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Secularização: causas e consequências

9. A recuperação da igreja e o seu restauro

10.2. A obra do Padre Filinto Ramalho

A nomeação do Padre Filinto Ramalho para a Paróquia de Sacavém terá, certamente, tido uma importância vital no desenrolar do processo de recuperação do imóvel da igreja para a localidade e na sua recuperação / restauro.

Nascido em Fataunços em 5 de Novembro de 1919 e ordenado sacerdote nos Olivais a 29 de Junho de 1942, logo em 10 de Setembro do mesmo ano foi nomeado pároco de Sacavém. Com apenas 23 anos a sua energia foi canalizada para uma paróquia complicada do ponto de vista religioso e político; a sua juventude, terá, certamente, sido encarada como uma mais-valia – permitiria incutir uma nova dinâmica ao culto, cativar novos crentes, construir uma crescente relação sólida com os paroquianos, solucionar pela sua capacidade argumentativa processos cruciais…

A par com Sacavém, o jovem padre ficou então encarregue de localidades vizinhas como a Charneca (até 26 de Agosto de 1954), Unhos, Apelação, Camarate (até 11 de Dezembro de 1962); tal como em Sacavém, se bem que mais diminutas, viu-se obrigado a realizar intervenções nas igrejas, visando a sua reabilitação e conservação. Essas intervenções, pouco ou nada documentadas, passaram também pelo restauro de objectos de culto, operações algo ensombradas pela tipíca desconfiança das populações.

Ordenado na década de 40, o padre sentiu necessidade, certamente, de ajudar a repor uma ordem perdida, recristianizar as populações e mesmo os templos, o que passava indispensávelmente pela sua recuperação e dignificação. O conhecimento das populações, o aproximar à sua realidade, permitiria um crescente conhecimento das suas necessidades religiosas e da sua história; a partir dessa base, indispensável à correcta actuação não só prática mas também burocrática, terá assim iniciado um importante processo, que sempre discutível, se mostrou crucial.

No caso de Sacavém, a sua paróquia, a única onde exerceria o sacerdócio até ao fim dos seus dias, o padre Filinto acabou por continuar e concretizar intenções que parecem já reportar ao anterior pároco, o padre António Jacinto Marques. De facto, tal como já mencionámos anteriormente, em 1941 o dito padre enviou um requerimento à Administração Geral do Exército com a finalidade da dispensa da igreja417

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SPatr/DIE, 13/06/1951

; a resposta terá sido negativa e como podemos constatar pelas datas, logo em 1942 era já outro o pároco à frente dos destinos religiosos da localidade. Constatamos porém, que não é de

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imediato que o padre Filinto actua, pelo menos de uma forma oficial. O conhecimento da localidade, das suas necessidades, o inteirar-se do processo já iniciado e o tomar de posições, terão levado a um compasso de espera, que levaria a que apenas em 1948418

“ I – A igreja existente nêste Regimento está hoje dividida em 2 pavimentos. II – O 1º é

ocupado pelo material de artilharia e respectivos carros e tractores mal acondicionados por defeciência de espaço. III – No 2º, assente sobre grossa e sólida divisão de cimento armado, e constante de 2 salas, encontra-se a sala de mecânica com chassis, mesa de demonstrações eléctricas e sala de Transmissões (…). IV – Ainda uma parte é aproveitada para armazem de material de aquartelamento. V – Ao pavimento inferior dão acesso dois portões de ferro um dos quais não existia no templo. VI – Sinos, azulejos, côro, sacristia e abobada da capela mor não existem. (…)”.

fosse feito um novo pedido com vista à restituição da igreja, pedido esse que, como já referimos, também ele foi parcialmente recusado (a igreja não poderia ser dispensada até estar concluído um parque e pavilhão).

A devolução da igreja em 1956, depois de um burocrático processo em que o padre mostrou ser um hábil e incansável diplomata, acabou por pôr a nu o péssimo estado em que a igreja se encontrava e as avultadas obras que teriam de ser realizadas.

Em 1951, poucos anos antes das obras realizadas pelo padre Filinto, em informação detalhada, facultada ao Ministro da Guerra, dava a conhecer a sua utilização:

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Noutro documento do mesmo ano (1951) é referido ainda pela C.A.N.I.E., a quem competiram as obras de separação do quartel e que viria a desempenhar, como constataremos, um papel mais activo do que seria “normal” na reabilitação da igreja, que “Sobre as obras de reintegração da Igreja no seu estado privativo (sic? / primitivo)

nada podemos dizer visto que desconhecemos como se encontrava” e que “quanto ao destino dos lambris de azulejo e a qualquer outras decorações nada pode informar esta Direcção. De facto em 1929 e 1932 foram executadas obras de adaptação da Igreja a Parque, Salas de Mecânica e de Transmissões etc, mas nos respectivos processos não há qualquer referencia a respeito de tais decorações.”420

A igreja tinha sido “transformada” e poucos ou nenhuns registos existiam que testemunhassem as alterações realizadas; já em 1951 nada se sabia sobre a transferência dos azulejos, decisão interna de que deveria existir registo mas que, possívelmente, terá

418 SPatr/DIE, 13/06/1951 419 SPatr/DIE 26/04/1951 Cx. nº4, Proc. nº14 420 SPatr/DIE 13/06/1951

157 acabado por ser uma decisão “privada”, não oficial e por isso mesmo, não obrigatóriamente registada.

Em 1951, poucos anos antes da sua entrega existia, portanto, uma igreja dividida em dois pisos, a servir de garagem, armazém, salas de mecânica e transmissões… pouco ou nada sobraria ou testemunharia a sua anterior utilização a não ser o que restava de uma estrutura mais ou menos alterada, sucessivamente e abruptamente adaptada às pouco nobres funções que então exercia.

No livro do padre Filinto Ramalho, A Nossa Igreja Matriz de Sacavém. Memoração421

A entrega da igreja por parte do exército implicou, como já vimos, uma separação física entre o quartel e a igreja, que deixasse bem definidos espaços e “domínios”. Como constatamos pelas fotos mais antigas, a Praça da República e os acessos à igreja eram bem diferentes daqueles que hoje conhecemos, e essa obra, teve como intervenientes não só a Igreja, mas também a C.A.N.I.E., Comissão Administrativa das

, encontramos a única fonte que nos permite conhecer, na primeira pessoa as obras realizadas na igreja aquando da sua devolução. De facto, não existem outros registos, que relatem as obras efectuadas; o facto das obras serem independentes do Patriarcado de Lisboa, não existindo intervenção dos seus arquitectos e por conseguinte das “Novas Igrejas”, leva a que hoje ali não encontremos, práticamente, quaisquer registos (apenas dois ou três cortes de alçados que ali foram parar sem qualquer processo adjacente). Apesar da obra do Padre Filinto ser reconhecida, e o seu nome ser lembrado no Patriarcado de Lisboa, os registos naturais de uma obra que englobou outras vertentes, simplesmente não existem.

O arquivo da igreja, ou mesmo pessoal, do pároco, poderia ser outra fonte de informação; certamente existiriam registos pessoais, cópias de cartas e toda uma documentação relacionada com a igreja e com as suas obras, que acabou por desaparecer no incêndio na casa paroquial que o vitimou a 1 de Dezembro de 2001; restou, porque se encontraria numa zona não afectada, uma pasta com plantas, alçados, etc., das obras realizadas. Mais alguma, pouca, documentação existirá, infelizmente inacessível… O livro do padre Filinto é, no entanto, uma fonte inestimável de informação, uma vez que nos fornece dados na primeira pessoa, acabando por ser um repositório que nos permite identificar mais ou menos fácilmente as obras realizadas.

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Novas Instalações do Exército; esta comissão vocacionada essencialmente para a construção de novos quartéis e remodulação dos existentes, ficou encarregue, como pudemos ler em alguns documentos e, como refere o Padre Filinto, da construção dos muros de separação do quartel, assim como também dos acessos.422

O padre Filinto Ramalho, na sua obra

No entanto, rápidamente constatamos, apesar do pároco não o referir, que a intervenção da dita comissão foi muito mais profunda, extrapolando mesmo as funções que lhe estariam atribuídas; a existência de uma pasta em que o nome da Comissão se destaca e a constatação do seu conteúdo – as diversas plantas das obras de restauro da igreja, igualmente assinadas pela C.A.N.I.E e pelo seu arquitecto Marciano Rodrigues (Figs.21-35) – deixa-nos perceber, sem margem para dúvidas, que a colaboração do Exército na obra foi de grande importância. Não encontrámos, porém, para além destes factos evidentes, registos que expliquem o porquê da intervenção da comissão; terá sido uma contribuição “semi-clandestina” baseada em conhecimentos e amizades? Muito possívelmente. A proximidade do quartel e dos militares permitiria um tipo de relacionamento próximo e cordato que fácilmente poderia gerar troca de favores…

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Exteriores

, refere de uma forma clara o estado da igreja e das obras de restauro que ali realizou; são suas estas palavras:

- “Quando se devolveu a igreja, no ano de 1956 e as dependências com áreas envolventes, em 1960, o Estado tomou à sua responsabilidade construir os muros de separação do Quartel –

Artilharia Pesada 1 – assim também os acessos.

Competiram esses trabalhos à “Comissão Administrativa das Novas Instalações para o Exército”. pp 55-56

- “Antes destas três desanuviadas plataformas e suas escadarias,

chegávamos à soleira da porta principal da igreja, por terra solta, íngreme, como também, de norte, às portas do rés-do-chão do actual “presbitério”. Ainda lá se conserva uma argola de ferro a que,

outrora, se prendiam animais de transporte, mesmo ao lado de uma entrada.

Por oneroso desaterro, conseguiu-se, ali a norte, um largo terreiro plano, fronteiro e ajardinado.” p.56

- “(…)muralha – contraforte (…) foi há distantes anos, construída pela Câmara Municipal de Lisboa. Porque inacabada e rude, quisemos dar-lhe melhor apresentação na parte que cerca o adro e residência paroquial.” p.56

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RAMALHO, 1994, pp.55-56

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159 - “(…) dependências. Foram elas construídas por nós – anos 60-

como todas as suas vultuosas cornijas e cimalhas, incluindo as do corpo da capela-mor, a norte.” p.56

- “Os degraus da torre, antigamente, subiam cobertos até aos

existentes, de pedra; tivemos de perfurar um cunhal interior, a fim de pouparmos espaço e atingirmos estes por meio de uma escada férrea de caracol.”pp.56-57

- “Certamente as antigas dependências eram simples.” p.57

- “ (…) grande portal de entrada. O patamar (…) apresenta degraus

esbeiçados. Deixamo-los assim para que nos recordem a vetustez e a

inconsciência. (…) Todo patamar estava soterrado, as ombreiras, a

verga e tímpano que se lhes sobrepunham, tinham sido destruídos

para que os chamados “matadores”passassem.

“Matadores” eram pesados camiões que puxavam as peças de artilharia e carregavam munições.

Este portal, aformoseando-se de coloridos mármores encaixados,

encimava-o a cruz… desaparecida e, provavelmente, semelhante à que agora se fixa.” p.57

- “Regressemos ao adro…

(…). Vêem, no alto, as agulhas culminantes dos pilastrões? Nós as mandamos executar. E aquelas gárgulas? Nós as restauramos como, à maneira dos originais, os azulejos, da torre sineira.

(…) cruz sobre os telhados e na vertical do arco cruzeiro (…) Reconstruímo-la.” p.65

- “E montou-se um relógio cujos ponteiros avançam num mostrador

secular.” p.65

- “São novos os sinos…” p.66 (Fig.66)

- “Em posse do Ministério do Exército, aqueloutra torre não tem

sinos. (…) e noutros tempos convocava as freiras, no mosteiro ou da cerca de clausura. Entre as obras levadas a bom termo, no mosteiro, decorre a de urgente consolidação e restauro dessa torre.”p.66

Interiores

- “(…) Fonte Baptismal, à esquerda, no eixo da Igreja. O vão em cujo fundo vemos um díptico – pintura contemporânea de Graça Antunes – a representar o Baptismo de Jesus era, na origem ladeado

por outros dois grandes vãos, ocultos há muito tempo sob as alvenarias desta parede fundeira e estes, arqueados, facultavam também passagem à Comunidade Clarista. De mármore a taça

maior, ali, reza a tradição, em Sacavém, que proveio da residência do alcaide mouro.” p.58 (Figs.74,75)

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todo ele se esquadrejava de sepulturas, que todas foram violadas

sem qualquer excepção, que os tampos de pedra lioz foram partidos, excluindo alguns apenas danificados, expostos em lugar visível mas

reservado, no exterior.

Ao reconstruir-se o edifício mantivemos, quanto possível, esse mesmo esquadrejamento.” p.58

- “ No tempo da ocupação, para disporem de um segundo piso,

resolveram construir uma grossa placa de cimento armado, a toda a

extensão do templo. Ainda nos lembramos de como foi trabalhoso demolir essa monstruosidade.” p.58

- “Aqui sobre as sepulturas desalinhavam-se os “matadores” e

artilharia pesada. Na capela-mor depositavam sucata. Quando no

Mosteiro primeiramente se instalou o Quartel de Engenharia, na Igreja instalou-se uma cavalariça.” p.58

- “ O segundo piso, alcançava-se por uma escada de ferro, exterior,

que dava entrada por aqueles dois janelões a meio do alçado norte.

Deparávamos com salas de aula: mecânica, telecomunicações e depósito de material dessas especialidades.” p.58 (Fig.65)

- “Decoram estes alçados interiores, nove painéis de azulejo – estilo

D. João V, que representam a Mãe de Jesus, sua divina e maternal relação.

Assinaram dois idosos e excepcionais pintores cerâmicos, da “Fábrica da Loiça de Sacavém”, falecidos: pela figuração, António Mourinho e, pela composição ornamental, Abel Santos.

Tão preciosa galeria deve-se à magnanimidade dos então principais proprietários da Fábrica: Herbert Gilbert e Laura Gilbert sua esposa.” p.59

- “Antigamente, estas paredes ostentavam azulejaria de mais

esplendor ainda e desenvolvendo aquele interessantíssimo tema

bíblico da vida de José do Egipto que fora vendido pelos irmãos. (…)

Há menos de cinquenta anos, alguns desses magníficos painéis

foram empregues, atabalhoadamente, numa das dependências hoje da igreja. (…) serão estudados e respeitados.” p.61

- “A um lado e a outro, onde cerca se localizam esses

confessionários há, por dentro das paredes, estreitas escadas de

pedra que levavam os oradores sagrados aos púlpitos. Actualmente,

serve de púlpito aquela tribuna sinalizada pelo “crismon”.

A escada de acesso ao balcão também passa por dentro da parede

norte.” p.62

- “As arcarias foram habilmente restauradas de tantas e tão graves

delapidações. Houve que talhar de raiz volumosas peças de

cantaria.

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piso, acertassem uma face divisória de tijolo.”

- “ Na reconstrução, aprumados os alçados interiores, colocaram-se

novas cantarias em janelões e restauraram-se as exteriores.” p.62

- “ Neste segundo plano do pavimento, aqui o transepto, vemos dois

altares mas, originariamente, eram mais dois: no sopé dos arcos laterais, em frente.” p.62

- “Proveem deste mesmo templo (antes de ocupado) quase todas as

esculturas expostas e talvez o sacrário ou tabernáculo.

… S. José e Santa Ana com os seus baldaquinos, estupendamente; a grande imagem da Padroeira de Sacavém, Nª. Sª. da Purificação com o Menino – séc. XVIII – em sua mísula, Rainha; o Crucifixo, ao fundo, gloriosamente. Exceptua-se Miguel o Arcanjo.

A escultura da Padroeira fora serrada, pela linha de encontro das

vestes com a base que se perdeu. (…) nos princípios de 1960, mandámos esculpir-lhe uma base, dourar a ouro fino e estofar a obra completa. (…) tive a honra de, ao estilo, desenhar o ceptro que ostenta de Soberana.” pp.62-63

- “ Subindo-se a esta terceira plataforma do pavimento – Capela-

Mor – logo ao atravessar-se o arco-cruzeiro, a meio, numa lage

circundada por formosos ornatos de mármore negro e rosa, podia ler-se claramente, ainda não há muitos anos, o epitáfio seguinte:

− “Aqui jaz Manuel de Moura, falleceo a 28 de Abril de 1549, e sua mulher que falleceo a 13 de Abril de 1551. Pay e May de Miguel de Moura fundador e Padroeyro deste Mosteyro que lhes deu por Sepultura toda esta Cappella Mor, em a qual ninguem mais se poderá enterrar, nem em todo o Cruseiro, salvo no pé dos alatres delle”.

p.63

- “ O altar-mor que se nos depara, seu enquadramento e perspectiva,

correspondem a um período contemporâneo da evolução litúrgica e aquele tecto como que por si mesmo é um docel não obstante, de

origem, se delinear em abóbada de canhão.” p.63

- “ Aquele sacrário, vemo-lo colocado lateralmente. (…)

Antigamente porém a Capela-Mor não era assim. Ao topo,

alcançava-se o trono do Santíssimo, em talha dourada a ouro fino que, imaginando-se pela traça dos baldaquinos, devia ser magnífico. (…)

O trono era Barôco (…). Na base do trono fixava-se o sacrário; mais abaixo e aquém, assentava o altar-mor.” p.64

- “ (…) para o alçado fundeiro da nave ilumina-se, presentemente,

um vitral de magestoso lineamento e composição inspirada, figurando a Glória da Mãe de Deus. (…)

Por trás do vitral, há um espaço delimitado pela cantaria de outro

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A esse espaço vai dar mais uma escada pétrea demasiado apertada que, do exterior norte, abre entre pilastrões pela parede do fundo. Ao meio do dito espaço, acendia-se um lampadário ao Santíssimo Sacramento e as Clarissas rezavam e cantavam as “horas”, no seu coro (…).” pp.64-65

- “ O amplo balcão abaixo do vitral e a que vulgarmente chamam

“côro”, foi todo ele por nós construído. Seu pavimento desce em

acomodíticos degraus, para que a igreja proporcione maior lotação, visibilidade e participação correcta das assembleias sagradas na Liturgia.” p.65

- “ Uma terça parte das nervuras da grande abóbada, todas as

pequenas e grandes cantarias devastadas recompuseram-se; a igreja cujas paredes medem dois metros e meio de grossura … (…).” p.65

Constatamos assim que, como já tínhamos tido conhecimento por documentos

anteriores, a igreja se encontrava ocupada e utilizada de uma forma bastante “violenta” para com a sua inicial estrutura e utilização. De facto, os estragos, fruto desta ocupação eram muitos e alguns de difícil ou quase impossível resolução; foi necessário desenvolver um vasto trabalho que passou, não só pela “simples” reconstrução / restauro, mas igualmente pela construção de novos acessos e dependências necessárias a um bom e independente funcionamento da igreja.

O imóvel então recuperado guardava dois testemunhos – algumas características do passado religioso (algumas estariam ainda visíveis aquando da sua devolução e que, eventualmente, serviram de base às referências que o padre Filinto utiliza quando se refere ao passado), mas também as “feridas”do seu passado militar.

As modificações ocorridas durante o período de ocupação efectiva da igreja pelos militares foram duras para com aquela estrutura e implicaram a destruição de muitos elementos decorativos e até mesmo estruturais que tiveram de ser refeitos; a abertura de um portão na capela da fachada Sul (Fig.71), a construção da placa de cimento armado (2º piso) (Fig.64), são, talvez, no nosso entender, os exemplos mais flagrantes de uma acção que teria tido outros “efeitos secundários” e que teria obrigado a uma recuperação total da igreja. Não nos esqueçamos, porém, do péssimo estado em que a igreja já se encontrava aquando da sua entrega ao Ministério da Guerra; de facto, as descrições e chamadas de atenção de alguns documentos, são reveladores do mau estado em que a igreja se encontrava já no séc. XIX e que teria tido o seu auge nas primeiras décadas do

163 séc. XX (Figs.40,41) (já sob a alçada militar). A sua adaptação, com todas as modificações realizadas, não teria contudo, grande preocupação na sua recuperação – o telhado certamente terá sido arranjado, mas tudo o resto seria secundário e com finalidades meramente funcionais.

O padre Filinto “herdou” assim, muito mais de meio século de “abandono” e negligência. Como pudemos constatar, descreve-nos a “violência” da ocupação militar e a forma como encontrou a igreja – a destruição produzida pelos “matadores” (pesados camiões para transporte de peças de artilharia e munições), no portal de entrada e patamar (Fig.70); a violação das sepulturas sobre as quais se encontravam os “matadores” e a artilharia pesada; o depósito de sucata na capela-mor; a placa de cimento armado que permitia a existência de um 2º piso, alcançável por escada de ferro exterior (Fig.65) que dava entrada pelos janelões do alçado norte e onde estavam as salas de aula de mecânica, telecomunicações assim como depósito de material; o acesso forçado à capela-mor pela sacristia primitiva (Fig.68).

O padre deparava-se então com um quase megalómano projecto de reconstrução, a que os seus critérios e sensibilidade presidiam. Refazer a igreja arquitectónica, religiosa e “artisticamente” era uma tarefa que exigia método e disciplina.

Em síntese do atrás exposto, foram estas as obras então efectuadas:

Exteriores

- Envolvente: construção dos muros de separação do quartel (obra a cargo da C.A.N.I.E.); arranjos exteriores do acesso à igreja (entrada Praça da República – adro/ escadarias); arranjo da muralha

- Dependências: construção de algumas (já nos anos 60)

- Reconstrução/ restauro de: cornijas, cimalhas, cantarias dos janelões, portal (ombreiras, verga, tímpano e cruz), agulhas dos pilastrões, gárgulas e azulejos da torre sineira, relógio

- Desaterro do patamar do portal de entrada

- Encerramento do “portão” aberto na capela da fachada Sul - Colocação de novos sinos

- Novo acesso à torre através de escada férrea de caracol (perfuração de cunhal interior) para poupança de espaço

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Interiores

- Novo baptistério - Novo pavimento

- Demolição da placa de cimento armado (2º piso) - Introdução de novos painéis de azulejo