

124

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Maio de 1579, a proibir que a Abadessa e mais Religiosas, o P.de Geral, Provinciais e Custódios, dessem, tirassem ou emprestassem “com nenhuã licença couza alguã, nem

Reliquia deste Convento” sob pena de excomunhão e privação dos Ofícios da Ordem e

inhabilidade e de suspensão a divinis.125

O seu interesse por relíquias fazia, inevitavelmente que, devido às altas funções que exerceu durante a sua vida, elas lhe fossem oferecidas ou dadas a conhecer. Como refere Sales Loureiro, “os favores que fazia, as boas amizades que soube ganhar, forçosamente que haveriam de trazer, consequentemente, a um homem que vivia apaixonado por uma obra de tal devoção e envergadura, como era a do seu Mosteiro, expressões de reconhecimento, amizade e admiração. Concorrer para a sua obra, revelar apreço pelo seu acto de fé – que o era também de coragem pela envergadura da empresa – homenagear a sua dedicação, lealdade ou serviço; tudo isso era pretexto para uma oferta de “couza” ou “Reliquias” para o Convento de que era Patrono.”

Um novo Breve de 30 de Agosto de 1599, do Papa Clemente VIII, reiterava o disposto no anterior.

As relíquias acabavam por assumir para o convento e para Miguel de Moura, um papel primordial, muitas vezes não só de cariz religioso mas também político e diplomático. A religiosidade exarcebada do Fundador, que transparece claramente nas Memórias, acaba por encontrar no convento e no seu “santo” recheio, local privilegiado de mostra e de convergência não só dos interesses de Miguel de Moura mas, indirectamente, daqueles que o queriam “conquistar”.

126

Para além das ofertas que receberia e que envolveriam, por vezes, um intricado jogo diplomático127, sobre o qual não nos deteremos, Miguel de Moura daria instruções aos agentes diplomáticos, para que no estrangeiro lhe adquirissem relíquias, os quais, certamente, ganhariam mercês e simpatias por tão privilegiada tarefa.128

O cuidado que Miguel de Moura colocava na recolha das relíquias, implicava, como já foi referido, a existência de “papeis autenticos da verdade dellas”

129 125 Idem, fl.168 126 LOUREIRO, 1974, p.362 127

Sobre as Relíquias vide LOUREIRO, 1974, pp.356-376

128

LOUREIRO, 1974, pp.370-371

129

Notícias do Convento […], fl.152

, ou seja, certificados de autenticidade / garantia.

51 Tentar enganá-lo, como esperava Cristóvão de Moura, assegurando este em Novembro de 1579 a Filipe I, que estava disposto a “compor e tocar caveiras de mortos e dizer que são de Virgens”130

Simultaneamente, o interesse de Miguel de Moura por relíquias poderia também ter outro objectivo. A Colegiada de Sacavém existia, provavelmente fundada por D. Afonso I

, desde que tal conquistasse a simpatia de Miguel de Moura, não seria tarefa fácil…

131

; as colegiadas eram igrejas com determinados privilégios – um conjunto de dignidades instituídas numa igreja paroquial que a tornavam semelhantes ao cabido de uma catedral. Para prestar um culto, as colegiadas dispunham de um colégio de clérigos – designados por cónegos, raçoeiros ou beneficiados132, como era o caso da de Sacavém – constituído por um ou mais dignatários a que podiam estar agregados diversos tipos de auxiliares.133 Dominando sobretudo no Centro e Sul do país, encontravam a sua maior expressão no Bispado de Lisboa, onde quase todas as sedes de concelho tinham pelo menos uma colegiada; as colegiadas mais antigas, com ancestrais tradições, com edifícios imponentes e dotadas de relíquias preciosas ganhavam o título de “insignes”134

A Colegiada de Sacavém encontrava-se ligada à antiga Ermida de Nossa Senhora dos Mártires – “o Prior e Benefeciados da Igreja de Sacavém, que erão enteressados em a

Ermida de Nossa Senhora dos Martyres”.

.

135

Essa ligação comprova-se, aliás, pelas pedras tumulares que se encontravam na igreja, em que pelas datas inscritas, verificamos que alguns “beneficiados” tinham visto os seus restos mortais transladados para lá, uma vez que as suas datas de falecimento eram anteriores a 1596, e que outros foram ali sepultados já depois da sua construção136

Esta relação entre o convento e a Colegiada, que apesar de muito antiga não era considerada “Insigne”, podia significar que dotando o convento e a sua igreja das condições necessárias, a Colegiada podia ganhar esse título, “tranferindo” a sua e, pela já mencionada carta de D. Filipe I, datada de 15 de Julho de 1585, em que se verifica a relação directa existente entre Ermida/Colegiada/Mosteiro.

130

BOUZA, Fernando, D.Filipe I, col.Reis de Portugal, s.l., Círculo de Leitores, 2005, p.115

131

RAMALHO, 1994, p.88

132

Diferenciavam-se dos cónegos catedralícios e não participavam dos recursos materiais de um canonicato mas fruíam do designado “benefício”, ou seja, benefeciavam de meios assegurados para a sua sustentação, reconhecidos superiormente. Por dados de inquérito pombalino de 1758, então a Colegiada de Sacavém era constituída por um Prior e seis beneficiados. RAMALHO, 1994, pp.88-89

133

Dicionário de História Religiosa de Portugal, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, Vol. I, 1ª ed., Lisboa, Círculo de Leitores, 2000. p.399

134 Idem, p.399 135 Notícias do Convento, fls.140vs-141 136 RAMALHO, 1994, p.103

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actuação para a obra de Miguel de Moura, que ganharia então ainda maior estatuto e magnanimidade.

Sabendo que o título de insigne estava dependente, não só da antiguidade, das tradições, alfaias ou valor monumental, mas também (e em grande parte) das relíquias que ali estivessem arrecadadas, o fundador poderá não ter deixado de pensar nesse aspecto quando, tratava de encontrar mais uma, para a sua já extensa colecção.

As relíquias do Convento de Sacavém estavam, segundo o Agiologio Lvsitano137