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As TIC´s à luz da Economia Política da Comunicação

4. TIC´s E PROCESSOS DEMOCRÁTICOS

4.1. As TIC´s à luz da Economia Política da Comunicação

Por meio de uma análise de cunho marxista sobre a re-organização econômica e política da nova economia, César Bolaño esclarece que as novas tecnologias da informação e da comunicação representam novas fronteiras de acumulação de capital e seguem mercantilizando todas as esferas da vida e promovendo a exclusão social, “apesar da enorme mudança promovida na forma de organização produtiva e administrativa das empresas, e apesar dos efeitos que têm sobre o cotidiano e a sociabilidade das pessoas.” (BOLAÑO, 2007, p. 15).

No âmbito da lógica de globalização, as novas tecnologias e a implementação do sistema de redes geram novas modalidades de exclusão social em relação ao consumo, ao acesso às TIC´s e à cultura de massa.

Em momento anterior, Bolaño já afirmara que a lógica da rede é composta de uma enorme e complexa hierarquia e que a ação de cada agente tem limites diferenciados, segundo níveis de poder, propriedade e conhecimento (BOLAÑO, 2002, p. 9). Para Bolaño, a Internet é o resultado do desenvolvimento das novas tecnologias e da sua interpenetração e expansão global, que cria um novo espaço de ação e socialização em âmbito mundial, uma nova ágora, a base para a constituição de uma esfera global, tão ou mais assimétrica e excludente quanto aquela que prevalecia no estado liberal burguês pré-democrático. Os processos de dominação

e exploração da lógica capitalista não se alteram. Trata-se do “velho capitalismo reorganizado, que exige o aperfeiçoamento constante dos mecanismos de produção, armazenamento e circulação da informação”, tanto para acelerar a acumulação do capital quanto para legitimar a dominação das massas por grupos hegemônicos (BOLAÑO, 2007, p. 44).

As redes digitais possibilitam a circulação de um maior volume de informações e de fontes diversas; também, até certo ponto, descentralizam o processo de produção e veiculação de notícias, dando expressão, embora controlada e rarefeita, a diferentes vozes. Algumas linhas teóricas de viés liberal afirmam que esta descentralização permite a construção de subjetividades opostas, até então excluídas da esfera pública. A descentralização é anunciada como o traço mais significativo da rede, pois permite que se subverta a autoridade política e se enfraqueçam as formas estatais de controle.

Apesar de as tecnologias digitais abrirem espaço a novos emissores, sua lógica é seletiva, competitiva, individualista e envolve formas de exclusão não só econômicas, mas também cognitivas, colaborando para que as relações sociais sigam assimétricas, tanto ou mais em comparação aos meios de comunicação de massa. As condições de acesso a essas tecnologias, por estarem diretamente submetidas à lógica econômica, potencializam as diferenças de classe e geram mais exclusão.

Enquanto o acesso aos meios de comunicação tradicionais requer um nível mínimo de educação e exige menos custos, para se obter informações por meio da Internet, além de aparatos tecnológicos, ainda hoje, com custos elevados, são necessários conhecimentos tecnológicos. Esse conhecimento também está inserido na lógica de concentração capitalista, que preserva o modelo de exclusão pelos preços. Como afirmam Herscovici e Bolaño, a cultura, a informação e a Comunicação Social, no entanto, são bens patrimoniais pertencentes à coletividade, e como tais, não podem ser objeto de uma apropriação privada. O caráter público ou privado de um bem não se define por suas características técnicas, mas é o produto de decisões intrinsecamente políticas.

Bolaño exemplifica o esquema, em comparação aos meios de comunicação tradicionais: enquanto a televisão de massa exige do consumidor a aquisição de um único aparelho, o pagamento mensal da energia elétrica à empresa pública, o acesso à Internet exige a aquisição de um aparelho sofisticado e uma série de periféricos, sujeitos à obsolescência planejada pela indústria, o pagamento da energia elétrica, das faturas de empresas de

telecomunicações e de provedores de acesso (BOLAÑO, 2007, pp. 103-104). Sabe-se, contudo, que essa realidade vem se modificando com o barateamento dos custos de produção desses aparelhos tecnológicos, permitindo que as classes C e D, por exemplo, tenham acesso às novas tecnologias digitais da informação e da comunicação.

Pensando esta nova economia em relação ao sistema econômico global, Herscovici afirma que as novas tecnologias da informação e da comunicação correspondem ao modo de regulação pós-fordista, sendo geradoras de exclusões sociais. Esse sistema de regulação, segundo o autor, caracteriza-se por uma intervenção menor do Estado, pela “flexibilização” e segmentação dos diferentes mercados, no âmbito das políticas econômicas liberais, pela privatização das diferentes atividades e por um retrocesso no que diz respeito às políticas e redistribuição de renda. O fordismo, por outro lado, é marcado pelo consumo de massa, gestão planejada por parte dos monopólios públicos e privados, forte intervenção estatal na economia e na administração da relação salarial, assim como pela criação de um sistema comunicacional e tecnológico mundial. O esgotamento do fordismo explica-se pela incapacidade de conter a crise fiscal do Estado e da relação salarial (HERSCOVICI, 2007, pp. 141-142).

A qualidade da informação conseguida pelos cidadãos relaciona-se aos distintos níveis econômicos, de poder e de cognição daqueles que a buscam, e isso leva a Herscovici concluir:

“(...) à medida que o modo de regulação pós-fordista é baseado no consumo de certos grupos

sociais, acreditamos que não se trata de ampliar aquela rede para o conjunto dos grupos sociais, mas sim para os grupos de maior poder aquisitivo” (HERSCOVICI, 2007, p. 164).

Herscovici entende que os Sistemas de Informação e Comunicação (SIC´s) relacionados ao fordismo, principalmente a cultura de massa e o serviço público, eram mais abertos que os SIC´s ligados às tecnologias digitais de informação, já que os processos de exclusão pelos preços eram menores e permitiam que uma maior parte da população tivesse condições de ter acesso ao sistema mundial. A exclusão pelos preços permite manter qualidades que podem estar relacionadas com a homogeneidade social dos usuários ou com a convergência de interesses em relação à informação divulgada (HERSCOVICI, 2007, pp. 147/160).

O autor conclui que as redes eletrônicas cumprem um papel de coordenação global que não é assegurado pelo mercado e pelo sistema de preços. Nesse sentido, essas redes

situarem, pelo menos parcialmente, fora do mercado, elas constituem um mecanismo

indispensável, hoje, para a regulação global do sistema” (HERSCOVICI, 2007, p. 164).

Enquanto reguladoras do sistema, as redes representam custos de conexão e de coordenação que as empresas têm que assumir para ter acesso ao mercado mundial. “A necessidade de uma instância de regulação que não seja efetuada pelos preços ressalta o papel fundamental das instituições como variáveis reguladoras.” (HERSCOVICI, 2007, pp. 137).

Um viés menos excludente de organização do sistema exigirá políticas públicas ativas de democratização do acesso à rede, incluindo não apenas o fornecimento de acesso a baixo custo às infraestruturas telemáticas universalizadas, mas também, entre outras condições, a reestruturação dos sistemas de ensino (formal e não formal), com o objetivo de garantir a socialização do capital cultural indispensável à apropriação massiva das novas tecnologias, condição básica de competitividade na chamada sociedade da informação, que não é outra coisa senão o velho capitalismo reestruturado (BOLAÑO, 2007, p. 234).