• Nenhum resultado encontrado

O Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém: entre a secularização e as propostas de reutilização cultural

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém: entre a secularização e as propostas de reutilização cultural"

Copied!
467
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA. O Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém – entre a secularização e as propostas de reutilização cultural. Rute Andreia Massano Rodrigues. MESTRADO EM ARTE, PATRIMÓNIO E TEORIA DO RESTAURO 2010.

(2)

(3) UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA. O Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém – entre a secularização e as propostas de reutilização cultural. Rute Andreia Massano Rodrigues. DISSERTAÇÃO ORIENTADA PELA PROFESSORA DOUTORA MARIA JOÃO BAPTISTA NETO.

(4)

(5) À Cidade de Sacavém.

(6)

(7) ÍNDICE. Agradecimentos ......................................................................................................... p.11 Resumo ....................................................................................................................... p.13 Abstract ...................................................................................................................... p.14 Abreviaturas .............................................................................................................. p.15. Introdução .................................................................................................................. p.17. Capítulo I: Origens, existências passadas e presentes 1. Primórdios 1.1. Miguel de Moura .............................................................................................p.25 1.2. Sacavém...........................................................................................................p.27 1.3. A Fundação: razões e história .........................................................................p.28 1.4. A Relíquias ......................................................................................................p.48 1.5. Sacavém, batalha, fama e virtude em fontes dos séculos XVII e XVIII .........p.52 1.6. Vida conventual...............................................................................................p.55 2.. Património: origens, existências passadas e presentes. 2.1. Origens ............................................................................................................p.62 2.2. O quartel mosteiro ...........................................................................................p.64 2.3. O interior do antigo mosteiro ..........................................................................p.68 2.3.1. O claustro ..............................................................................................p.71 2.3.2. A Sala do Capítulo ................................................................................p.74 2.3.3. O restante espaço ..................................................................................p.76 2.4. A igreja ............................................................................................................p.78 2.4.1. A antiga igreja e os painéis de José do Egipto ......................................p.85 2.4.2. As pedras tumulares ..............................................................................p.92. Capítulo II: Secularização: causas e consequências 1. A extinção das ordens religiosas e as suas repercussões ....................................p.97.

(8) 2. O “convento” em 1902 – utilização e organização ...........................................p.113 3. O edifício da igreja em finais de oitocentos, início de novecentos ...................p.117 4. Sacavém, o Convento e a Igreja em fontes de oitocentos e novecentos ...........p.119 5. Os Militares e a República – Sacavém Republicana ........................................p.122 6. A nova utilização, a nova História - a entrega da igreja ao Ministério da Guerra e a sua conservação: o caso do “lambris de azulejo”...........................................p.128 7. Sacavém cenário da Revolução/Golpe Militar de 28 de Maio de 1926 ............p.143 8. O Quartel em 1927 – a igreja ocupada..............................................................p.146 9. A recuperação da igreja e o seu restauro ..........................................................p.148 10. Transformações 10.1. As ocupações e os restauros (séculos XVII-XX) .......................................p.152 10.2. A obra do Padre Filinto Ramalho ................................................................p.155 10.2.1. Obras / Critérios .................................................................................p.165 11. O “convento” e a igreja hoje ...........................................................................p.168. Capítulo III: O legado patrimonial 11. Soluções de Salvaguarda – O Convento de Nossa Senhora dos Mártires, Reutilização/Musealização 1.1. A Preservação do Património/Identidade ......................................................p.175 1.2. O Convento de Nossa Senhora dos Mártires .................................................p.178 1.3. Quinta do Conventinho - exemplo a seguir? ................................................p.180 1.4. Sacavém e o património - futuro ...................................................................p.181 1.5. Solução? Perspectivas ...................................................................................p.184 2. O “novo convento” – um projecto para o antigo Convento de Nossa Senhora dos Mártires de Sacavém 2.1. O Convento hoje............................................................................................p.187 2.2. Projectos: soluções para o futuro? A sustentabilidade: a importância de uma “visão empresarial”; escolhas/alternativas ....................................................p.188 2.3. Uma nova orgânica: um novo espaço cultural para a cidade e para o concelho .......................................................................................................................p.189 2.4. Reflexões .......................................................................................................p.190 Conclusão ................................................................................................................. p.199.

(9) Fontes e Bibliografia................................................................................................ p.203. Apêndice Documental ............................................................................................. p.217. Apêndice Gráfico ..................................................................................................... p.289.

(10)

(11) AGRADECIMENTOS. Não podemos deixar de agradecer a todos aqueles que directa ou indirectamente contribuíram para a concretização desta Tese de Mestrado; não só à família, que desde sempre nos incentivou, mas aos professores, colegas e amigos. Agradecemos, como não poderia deixar de ser, à nossa orientadora, a Professora Doutora Maria João Neto que, pacientemente, nos esclareceu e orientou nesta difícil tarefa; ao Professor Doutor Fernando Grilo que nos dissipou as primeiras dúvidas e nos incentivou desde o primeiro momento; ao Professor Doutor Vítor Serrão que, logo à partida, se mostrou entusiasmado com um estudo sobre o tema. É, também importante, agradecer aos colegas (e amigos), em especial à Maria do Carmo e ao Jorge que, pacientemente, nos ajudaram e sem os quais tudo teria sido mais difícil. Não esquecemos também o incentivo e ajuda de um ilustre sacavenense, o fotógrafo Eduardo Gageiro, que para além de ter fotografado connosco o espaço do antigo convento, partilhou (e partilha) as nossas angústias quanto ao futuro daquele espaço. Lembramos, e agradecemos à D. Piedade, entretanto falecida, a sua disponibilidade, facilitando-nos, o contacto com a igreja de Sacavém. Ficamos, igualmente, reconhecidos à Junta de Freguesia de Sacavém, na pessoa do exPresidente, Sr. Fernando Marcos, cujo contacto com o Coronel Cavaleiro, na altura Comandante do Regimento de Transportes (a quem também agradecemos), permitiu a nossa primeira visita ao Quartel. Queremos, também, deixar uma palavra de agradecimento para as facilidades concedidas na pesquisa documental, na maioria dos arquivos por nós consultados, em especial, por parte da Direcção de Infra-Estruturas do Exército assim como do Arquivo da Academia Nacional de Belas-Artes, fundamentais para a investigação. A todos o nosso muito obrigada.. 11.

(12) 12.

(13) RESUMO Como consequência do processo de secularização foram muitos os conventos que viram o seu destino mudar radicalmente; ocupados para os mais diversos fins, o seu futuro seria transformado para sempre. O antigo convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição em Sacavém, fundado no último quartel do séc. XVI pelo Governador de Portugal Miguel de Moura, mas cuja história se embrenha, pela localização, na própria fundação da nacionalidade, faz parte desse conjunto de instituições que conheceram uma nova utilização. A sua entrega ao Ministério da Guerra, primeiro só do espaço conventual, mais tarde da sua igreja que, entretanto, se tinha tornado matriz, implicou a adaptação dos espaços às novas funções e, em parte, a sua “destruição”. A recuperação da igreja para o culto, em meados do séc. XX, por parte do Padre Filinto Ramalho, representou uma conquista, que implicou um intenso trabalho. A sua ocupação e utilização como extensão do quartel deixaram as suas sequelas, interna e externamente, tal como o que aconteceu no início do mesmo século, em que esteve quase ao abandono, consequência do longo processo burocrático que envolveu o Conselho de Arte e Arqueologia e a Comissão dos Monumentos. O séc. XXI, e a venda de património do Estado, levou o espaço do antigo convento a conhecer, mais uma vez, uma nova etapa; com um património histórico e artístico significativo, entretanto delapidado, pelo furto de parte dos seus azulejos, o seu futuro esteve, e de certo modo, ainda está, incerto. A venda dos terrenos do Quartel para a construção de uma moderna urbanização, fez temer o pior, no entanto, aquele espaço irá sobreviver, à partida, como centro cívico, uma designação incerta e subjectiva; a sua reutilização como espaço cultural, pelo menos em parte, continua em aberto e as propostas apresentam-se.. Palavras-chave: Sacavém, Convento, Secularização, Igreja, Reutilização. 13.

(14) ABSTRACT Many convents saw their destiny profoundly changed as a logical inference of the secularizing process; they were occupied for the most different purposes and their future was changed forever. The old convent of Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição, in Sacavém, was founded by Miguel de Moura, Governor of Portugal, in the last quarter of the 16th century but, its history and localization mixed it deeply into the foundation of our nationality and belongs to a group of institutions that knew a new utilization. Its delivery to the War Office, at first, the conventual space, later the church, which had, meanwhile, become the mother church, involved the adaptation of the spaces to the new functions and, partly, to its “destruction”. The recuperation of the church, in the middle of the 20th century, by priest Filinto Ramalho, was considered a conquest, which involved an intense work. Its occupation and utilization as an extension of the military quarters, left their internal and external sequels, just like what happened in the beginning of the same century, when it was almost abandoned, proceeding from the long and bureaucratic process which envolved the Council of Art and Archeology (Conselho de Arte e Arqueologia) and the Commission of Monuments (Comissão dos Monumentos). The 21th century and the sale of State patrimony, led the space of the ancient convent to know, once again, a new stage; with a significant historical and artistic legacy however dilapidated – some of its ornamental tiles were stolen – its future was, and still is, uncertain. The sale of the space of the military quarters in order to build a modern urbanization, made us fear the worst; however, that space will survive as a civic centre – a subjective and uncertain designation; its reutilization as a cultural space, even partially, is only a project and the ideas are introduced.. Key-words: Sacavém, Convent, Secularization, Church, Reutilization. 14.

(15) ABREVIATURAS •. AANBA – Arquivo da Academia Nacional de Belas-Artes. •. ACMF – Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças. •. AFML – Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa. •. AHMF – Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. •. AHM – Arquivo Histórico Militar. •. AHU – Arquivo Histórico Ultramarino. •. ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo. •. BNP – Biblioteca Nacional de Portugal. •. CANIE – Comissão Administrativa das Novas Instalações do Exército. •. CDABF – Centro de Documentação Anselmo Braamcamp Freire. •. DIE – Direcção de Infra-Estruturas do Exército. •. GEAEM/DIE – Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar / Direcção de Infra-Estruturas do Exército. •. IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana. •. IS – Igreja de Sacavém. •. MNEJ – Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça. •. MOP – Ministério das Obras Públicas. •. MNAA – Museu Nacional de Arte Antiga. •. NI/PL – Novas Igrejas – Patriarcado de Lisboa. •. SPatr/RPGP/DIE ou SPatr/DIE – Arquivo do Tombo da Secção de Património, da Repartição de Planeamento e Gestão do Património, da Direcção de Infra-Estruturas, do Comando da Logística do Exército.. 15.

(16) 16.

(17) INTRODUÇÃO Habitar num local, devia implicar não só conhecê-lo minimamente mas vivê-lo e, essa acção, decorre muitas vezes do maior ou menor interesse que a história e o património despertam naqueles que o habitam. O espaço ocupado pelo quartel de Sacavém, antigo convento, foi, até há poucos anos, um espaço com passado mas que, fazendo parte da comunidade, e com justificação de existir, com vida própria, acabava por viver num estado de torpor, pacificamente, na história da localidade; nunca esteve ignorado por aqueles que têm raízes em Sacavém, mas para outros era apenas um edifício que, camuflado, era o Quartel. A partir do momento em que é transformado em Batalhão de Adidos, notou-se o crescente “abandono” do espaço que indiciava um final próximo. Para os habitantes mais recentes não passava de um edifício velho e degradado que precisava de ser destruído para que a modernidade se apoderasse do espaço – a venda de Património do Estado acabou por ditar o seu destino. O tema Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém surgiu, pois, numa altura em que o seu futuro se encontra por definir. De facto, a sua escolha, prendeu-se, sobretudo, não só com a proximidade com o local mas, essencialmente, com as circunstâncias e com o tempo em que foi tomada. O património histórico e artístico que encerra, mais de quatro séculos de história, onde se condensaram aspectos religiosos e militares, da sua existência enquanto quartel, transformaram-no num espaço único, exemplo privilegiado da forma como um espaço evolui e como certos processos influenciam, a longo prazo, a sua existência. Detentor de um património azulejar significativo e uma arquitectura onde ainda se vislumbram aspectos da sua construção inicial (finais do séc. XVI, séc. XVII), que demonstram a qualidade artística do projecto, o antigo espaço conventual encerra um conjunto que vale pelo seu todo. Simultaneamente, as transformações e ocupações de que foi sendo alvo, proporcionaram-lhe características próprias, fruto de obras, restauros, necessidades logísticas. Numa altura de mudança, é obrigatório rever o seu passado, perceber a sua evolução e destacar o seu património, enfim, o que, e como, deve ser preservado para o futuro. O seu estudo revela-se fundamental, senão para a correcta manutenção do espaço, para deixar um testemunho sobre a sua existência, sobre o seu estado presente.. 17.

(18) Esta acabou por revelar-se uma oportunidade única, de certa forma a última dentro dos actuais parâmetros, para aquele espaço ser estudado; desde que a investigação foi iniciada, o abandono a que o local foi votado, deixou-o vulnerável a furtos e parte do seu património azulejar foi delapidado. As fotografias, tiradas no início deste processo, são hoje documentos importantes, contrastantes com o seu estado actual. No que se refere à igreja matriz, antiga igreja conventual, as suas características, o processo de ocupação e de restauro, sempre levantaram algumas questões, para as quais não se encontravam respostas concretas ou, pelo menos, completas. Quer o antigo convento, quer a igreja, nunca tinham sido alvo de um estudo aprofundado, facto que veio a ser confirmado no decorrer da investigação. De facto, para além de diversas fontes (dicionários, enciclopédias, corografias, de entre as quais se destacam as menções feitas por Pinho Leal 1) que fornecem alguns dados sobre o objecto de estudo, não existem trabalhos sobre o tema. Ainda assim, existe alguma bibliografia que deve ser mencionada – indirectamente, para além das fontes do séc. XIX, que lhe dedicam poucas linhas, apenas dois autores se debruçaram sobre o antigo convento, já no séc. XX, não analisando em detalhe, aquilo que resultou da secularização, o processo e as suas consequências – Francisco de Sales Mascarenhas Loureiro e o Padre Filinto Ramalho. Na sua obra “Miguel de Moura (1538-1599) Secretário de Estado e Governador de Portugal” 2, Mascarenhas Loureiro obrigatoriamente refere o mosteiro, a obra da vida do protagonista; este estudo revelou-se fundamental uma vez que, para além de ser um estudo profundo sobre a vida e obra do fundador, é revelador de documentos que o autor encontrou na Biblioteca de Paris. Reservando um capítulo à fundação do mosteiro, que à partida poderia revelar-se suficiente para se entender a fundação, com datas e outros aspectos, verificou-se que certos pormenores (importantes) foram secundarizados e que ao contrário do que seria desejável, um documento importante como eram as “Notícias do Convento […]”, com dados absolutamente credíveis, foi analisado em separado e que, não sendo feito o estudo integrado dos documentos, as datas não surgiam cronologicamente, dificultando o correcto entendimento do processo de fundação. Revelou-se, pois, obrigatório reler os 1. LEAL, Augusto Barbosa de Pinho, “Sacavem”, Portugal Antigo e Moderno: Diccionario geographico, Estatistico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico & Etymologico de Todas as Cidades, Villas e Freguesias de Portugal e Grande Numero de Aldeias, Vol.VIII, Lisboa, Livraria Editora de Matos & Companhia, 1878, pp.310-319 2 LOUREIRO, Francisco de Sales de Mascarenhas, Miguel de Moura (1538-1599). Secretário de Estado e Governador de Portugal, Lourenço Marques, [s.n], 1974. 18.

(19) documentos apresentados, transcrever as “Notícias do Convento […]” e fazer o seu encontro, produzindo desta forma, uma luz diferente sobre o assunto, que permitisse estabelecer bases mais sólidas. No que se refere ao Padre Filinto Ramalho, prior da freguesia durante décadas e responsável pela recuperação da igreja, anteriormente ocupada pelo exército, é, essencialmente, no seu livro “A Nossa Igreja Matriz de Sacavém. Memoração” 3, de 1994, que o prior passa levemente em revista a história do convento, necessária para explicar e enquadrar a igreja; aproveita então, para descrever o estado e as obras realizadas – é um documento importante, uma vez que juntamente com documentação encontrada em alguns arquivos, permite um relato na primeira pessoa do estado do imóvel e obras então ali realizadas. Ainda assim, muitas questões ficavam por responder. Foi através da consulta dos mais diversos arquivos que foi possível ficar a conhecer mais sobre o seu passado, nomeadamente, sobre os processos de que foi alvo. Para além do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, da Biblioteca Nacional ou do Arquivo Histórico Ultramarino, que permitiram acesso a documentos anteriores à extinção, fornecedores de informações preciosas, a pesquisa de outros arquivos (para além da TT), mostrou-se fundamental para o “refazer” de datas, de burocracias, pós-extinção. A documentação de alguns arquivos, como seria de esperar, acabou por se complementar; a investigação exaustiva do Arquivo da Academia Nacional de Belas-Artes revelou-se essencial, uma vez que deixou visível, um processo, relativo aos antigos painéis de azulejos da igreja, sobre o qual, até então nada se sabia. Algumas das informações ali recolhidas iriam ao encontro das reveladas pelo Arquivo do Tombo da Secção do Património da Repartição e Gestão do Património da Direcção de Infra-estruturas do Comando de Logística do Exército que, a par com o Arquivo Histórico Militar, detinham quase toda a informação sobre o espaço desde que foi entregue ao Ministério da Guerra, passando pela devolução da igreja, até à sua alienação. A par com estes, foram consultados arquivos como o Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças, o Arquivo do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, o Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, o Centro de Documentação Anselmo Braamcamp Freire, o Arquivo Diocesano do Patriarcado de Lisboa (juntamente com o gabinete de arquitectura do Patriarcado – Novas Igrejas), entre muitos outros, num trabalho que pela sua dimensão (e pelo estranho desaparecimento de alguns documentos) se mostrou por 3. RAMALHO, Filinto (Pe.), A Nossa Igreja Matriz de Sacavém. Memoração, [s.l.], ed. de Autor, 1994. 19.

(20) vezes inglório. Um arquivo que poderia revelar-se fundamental seria o da própria paróquia, no entanto, não estaria organizado e aquando do incêndio de 2001 que vitimou o prior, muita documentação terá ardido; desconhece-se o seu conteúdo concreto, mas certamente, muitos documentos terão ficado perdidos para sempre. Uma pasta com o projecto de restauro da igreja (algumas plantas e alçados) foi a única coisa a que se conseguiu ter acesso. O facto de se ter conseguido, através da pesquisa nos diversos arquivos, reunir uma série de novas fontes, não só documentais mas também iconográficas, permitiu estabelecer uma nova base de trabalho, por si só, importante. Através da sua análise e divulgação, estabeleceu-se a abriu-se um novo campo de investigação que pode, e deve, continuar a ser desenvolvido. Devido a ser um tema ainda não explorado sentiu-se a necessidade de dar a conhecer ao máximo aquilo com que se encontra directamente relacionado, o que implicou, não abordar apenas o período que medeia entre a secularização e o presente, mas também dar a conhecer outros aspectos do seu património histórico e artístico, afinal importantes para perceber esse período e para a consciencialização das suas potencialidades e características, a serem valorizadas, para uma eventual reutilização cultural. Ao apresentar uma leitura do monumento, necessária, opções foram tomadas, que se concretizaram na valorização de aspectos relacionados com o seu futuro; de facto sugere-se um modelo de gestão patrimonial, numa reflexão que tem por base a investigação realizada e o conhecimento do meio em que se insere. Procurando realizar uma descrição do antigo convento e da sua igreja, e, sempre que possível divulgar algumas pistas que permitam o seu enquadramento histórico e artístico, não existiu o objectivo de fazer uma profunda análise artística, estabelecer filiações, mas antes, olhar para as suas existências presentes. Em consequência das prioridades estabelecidas, depois de diversas abordagens, achouse por bem dividir esta tese em três grandes capítulos: •. Origens, existências passadas e presentes. •. Secularização: causas e consequências. •. O legado patrimonial. Os respectivos títulos destes três blocos tentam ser reveladores do seu conteúdo; deste modo, o I capítulo relata e analisa a história da instituição até 1834, detendo-se obrigatoriamente, em aspectos relacionados com a fundação do convento e com Miguel 20.

(21) de Moura, seu fundador, e, passa em revista o seu património presente, permitindo, logo à partida, conhecimento do objecto em estudo. O II capítulo revisita a sua história até aos dias de hoje, desde o início do processo de secularização, as suas causas e, sobretudo, as suas consequências (ocupações, transformações). O legado patrimonial a que se refere no último capítulo procura, essencialmente, apresentar um modelo de gestão patrimonial para o espaço do antigo convento / quartel.. Alguns pormenores, suscitaram, algumas dúvidas. A designação a dar à tese, ou, mais propriamente, ao objecto em estudo, levantou logo à partida (e continua a levantar) algumas questões; ficar pela última – quartel – era, de certa forma, limitativo, uma vez que excluía, em parte, a igreja e não destacava aquela que tinha sido a sua génese, da qual, com o avanço da história e com o processo de secularização, muito se alteraria. “Convento” ou “mosteiro”, foi a dúvida que se impôs durante algum tempo. Os documentos designam-no indistintamente das duas formas, embora seja “convento” 4 a prevalecer na maioria; mais importante, foi aquela a designação que passou de geração em geração e que ainda hoje persiste na memória dos poucos sacavenenses que vivem na cidade. Um estudo mais atento, rapidamente conclui que os dois termos se fundem e, mesmo na comunidade eclesiástica a diferenciação entre eles, não é uma questão pacífica. De facto, alguns são da opinião da indiferença de utilização de um ou outro termo; outros porém, defendem acerrimamente a utilização, em casos como este, da designação mosteiro – o Padre Filinto Ramalho, antigo pároco da freguesia, responsável pelas obras levadas a cabo aquando da recuperação da igreja, fazia parte deste grupo e, nomeadamente, na sua “Memória de Sacavém” publicada em 1987 aquando da visita do Cardeal Patriarca esclarece “ a regra conventual distingue-se da monástica substancialmente. Num mosteiro as próprias relações institucionais internas de «monges» e «Abade» são como as de filhos e Pai. «Abade», etimologicamente, significa Pai. Num convento franciscano, as relações desenvolvem-se entre irmãos, horizontalmente. «Frade» é o latino «Frater» que significa irmão e o Superior não é «Abade» nem «Prior» mas Irmão «Guardião» ou «Custódio» ou «Ministro» (de ministrar, servir). À Instituição (conventual) Clarista, porém, sempre se chamou «Mosteiro» («Abadia») e à Superiora «Abadessa» mas todas as demais são «Freiras» 4. Ambas as designações surgem logo na primeira documentação relacionada com a instituição; à medida que o tempo avança, nomeadamente, no séc. XIX, é a designação convento que acaba por prevalecer na mais diversa documentação (mesmo interna).. 21.

(22) não «monjas» (…).” 5 Então, as clarissas, apesar de estarem relacionadas com a Ordem de São Francisco, uma Ordem Mendicante, por serem mulheres e, principalmente, por pertencerem a uma ordem de clausura, essencialmente contemplativa, viviam na designada instituição “mosteiro”; de certa forma, a vida de clausura a que estavam sujeitas, entrava em oposição com a vida de pregação, mendicidade e pobreza dos seus irmãos franciscanos, que viviam em conventos… Simultaneamente, existem aqueles que defendem que os conventos se encontravam junto ou dentro da malha urbana (o que facilitaria a sua subsistência e pregação) e os mosteiros fora dela; em Sacavém, por esta teoria, enquadra-se mais na primeira versão. Indo sobretudo deter-se sobre o período final da sua história, tendo em atenção aspectos da memória colectiva e não esquecendo a importância percentual da designação convento, optou-se então, por esta, que pouco difere do título do documento datado de cerca de 1613 – “Notícias do Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém”. 6 A inserção da actual igreja matriz de Sacavém nesta tese foi outro aspecto que, inicialmente, suscitou algumas dúvidas – “não era”, ao contrário do espaço do antigo quartel, um património em risco, não se encontrava a passar por nenhum processo que pusesse em causa a sua existência; no entanto, rapidamente se percebeu que enquanto antiga igreja conventual, era inevitável uma abordagem deste espaço. A descoberta do complexo processo relacionado com os antigos azulejos da igreja, que implicava uma série de instituições, entre elas o Conselho de Arte e Arqueologia e a Comissão dos Monumentos, assim como o processo de recuperação da igreja para o culto com todas as obras que isso implicou, eram, por si só, motivos suficientes para que a igreja devesse ser incluída.. Com a elaboração desta Tese pretende-se, com a investigação realizada, estudar um passado aparentemente esquecido e ignorado, associá-lo, com a sua grandeza, a um presente que, infelizmente tem contribuído para a sua destruição, fruto do desconhecimento e da indiferença de muitos e relançá-lo num futuro activo propopulação de uma cidade que, forçosamente, tem que se encontrar coma sua riqueza patrimonial.. 5. RAMALHO, Filinto, Sacavém, A Visita Pastoral de Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, ano de 1987, mês de Novembro, dias 14 e 15, Memória de Sacavém, [sl.], ed. de Autor, 1987, pp.19-20 6 Notícias do Convento de N.S.ra dos Martyres e da Conceição de Sacavém, Manuscrito 68, fóls.139-173, BNP. 22.

(23) CAPÍTULO I Origens, existências passadas e presentes.

(24) 24.

(25) 1. Primórdios. 1.1.Miguel de Moura. Na base da criação do Convento ou Mosteiro de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição, esteve um homem e a sua fé: Miguel de Moura. Só a sua existência permite que hoje olhemos para o passado e ele exista; a sua criação, nasceu, cresceu, transformou-se. Perceber quem foi Miguel de Moura é, de certa forma, entender a fundação desta instituição que ao longo dos séculos esteve inserida em Sacavém, fazendo parte da sua vivência e contribuindo para o seu desenvolvimento. A sua biografia, pela sua ilustre vida, é rica e extensa, mas tentaremos, contudo, cingirnos ao essencial, que nos permita basicamente, conhecer o homem e a sua fé. Quem foi afinal o fundador do Mosteiro? Miguel de Moura nasceu em Lisboa, a 4 de Novembro de 1538, em “Cata-que-farás” ao Corpo Santo, e foi baptizado na igreja dos Mártires; era filho de Manuel de Moura, Escrivão da Câmara de Beja, mais tarde da Fazenda d’el-Rei, e de D. Brites Gomes Teixeira 7. Desde cedo Manuel de Moura, tido em grande apreço por D. João III, o iniciou no seu ofício, com vista ao seu auxílio ou inclusive, sucessão no cargo, algo que viria a acontecer; a sua maturidade invulgar e a sua natureza reservada prenunciavam um futuro promissor 8. Órfão de pai aos dez anos e de mãe aos doze, restou-lhe um pequeno pecúlio de renda, a protecção e afecto de um aio, criado do seu pai, Luís Pires Machado e a protecção desvelada do Conde de Castanheira, D. António de Ataíde (Ministro do Rei) 9, a quem ficou confiado 10 e, que dada a sua influência na Corte de D. João III, o levou a ser nomeado Escrivão da Fazenda e depois Secretário de Estado, continuando a gozar da confiança de D. Catarina de Áustria, de D. Henrique e de D. Sebastião de quem foi Escrivão da Puridade. O seu poder continuaria depois da morte deste, vindo a fazer parte do pequeno conselho privado de D. Alberto de Áustria (composto por Jorge de 7. LOUREIRO, Francisco de Sales de Mascarenhas, Miguel de Moura (1538-1599). Secretário de Estado e Governador de Portugal, Lourenço Marques, [s.n], 1974, pp.10-11 8 Idem, pp.12-15 9 Ibidem 10 D. António de Ataíde, depois da morte da mãe de Miguel de Moura, leva-o para sua casa, onde para além de lhe facultar a educação necessária, lhe prepara junto de D. João III, o ambiente necessário para o começo de uma carreira política. Logo após o falecimento do pai, o Conde levou Miguel de Moura a beijar a mão a D. João III, à Rainha D. Catarina e ao Príncipe D. João, gesto enquadrado num ambiente de grande solenidade. LOUREIRO, 1974, p.18. 25.

(26) Almeida, Arcebispo de Lisboa, Pedro de Alcáçova Carneiro, Vedor da Fazenda, e Miguel de Moura, então Escrivão da Puridade). Entre 1593-1599 foi nomeado um dos cinco Governadores de Portugal, representantes de Filipe I, cargo que continuaria a ocupar com Filipe II. De facto, com o tempo, Miguel de Moura, foi conhecendo na sua vida uma ascensão que o levaria a ter, por mais de meio século, uma participação activa na política e administração do Reino, em alturas nem sempre fáceis, perturbadas por calamidades e convulsões, em que Portugal atravessou um período peculiar da sua história, num percurso que excede os cinquenta e três anos. Pela sua educação, Miguel de Moura facilmente se tornava amigo e mesmo confidente dos soberanos, tornando-se, pela sua lealdade, habilidade no despacho político, descrição e sobretudo inteligência, uma peça imprescindível, que se viu tornar uma das personalidades com mais intervenção decisiva nos acontecimentos, exemplo de sobrevivência política. Como refere Sales Loureiro, “a sua tenacidade, a sua capacidade de trabalho, o seu método ordenado, a sua inteligência fria, os seus dotes psicológicos, sem esquecermos a sua perseverante fé haveriam de fazer de um modesto Escrivão da Fazenda um dos Grandes de Portugal;” 11 Desde a sua juventude, preenchida com o seu cargo e com escassos tempos livres em que se dedica ao jogo da péla e às cavalgadas 12, Miguel de Moura, “procurando situarse sempre à margem das intrigas da Corte, conseguiu em todas as eventualidades revelar o maior equilíbrio perante os grupos antagónicos, não querendo isto significar que abandonasse os amigos nalguns entrechoques das várias facções”; 13 “Era afilhado de Tomé de Sousa e no tempo em que D. Sebastião, o Cardeal Infante e a Rainha D. Catarina se desentenderam formando-se desta sorte, dentro e fora da Corte, três partidos, logo seu Padrinho se pronuncia sobre a sua maleabilidade de espírito, afirmando que ao tempo em que uns homens eram de D. Sebastião, outros da Rainha e outros do Cardeal, só ele Miguel de Moura «era de todos tres polla aceitação que Via q com cada hu de Suas Altezas tinha em hum tempo», sem o ele, seu Afilhado, o procurar”. 14. 11. Idem, p.10 Idem, p.24 13 Idem, p.25 14 Idem, pp.32-33, Autobiografia do Secretário Miguel de Moura, Biblioteca Nacional de Paris, Manuscrits Portugais Nº23, in LOUREIRO, 1974, Fol. 648-648 v.º 12. 26.

(27) A sua Autobiografia, 15 que nos fornece uma ampla visão da sua vida, nas mais variadas vertentes, é reveladora da sua precoce maturidade e da sua personalidade, em que a fidelidade a determinados princípios da Igreja e a lealdade aos seus amos, constituem o objectivo da sua existência 16. Em 1552, depois de uma mais precoce tentativa para o casar, com apenas 14 anos de idade, Miguel de Moura casou-se com D. Brites da Costa 17, esposa doente e muito piedosa que viria a, directa e indirectamente, ter um papel crucial na sua vida e, como constataremos, na fundação do Mosteiro de Sacavém, sobre o qual faz um relato na primeira pessoa 18.. 1.2. Sacavém. Foi com o casamento que Miguel de Moura estabeleceu relação com Sacavém – “A quintaã em que se fez este mosteiro me foi dada em dote com minha molher” 19. Esta quinta em Sacavém, era um prazo de duas vidas de baixo valor, propriedade foreira ao Hospital do Rei de Lisboa, tendo sido vendida, quando D. Miguel e D. Brites eram ainda menores (14 e 12 anos respectivamente), o que levou Miguel de Moura, a por vias judiciais, impugnar a mencionada venda. A justiça esteve do seu lado e o proprietário inicia a construção da casa, ao lado do seu arquitecto, arte em que acabou por revelar mestria, vindo mesmo a ser elogiado pelo próprio Cardeal D. Henrique – “Tendo a posse da quintãa, E com a parte uencida o melhor modo que pode ser para sua satisfaçaõ comecei a fabricar apousento para my (porq o naõ auia) tendo eu mais parte na traça que o architecto com q á comuniquei, sabendo menos desta profissaõ que que os q nada entendem della. Digo isto porque se de todo me deixara gouernar pellas regras da Architectura, não ficara aquella obra tão conueniente para o q despois 15. Como refere Mascarenhas Loureiro esta versão autobiográfica original terá servido de base à Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis para a edição, em 1840, da “Vida do Secretario d’Estado, Miguel de Moura, Escripta por elle mesmo” (pp.107-144) juntamente com a Crónica do Cardeal D. Henrique - Chronica Do Cardeal Rei D. Henrique E Vida de Miguel de Moura Escripta Por Elle Mesmo, Lisboa, 1840. Existem outras cópias da Vida de Miguel de Moura, nomeadamente, no ANTT e na BN (LOUREIRO, 1974,p.4). 16 Idem, p.25 17 Idem, p.27 O casamento não parece dever-se a causas sentimentais ou económicas. Dez anos depois do casamento, Miguel de Moura debatia-se com algumas necessidades económicas reflectidas, nomeadamente, aquando do cerco de Mazagão, em que revelou não ter condições para suportar a despesa da viagem, chegando a vender a guarnição de prata do freio do seu cavalo para comer… Autobiografia, fl.646 in LOUREIRO, 1974, p.28 18 Memória de Miguel de Moura sobre a fundação de um convento da Ordem de S. Francisco, em Lisboa, manuscrito da Biblioteca Nacional de Paris (Mss. Portugais, Nº23, Fols.660-677 vs.) transcrito por LOUREIRO, 1974, pp.579604 19 Memória da fundação do Mosteiro de Sacavém, fl.660 doc. transcrito em LOUREIRO, 1974, p.579. Apesar de este autor fazer uma análise deste documento, optámos por fazer um comentário directo, que nos permita uma leitura própria, em 1ª mão.. 27.

(28) auia de ser de q eu estaua bem longe de toda a imaginação disto. Neste tempo q era o anno de quinhentos E setenta me fez o Cardeal Iffãte Dom Henriq que Ds tem merce de querer uer este começo de casas que eu então para my fazia, E não sendo eu presente me gabou despois a obra E a traça como quem o entendia tambem como todos os Architectos E melhor que algus.” 20 Sem filhos e homem de fé, com cerca de 32 anos, Miguel de Moura construía uma casa com o objectivo de “se uir a folgar á ella, mormente pella particular deuaçaõ E milagres da Ermida 21 de nossa sra dos martyres a que estua junta” 22. A sua intervenção na obra é directa, e mesmo por vezes encontrando-se distante, não deixa que as decisões da construção fiquem por mãos alheias; relata que tendo o Vedor da obra, criado seu, mandado por iniciativa própria, construir uma roda para servir da cozinha para o pátio para por ela se dar de comer às pessoas, mandou, ao tomar conhecimento da situação (embora se encontrasse em Almeirim), se desfizesse a obra, apesar da pedraria do portal já se achar assente e da roda de madeira de Argelim já estar acabada, ordenando que a roda fosse levada para o Mosteiro da Madre de Deus para ser guardada “q ainda eu a auia de auer mester”. 23 Cinco anos depois iniciavam-se os factos que, directa ou indirectamente, levariam à construção do Mosteiro.. 1.3. A Fundação: razões e história. Relata o autor da Memória da Fundação que encontrando-se em Almeirim e a sua mulher na quinta de Sacavém, onde ela e os seus familiares traziam luto pelo seu avô recentemente falecido, Ambrosio Roiz, “estando ella no pateo da quintãa que agora a. 20. Idem, fls.660vs-661 A Ermida de Nossa Senhora dos Mártires foi fundada por D. Afonso Henriques em virtude das circunstâncias milagrosas em que foi obtido o triunfo face aos infiéis; apenas vinte dias depois de D. Afonso ter posto cerco a Lisboa e em comemoração da gloriosa vitória, o Soberano mandou que se erguesse no local dos acontecimentos a dita Ermida. O acontecido estaria relatado numa “Memória” que se encontrava à guarda dos confrades da Ermida e a que D. Sebastião se refere na doação que concede em Salvaterra em 8 de Dezembro de 1577. A descrição do acontecido vem referida nas “Notícias do Convento de N. Sra. dos Martyres e da Conceição de Sacavém”, (fls.143 a 145) vide apêndice, Manuscrito 68, BNP. Este manuscrito refere ainda que alguns devotos, entre eles Miguel de Moura, impetraram do Papa Gregório XIII indulgências para a Ermida, pelo que em 9 de Dezembro de 1572 Sua Santidade deu em S. Pedro de Roma uma Bula, pela qual concedia aos confrades dez anos de Indulgência desde que confessados de seus pecados, visitassem a Ermida e nela rezassem cinco Padre Nosso e Avés Maria, no período que ia das vésperas até ao sol posto da Festa da Dedicação de Miguel de Moura; a mesma Bula oferecia aos restantes fiéis, em condições iguais, dez quarentenas. Era igualmente concedida Indulgência de cem dias aos novos confrades e de dez anos aos que visitassem a igreja no dia de sua dedicação; aos que invocassem o nome da Bem aventurada Sempre Virgem Maria, na hora da morte obtiam Indulgência plenária. (Fls 145vs-146) 22 Memória da Fundação do Mosteiro de Sacavém, fl.661 vs. 23 Idem, fls.661vs-662 21. 28.

(29) própria castra 24 do mosteiro (da mesma grandura de q era o pateo tanto sem ser mais nem menos que não he a crasta bem quadrada, E parece Deus que se esquecessem nisto os Architectos das suas regras vt implereteur o que abaixo se dirá)” 25, entrou pela porta do pátio, acompanhado por meninos, um frade da Ordem de São Francisco da Província dos Algarve, o Frei Afonso – que era tomado como alienado e que andava fora da Ordem com o consentimento dos Prelados, uma vez que não fazia mal a ninguém e procurava edificar o Povo, ensinar aos meninos a oração, falar do Céu… - que ao ver gente de luto, perguntou a razão e seguidamente pediu que rezassem pelo falecido um Pai Nosso e uma Avé Maria; terminada a oração profetizou: “quando estiuerdes neste lugar aueis de estar em oração porq hade ser da ordem de nosso p.e são Francisco, E eis aqui á crasta” 26. Tal profecia terá, no entanto, causado pouca impressão nos presentes, ficando “aquellas suas palauras enterradas no mesmo pateo como q[ue] se nunca forão ditas, atee que chegou aquelle felice tempo de se cumprirem, E então resuscitou a memoria morta dellas”. 27 Achando que “não carece de algum misterio” a morte de dois homens dessa quinta, Pero Anriques, pai de D. Brites, e Ambrosio Roiz, seu avô, Miguel de Moura descreve a forma como morreram. Pero Anriques sofria de pedra, o que lhe provocava, já havia cinco anos, continuadas dores; sendo fiel devoto da Ermida vizinha de sua quinta, “determinou fazerlhe a sua festa que he á treze de Mayo, E pedir nella á nossa S.ra alcançasse de nosso sõr ou saúde com que o tirasse daquellas dores, ou que o leuasse para sj para se ellas acabarem” 28. O seu “pedido” foi ouvido e “querendolhe nossa sra fazer a segunda mercê por mayor que a primeira aconteceo que estando elle ás vésperas lhe deu hum tão grande accidente que o trouxerão pera casa, E dentro do octauario desta festa o leuou nosso sõr para sj na mesma quintãa.” 29 Por este motivo, e porque “tres annos auia que em uida de seu marido tinha feito esse uoto 30”, em 1550, depois de “entregar a Deus” os seus “filhos” diante do altar de Jesus, na Igreja de São Domingos, a sogra de Miguel de Moura entrou para o mosteiro da Madre de Deus de Enxobregas, tomando o nome de “Soror Lianor de Jesu”.. 24. O mesmo que claustro. Idem, fl.662 26 Idem, fl.662 vs. 27 Idem, fls.662 vs-663 28 Idem, fl.663 29 Idem, fl.663 30 Idem, fl. 663 vs. 25. 29.

(30) Em 1574 foi a vez de Ambrosio Roiz falecer; o avô de D. Brites contava mais de oitenta anos “com hua bem lograda uelhice, E com tam quieta morte como elle auia años que a pedia a nosso sõr” 31; era pois um homem de fé, “naõ auendo já nelle nenhua cousa que parecesse peccado senaõ hua pouca impaciência quando tinha dores, fazia de continuo secretamente E publicam.te oração á nosso sõr que na hora da morte lhas naõ desse porque receaua que com ellas inquietasse o imigo” 32. A sua vontade cumprir-se-ia – numa sexta-feira (dia de que era muito devoto, rezando sempre à Paixão de São João, indo e comungando à Missa das Chagas), Miguel de Moura, que então escrevia a D. Sebastião, perguntou-lhe se queria que ceassem, ao que não obteve resposta (apesar de ter falado até então), e parecendo que dormia, com a cabeça inclinada sobre o peito, não o quis acordar, mas insistindo mais tarde e não obtendo resultados, chamou D. Brites, e “sem dar acordo de sy, foi lançado na cama, mas elle estaua já com Deus”. 33 Refere, Miguel de Moura, como em conclusão deste primeiro relato: “Esta foi a morte destes dous bõs homes (tão differente hua da outra no modo E tão conformes na substancia E no lugar) q segundo a uida que fizerão E como acabàrão se pode crer mediante a misericórdia de nosso sõr q se saluarião, E q hum teria por intercessores os Martyres, E o outro os Confessores. O q se seguio á morte do primeiro foi meterse sua molher freira, o q socedeo ao falecimento do segundo foi a entrada do frei Afonso no pateo precedendo a oração por sua alma eao q depois disse. Cousas são estas de q piamente se pode inferir q estas duas mortes começarão a ser fundamentos desta obra.” 34 Estes foram, portanto, como Miguel de Moura reconhece, os acontecimentos primeiros, que levariam à fundação do mosteiro, porém, não os mais importantes, como constataremos. Entretanto, a madre soror Leonor de Jesus (sogra do fundador), ia dizendo, que na quinta “bem se poderia alli fazer hum mosteiro de freiras” 35, mais uma contribuição para um futuro cada vez mais perto, embora Miguel de Moura referisse que “pareceraõme isto palauras de seruas de Deus q naõ sabiaõ falar senaõ de ceo, mas nunca cuidei q podia ser falarenme naquillo de siso, E assi ficou aquella pratica quanto. 31. Idem, fl.663 vs Idem, fl.663 vs. 33 Idem, fl.664 34 Idem, fls.664-664vs. 35 Idem, fl.664vs. 32. 30.

(31) a my de nenhum fundamento.” 36 Contudo, em Junho de 1576, o autor da “Memória” é pela primeira vez afectado por uma grave doença de olhos, “enfermedade q dentão para ca tenho muitas uezes, mas aquella foi a primeira E me durou m.tos lauatorios que fiz, fiquei inchado das pernas de maneira q depois de são hia com bordão ao paço” 37, o que o levou a reflectir sobre a sua vida e a sua fé – “ Nesta doença de olhos fechados mos abrio nosso sõr E truxeme á memoria o q me tinhão dito na madre de Deus, E tiue comigo por muitos dias hua grande batalha de razões contrarias huas a outras, porq per hua parte trataua ynteriormente de siso do que cuidaua q se me tinha dito a boa pratica, polla outra parte offereciaõseme difficuldades na empresa para quem auia mester o pouco q tinha por o muyto que gastaua na Corte.” 38 Com estes cuidados chegou Miguel de Moura à véspera da partida de D. Sebastião para Nossa Senhora de Guadalupe, viagem em que por vontade própria (uma vez que a sua doença o escusava), ia acompanhar o Rei. Partindo D. Sebastião da sua residência, o Paço de Santos-o-Velho, para a entrevista que iria ter com Filipe II, seu tio, em 11 de Dezembro de 1576, terça-feira, Miguel de Moura acompanhou-o, pousando nas casas de Luís César, “que estauão logo á diante contra a Pampulha”, referindo que na véspera tinha revelado à sua mulher que tinha resolvido fazer o mosteiro: “E á segundafeira q foi o dia dantes disse á minha molher q eu me resoluia em fazer o mosteiro E q chegando a Euora onde então estaua o Cardeal Iff.te Dom Henriq lhe daria conta desta minha determinação.” 39 A “aceitação” por parte do Cardeal era importante para Miguel de Moura, uma vez que “como quem tanta experiencia tinha das Religiões E de tudo, E tanta promptidão para me fazer mercê, daria tambem disso conta a ElRej E depois aos amigos, E em nome de Ds E de nossa sra me desporia á uencer as difficuldades q se me auião representado q já então não tinha por tamanhas.” 40 A viagem continuou, e nessa mesma terça-feira, a comitiva de D.Sebastião foi dormir a Aldeia Galega, onde Miguel de Moura foi pela segunda vez ameaçado do mal dos olhos; na quarta-feira a comitiva continuou até à Landeira, chegando na quinta-feira, dia de Santa Luzia a Montemor. No dia seguinte, sexta de manhã cedo, quando o cortejo Real se preparava para partir para Évora, uma notícia chegou a Miguel de Moura,. 36. Idem, fl.664vs. Idem, fl.664vs. 38 Idem, fl.664vs. 39 Idem, fl.665 40 Idem, fl.665 37. 31.

(32) relatando-lhe o sucedido com a sua mulher, o “caso da pólvora” 41, enquanto esta se achava aposentada nas casas de Luís César. Passamos a transcrever: “ Estaua debaixo das janelas das mesmas casas q hião para o mar hua Tercena encostada á hua rocha sobre a qual ellas estauão que em parte foi causa de o dano não ser mayor, posto q grandíssimo foi. Nesta Tercena estarião como se depois soube melhoria de dozentos E cincoenta quintaes de poluora, E dantes cuidauasse q somente se recolhião ali trigos E farinhas q mercadores estrangeiros tinhão para uender, não se sabe como se pos o fogo, seria às dez horas do dia á mesma quinta feira de s.ta Luzia quando se acendeo a poluora, a qual fez um espantosissimo estrondo E terremoto, em toda a cidade não somente nas orelhas (que tal foi q se ouuio em, alguas partes mais de uinte legoas de Lisboa) mas assi sobresaltou os homes q hus fizerão differentes juízos dos outros, abrirãose portas fechadas m.to longe dalli, torcerãose ferrolhos E arrancarãose aldrabas, voarão pedras, E ouue outros muitos E diuersos effectos, E de Lisboa se escreueo á ElRej Dom Sebastião que Ds tem que telhas forão dar na igreja de s.ta Cruz q he na alcaçoua do Castello de Lisboa. Na igreja de sanctos freguesia daquelle bajrro morreo hua molher que se acabava de confessar que a matou hua pedra, E logo mais acima ao marco matou outra pedra hua molher q estava em sua casa, E nos paços de sanctos entrarão tambem as pedras q voarão desta ruina, E hua rompendo o telhado E forro da principal casa q era onde ElRej continuamente estaua deu em hua parede da mesma casa detraz donde quasi sempre se punha a cadeira delRej no próprio lugar em que assentado lhe ficaua a cabeça 42, E outras pedras derão lugar na casa do Conselho do Estado dos mesmos paços. Minha molher á este tempo estaua sentada no seu Estrado com as costas em hua parede que ficaua acima do telhado da Tercena da poluora, E auia pouco q acabara de uestir hũa imagem de nossa s.ra da Conceição de hum oratório portátil de madeira que tinha na mesma casa fechado com portas E estaua diante della hua molher sua q[ue] lhe daua hũa toalha, E na mesma casa outra molher fiando E as outras estauão nas casas de dentro, E nas de fora os criados seus, porq[ue] os outros tinha mandado a dizer missas a s.ta Luzia pellos meus olhos. O effecto que fez a poluora bem se deixa entender ainda dos que o não uirão, supposto q[ue] erão mais de dozentos E cincoenta quintaes. Deu com todas aquelas casas no chão, E parte daquella ruina correo ao mar, 41. A História Serafica Chronologica da Ordem de S. Francisco (SOLEDADE, Francisco da,) datada de 1720, é um dos locais onde se encontra um breve resumo deste acontecimento que daria origem à fundação. Pp.120-121 (V Parte, Liv.I, Cap.XVI) ano 1576 42 Este acontecimento acabou por ser visto como “hum triste presagio da que lhe havia de succeder no anno de 78”, SOLEDADE, Francisco, p.121. 32.

(33) onde leuou hũa das molheres de casa muyto mal ferida, as outras ferio huas mais outras menos, E outras enterrou com demõstração de mor perigo E menos dano, a molher q[ue] estaua junto de minha molher dando-lhe a toalha E outra das de casa se achàrão mortas, e asaz feridas E pisadas em differentes lugares dos em que estauão porq a ruina as levou. Minha molher ficou enterrada debaixo daquellas pedras das paredes, E da madeira E telha do tecto para aquella parte cayo a parede em q[ue] estaua encostada, E alli fez nosso sõr á ella mercê E mỹ esmola de mostrar suas misericórdias, conseruando naquelle tão apertado lugar hũa molher mal desposta E chea de accidentes E q[ue] estremecia de ouuir o estouro de hũa espingarda, E podendo correr tamanho perigo ao desenterrar sendo buscada sem se saber onde estaua como no caso da poluora, quis nosso sõr q estando ella fora de sy, E sem poder saber o que fazia lançou hua mão por hum buraco q D[eu]s alli deixou por onde foi conhecida por o bocal de hum sayo de setim lionado q trazia, E por isso a poderão desenterrar com o tẽto que conuinha q nisto ouuesse, mas tão apertada era a sepultura E assim a tinha liada aquella ruina de differentes materias de pedra, madeira, pregos, tijolo telha q[ue] não pode sair sem deixar o sayo allj pregado, E sendolhe requirido pollas pessoas que se achàrão presentes dos quaes os principaes forão os filhos de Dom Fernando de Meneses nosso uizinho (o qual não estaua então em casa) que se deuia logo de ir para casa de sua mãy porq[ue] se receaua que tornasse a dar fogo em outra tercena que se entedia que tambem tinha poluora q[ue] estaua junto da que ardera, ella lhes respondeo que se não auia de mudar dalli sem se saber primeiro dos papeis d’Elrej que estauão nos meus escritórios E poremse em saluo E lhe trazerem hum manto. E assi se fez q[ue] os escritórios se cobrarão sem dano q[ue] tambem foi mercê de Ds, E o manto ueo E ella se recolheo á casa de Dom Fernando sem mais lesão que m.ta calice E poluora na boca olhos, E orelhas, E os cabellos por detraz todos cortados de hũa uiga q[ue] lhe alli deu por se mais mostrar o milagre, E algũs sianes pequenos no rosto daquelle aperto.” 43 Quando se soube na cidade do ocorrido, as pessoas acorreram a ver “spetaculo tão espantoso, posto q[ue] não foi menos o espanto que por todos tambem auia passado com o horrendo estrondo E terremoto 44” e logo começarão os criados e homens de obrigação de Miguel de Moura, com a ajuda de muitos carpinteiros da Ribeira, enviados por Luís César, a desenterrar e recolher coisas dos escombros, altura em que descobrem 43 44. Memória da fundação, fls. 666-667vs Idem, fl.667vs. 33.

(34) a imagem de Nossa Senhora da Conceição: “Alli foi achada aquella imagẽ de nossa señora da Conceição madre de D[eu]s q[eu] atraz fica dito que a minha mulher tinha uestida que com m.ta razão se chamou des aquella hora a sra do milagre, porq[ue] sendo o Oratorio feito em pedaços E os retábulos q[ue] dentro estauão E outras figuras de vulto, só a imagem da señora quis nosso sõr conseruar naquelle fogo entre aquellas pedras E paos assj inteira E uestida como estaua” 45. Ressalta Miguel de Moura no relato que “he m.to para notar neste milagre que foi em imagem da Conceição E no octauario desta festa, E da mesma man.raestá oje em dia neste mosteiro, E queria eu q[eu] assi estiuesse em quanto o mundo durasse, E assj o tenho pedido a todo o Conuento, E torno agora aqui a pedir nesta memoria.” 46 Depois de, em Montemor, ter tido conhecimento do sucedido, Miguel de Moura lembrou-se da sua promessa de fundação do Mosteiro e, preocupado, pediu licença a D. Sebastião para vir acudir sua mulher, comunicando o caso aos seus companheiros; porém, o monarca, embora sensibilizado com o que tinha acontecido, para tomar decisão, quis ver as cartas recebidas de Lisboa e entendeu que, uma vez que o facto era passado, D. Brites estava salva e que, caso viesse visitá-la, já não regressaria a tempo de o acompanhar, ainda por cima doente dos olhos, decidiu que Miguel de Moura seguiria viagem com ele, facto com que teve de resignar-se – “obedeci ao q[ue] entendi q[eu] era gosto delRej com m.ta dor de meu coração que puxaua por mỹ para Lisboa entendendo á necessidade q[ue] minha molher podia ter de minha presença E uisitação, mas não podia deixar de acompanhar ElRej quando assi mo mandaua, indo para taes uistas, E concorrendo á romaria de nossa s.ra de Guadalupe E Jornada d’Euora onde determjnara falar ao Cardeal Jff.tesobre o mosteiro, que erão duas cousas para cada hũa das quaes poderá com razão ir de Lisboa, porq[ue] a romaria deuida era, E o mosteiro mais obrigatório”. 47 Agora, mais do que antes, depois de “hum tão grãde sinal de fogo”,o mosteiro mostrava-se como uma obra obrigatória, de fé e agradecimento – “nem eu podia eleger outra senão a que deuia cuidar que me tinha approuado q[ue] era hũa casa de oração onde elle continuamente fosse para sempre louado”. 48 Deste modo, quando chegou a Évora, o futuro fundador falou com o Cardeal D. Henrique, contando-lhe do seu propósito, mas não lhe pedindo parecer, uma vez que, 45. Idem, fl.667vs Idem, fls.667vs-668 47 Idem, fl.668vs 48 Idem, fls.668vs-669 46. 34.

(35) em virtude do que tinha acontecido, entendia que Deus já lho tinha dado; pede no entanto, “senaõ ordem E mercês muytas para efeito de minha determinação q[ue] eu auia por mais obrigatória que se fora hum uoto solene.” 49 Homem ponderado, o Cardeal não se pronunciou logo sobre o assunto, mas Miguel de Moura não se despediu dele até ficar “penhorado” naquilo que lhe tinha pedido, obtendo do Cardeal o compromisso de que este falaria com o Comissário da Ordem de S. Francisco 50, e o informaria do resultado para Guadalupe. Assim aconteceu, o Cardeal D. Henrique escreveu-lhe a dizer que “o mosteiro se faria, E que podia estar contente, E sumamente o fiquei naõ somente de tal recado, mas de me ser dado naquella s.ta casa de nossa s.ra de cuja inuocação era a Ermida q[ue] auia de ser most.ro” 51 Desde o primeiro momento, parece não terem existido dúvidas em Miguel de Moura optar pela fundação de um mosteiro de Clarissas; o seu tipo de religiosidade, a ligação, pela sua sogra ao Mosteiro da Madre Deus, o primeiro contacto com o já referido frade franciscano na sua crasta, certamente, terão contribuído para tal opção. A sua fé é imensa e Miguel de Moura refere igualmente, que se encontrava então doente dos olhos, como já o havia estado da primeira vez em Lisboa, e que se na primeira, Nosso Senhor lhe fez mercê dando-lhe determinação de fazer a obra, na segunda, deu-lhe confirmação, e admiravelmente interroga: “A quem pesará com doenças de que se colhem taõ grandes frutos?” 52 Assim que chega a Lisboa, Miguel de Moura imediatamente ordena que se fossem buscar a Roma os Breves para a fundação do mosteiro, “de que a principal parte era tiraresẽ para isso algũas freiras do mosteiro da Madre de D[eu]s.” 53. Os Breves vieram dirigidos ao Cardeal Infante, “como o executor delles por S.A., por me fazer mercê o querer assj, podendo bastar para isto qualquer pessoa constituída em dignidade” 54; reconhecendo e estimando a honra com que o Cardeal assim o distinguia, afirma que, em tudo o que se referia ao mosteiro tudo “correo per ordẽ E traça do Cardeal Iff.te assi o spiritual como o temporal a q[ue] elle atendia com m.ta uontade cõforme á que sempre me teue.” 55 49. Idem, fl.669 Em Patente do P.e Fr. Cristóvão de Capite, Fontium Geral de toda a Ordem de S. Francisco, dada em 25 de Junho de 1577, no convento de Araceli de Roma, autorizava-se a edificação do convento. Notícias do Convento, fl.141141vs. O treslado deste consentimento encontrava-se no tombo do mosteiro, acompanhada por Justificação feita por Tomé da Cruz, Notário Apostólico e António Ribeiro, Notário da Legacia, datada de 29 de Novembro de 1581. 51 Idem, fl.669 52 Idem, fl.669vs. 53 Idem, fl.669vs 54 Idem, fl.669vs 55 Idem, fls.669vs-670 50. 35.

(36) A vinda dos Breves também ela foi complicada mas miraculosamente resolvida, como que mais um sinal divino – a fragata que trazia os Breves do mosteiro e outros dirigidos a D. Sebastião relativos à jornada de África, virou-se no mar, na passagem da Itália à Espanha, no Golfo de Narbona, contudo a mala que os continha deu à costa e embora os dirigidos ao Monarca não tivessem ficado em condições de se leram, o mesmo não sucedeu aos de Miguel de Moura, uma vez que “o Breue do most.ro que vinha entre estes assi ficou saluo E inteiro que não parecia daquella companhia E se pode fazer obra por elle inteiramente.” 56 O manuscrito da BN, Notícias do Convento de N. Sr.ª dos Martyres e da Conceição de Sacavém, de autor anónimo, vem acrescentar à Memória de Miguel de Moura uma série de informações, algumas delas relacionadas com esses aspectos. Refere, por exemplo, a mencionada doação da Ermida, realizada em 8 de Dezembro de 1577 57 – “ElRey que por que lhe constou por informação que tirou Marcos Teyxeira Dezembargador por seu mandado que a Ermida de Nossa Senhora dos Martyres era de seu Padroado, por que a edificara El Rey Affonso Henriques, e por isto era de seu Padroado, fazia mercê della e de seu Padroado ao dito Miguel de Moura”. 58 Desta doação poderemos, embora conjunturalmente, retirar diversos significados, até simbólicos. Como refere Filinto Ramalho – “ao alcançar (…) Miguel de Moura, que D. Sebastião lhe concedesse o direito de construir o Mosteiro em substituição do oratório doando este e o seu padroado, seu secretário de Estado não poderia deixar de advertir, no seu íntimo, que: - Para lá de razões particulares, o marco afonsino agigantava-se no mosteiro em vésperas de Alcácer Quibir. Se o Rei vencesse era uma Glória e, se fosse vencido, era uma indefectível esperança; - o mosteiro, em qualquer das eventualidades, ficaria sempre atestando a honra, o portuguesismo e a Fé do seu Fundador; Contemplando-se a precariedade das coisas deste mundo restaria uma chama viva.” 59. Através das mesmas Notícias tomamos conhecimento que algumas propriedades foram obtidas à força, através da justiça, como foi o caso dos aposentos e pomar que o Padre Francisco Costa 60 foi obrigado a vender aos Padroeiros, isto não só por Breve do Papa Gregório XIII, dado em S. Pedro de Roma, a 18 de Dezembro, mas, inclusivamente, 56. Idem, fl.670 Doação confirmada por D. Jorge de Almeida, Arcebispo de Lisboa, em Provisão de 11 de Outubro de 1578. Notícias do Convento de N.S.ra dos Martyres e da Conceição de Sacavém. Manuscrito 68, BNP, fl.141vs. 58 Notícias do Convento […], fl.139vs 59 RAMALHO, Filinto, 1994, p.39 60 ANTT, Chancelaria D. Filipe I, Doações, Liv.9, (confirmação da doação) fls.447 vs 57. 36.

(37) através da justiça secular 61, algo que também sucedeu, com a aquisição por sentença de um pedaço de terra ao longo do Rio de Sacavém, propriedade de Diogo Lopes Solis 62.. A edificação inicia-se com a solenidade devida, lançando-se a primeira pedra no ano de 1577, no dia de Santa Luzia, com a presença de D. Brites mas sem Miguel de Moura que então se encontrava em Salvaterra com D. Sebastião; o monarca não lhe deu licença para vir assistir à cerimónia mas, como reconhece o autor da “Memória”, “merce depois me fez mayor, que foi darme para este mosteiro a ordinária que agora tem de que me mandou passar prouisão para auer effecto tanto q[ue] nelle ouuesse freiras, E S. M.e a confirmou E me fez depois merce de o tomar em sua Real proteição”. 63 A obra foi iniciada, segundo o fundador, com “tão pouco dinheiro q[eu] cuido que não chegauão a cem mil rs” 64, que um amigo seu do Conselho de Estado, embora louvandolhe o intento, achou de sua obrigação de amizade lembrá-lo que não devia meter-se numa coisa que não conseguisse levar avante mas, Miguel de Moura, embora reconhecendo que se pelas regras humanas o amigo tinha razão salientou: “mas nosso Padre são Francisco que fundou a ordem dos Menores sem rendas E tem multiplicado em Religiosos E mosteiros mais que as outras, elle alcançaria de nosso sõr tomar tão fraco E Yndino instrumento como eu, E confirmarme no meu proposito com q[ue] sempre fui por diante, sem defirir, nem a lembranças de amigos, nem ainda a conselhos de conferssores, a q[ue] parecia que em tão trabalhosos tempos como concorrerão de guerra e de peste eu deuia sospender a obra, Deos a fez sua he, E elle acabarà por quem he” 65. Miguel de Moura tinha um propósito bem definido e nada o fazia mudar de ideias. No que se refere ao dinheiro, a obra ao que parece, trouxe-lhe prosperidade, e o dinheiro para ela foi aparecendo à medida das necessidades – “ Não tiue nũca dinheiro nem o procurei, nem desejei senão p.ra a despesa ordinária de cada dia que foi sempre m.to moderada em mỹ. E he uerdade que depois que comecei esta obra enriqueci nella, porq[ue] em renda creci em m.to mais do dobro do que dantes tinha E medrei p.a elle a ordinária que digo. E nunca faltou dinheiro para a obra, E quanto menos o esperaua mo trouxe D[eu]s á mão por diversas uias, E já me aconteceo estar defronte da portaria de são fr.co de Lisboa falado com o mestre da obra q[ue] me dizia que não auia dinheiro E uirme alli hũ homẽ com recado de hũa boa contia de dinheiro que se 61. Notícias do Convento […], fls.159vs-160 Idem, fl.162 63 Memória da fundação, fl.670vs 64 Idem, fl.670vs 65 Idem, fls.670vs.-671 62. 37.

Referências

Documentos relacionados

nhece a pretensão de Aristóteles de que haja uma ligação direta entre o dictum de omni et nullo e a validade dos silogismos perfeitos, mas a julga improcedente. Um dos

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

Estudo descritivo retrospectivo que descreve o perfil de pacientes adultos, internados em um centro de terapia intensiva de um hospital universitário de Porto Alegre, Rio Grande do

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi