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4. TIC´s E PROCESSOS DEMOCRÁTICOS

4.5. Cidadania e cidadania online: alguma diferença?

4.5.2. Cidadania via TIC´s

Para Barbosa (2010), o exercício da cidadania, no contexto histórico atual, envolve noções de participação democrática, de interação com o governo, de diálogo entre sociedade e seus representantes.

O exercício da cidadania em espaços virtuais não se confunde com o governo eletrônico, embora faça parte de seu escopo, visto que o papel do governo, aqui entendido como uma sociedade política, organizada com legitimidade para representar o interesse público e coletivo, transcende a mera disponibilização de serviços públicos eletrônicos na Internet. (BARBOSA et all. 2010, p. 77-78).

Cass Sunstein questiona se as práticas democráticas sociais que estão surgindo com as tecnologias sustentam ou comprometem nossas aspirações como cidadãos e como nos afetam

enquanto tais? (SUNSTEIN, 2003, p. 105).

Andrew Shapiro preocupa-se com a onda de desintermediação social advinda do avanço da técnica e que segue concomitante à expansão do individualismo e ao crescimento do controle: a revolução do controle permite tomar o poder desses intermediários para si (SHAPIRO, 1999, p. 55/147).

Shapiro entende que as novas tecnologias permitem a transferência de poder do setor público para o privado. Dentre outras coisas, isso mostra como a Internet pode induzir a abandonar a deliberação, elemento central no processo de representatividade democrática (SHAPIRO, 1999, p. x). O problema é que, dessa forma, as relações sociais também se extinguirão e, com isso, as trocas de conhecimento, a empatia, o serendipity, ou encontros casuais, descobertas inusitadas e outras inúmeras interações humanas.

Preservar a democracia, a verdade e o bem-estar individual numa era incerta, requer um renovado senso de responsabilidade e comprometimento pessoal, tanto quanto uma leve aproximação do governo que toma questões e troca o controle das instituições para o indivíduo. Nós devemos realizar um balanço do poder para a era digital – entre o interesse público e o auto-interesse, o mercado e o governo, o controle pessoal e o poder compartilhado. (SHAPIRO, 1999, p. xiv).

Em termos de mídia, o leitor é o próprio editor, que assume a responsabilidade - um típico exemplo da revolução do controle, de acordo com o autor. As premissas jornalísticas estão em transformação. Não há como julgar a veracidade das informações online. É necessário, cada vez mais, discernimento ao selecionar e interpretar o que se lê e se ouve. Deve-se dar credibilidade àqueles que publicam a informação exata, independentemente da velocidade com que vai ao ar. Porém, essa não é a solução, apenas um mecanismo de defesa.

O indivíduo passa, aparentemente, a dominar sua própria vida, desde ações corriqueiras a transações financeiras de grande porte. A mudança está no controle das decisões, ou seja, quem decide que notícia ler, que veículos de comunicação ouvir ou ver, a quem dar credibilidade são os próprios cidadãos. Há, agora, a possibilidade de barrar pessoas e informações, os protestos, os crimes e a violência contra os direitos humanos, a miséria, a guerra e toda a dor que permeia a vida e os noticiários ao redor do mundo. Pode-se, perfeitamente, alienar-se à realidade, mesmo conectado à rede mundial de computadores. Se a Internet é a lente da vida, é uma lente que proporciona ao usuário uma alta capacidade de seleção (SHAPIRO, 1999, p. 88).

financeiros, políticos e sociais, dos vendedores, agentes de viagens, corretores, gerentes, guias, bibliotecários e, até mesmo, dos educadores. Embora surja, com o crescimento do acesso e com o avanço tecnológico, o intermediário digital, suas funções também podem ser dispensadas.

A desintermediação política assemelha-se à descentralização das decisões políticas: o governo federal transfere tarefas para os estados, os quais as delegam aos municípios, que, por sua vez, deixam-nas a cargo da comunidade. Entregar a escolha ao povo não é uma inovação da Modernidade, embora a popularização da democracia eletrônica seja recente.

Os cidadãos podem usar a rede não só para eleger representantes públicos, mas para expressar suas preferências eleitorais e sua posição referente a decisões políticas de forma instantânea e direta. A Internet pode ser usada por governos, empregadores e internautas para selecionar o recebimento de materiais e o conteúdo a que serão expostos (SHAPIRO, 1999, p. 108). Os critérios de censura e bloqueio ficam a cargo do próprio usuário, o que é um modo de personalização, um nível de controle pessoal das experiências. Shapiro pensa que esse controle pessoal pode ser uma desvantagem quando mal usado, visto que restringe os horizontes de quem o controla. Caso se determine a vida por um filtro (determinar interações, ambientes e informações, por exemplo), pode-se banalizar a capacidade de cognição, de perspectivas e imaginação. Uma experiência não pode ou não deve ofuscar outra.

A personalização é um dos componentes da revolução do controle. O desejo de personalizar experiências é tão básico que quase todos os homens anseiam por controlar. Seu excesso, porém, desencadeia um processo de alienação dos indivíduos ao permitir seu distanciamento das questões sociais pendentes e que desagradam à maioria, como a fome, os discursos marginais e a própria política.

As trocas de poder da revolução do controle podem beneficiar alguns indivíduos mais do que outros. A interação entre diferentes discursos e ideologias é fundamental para a ideia de democracia, como também para escapar um pouco do controle individual. O livre discurso, se for excessivamente ignorado, perder-se-á no ciberespaço. Então, é o caso de se perguntar se, na realidade em que se vive, há liberdade de discurso e escolha ou é simples demagogia de uma forma de governo fragilizada. À democracia cabe assegurar que os cidadãos possam escutar reivindicações, denúncias e protestos antes de eliminá-los, automaticamente, de sua vida. A completa liberdade de seleção priva as vozes periféricas da mínima oportunidade de entrar no tradicional fórum público (SHAPIRO, 1999, p. 129).

Shapiro propõe a abertura do diálogo, sobretudo, entre os membros de comunidades locais. Defende também os encontros casuais, incluindo aí o caos cotidiano, os espaços públicos, tais como os pontos de encontro virtuais.

Sunstein segue a linha de Shapiro e critica o modelo baseado no fim dos intermediários e na personalização da informação. Entende que o Estado deve intervir e regular os filtros, já que, em uma democracia, a liberdade requer a exposição a diferentes temas e opiniões. Isso requer um sistema de comunicação que garanta a exposição a uma ampla variedade de temas e ideias. Nessa linha seguem os estudos de Wolton sobre a pluralidade da televisão ou mídia generalista (WOLTON, 2003). Muitas vezes aqueles que mais necessitam ouvir algo, além do eco de suas próprias vozes, são menos propensos a buscar opiniões alternativas (SUNSTEIN, 2003).

Cidadãos ativos são primordiais para fomentar a democracia e o bem-estar social. A obrigação dos cidadãos consiste em assegurar que as forças deliberativas prevaleçam sobre a arbitrariedade. Para que isso aconteça, é indispensável que o sistema de comunicação fomente objetivos democráticos e de experiências conjuntas, impedindo o uso de filtros ilimitados.

A liberdade não consiste apenas em satisfazer as preferências, senão também na oportunidade de ter preferências e crenças formadas em condições dignas, depois de exposto a uma quantidade suficiente, ampla e variada de informações e opiniões (SUNSTEIN, 2003, p. 56).

As informações não podem ser tratadas como um produto de consumo habitual. Não se podem eleger as informações somente com base em nosso interesse pessoal (SUNSTEIN, 2003, p. 102). A impossibilidade ou a privação de informações não pode ser a razão das nossas preferências e escolhas. Em política e comunicação, a ausência de demanda tende a ser produto de privações ou carências, mas não justifica a privação de informações.

Cabe questionar quem é o demos que habita o ciberespaço? Quais são os limites territoriais? Não há mais a relação espacial: ser natural de ou ter nacionalidade. A ideia de pertencimento se amplia, desvinculando-se de fronteiras geográficas.

Victor Gentilli lembra que a tendência à universalização dos direitos humanos, consagrados através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da Organização das Nações Unidas (ONU), leva a que

a noção de cidadania ultrapasse as fronteiras dos Estados nacionais e consagre a noção do homem como cidadão do mundo. Além disso, o progresso tecnológico tem feito com que temas emergentes como, por exemplo, a engenharia genética e a ecologia, imponham ao mundo a necessidade de formulação de novos direitos que vão sendo concebidos, nestas circunstâncias, já como universais e mundiais. (GENTILLI, 2002, pp. 3-4).

Direitos humanos, inerentes a toda pessoa, diferem dos direitos do cidadão, os quais podem variar conforme leis e nacionalidade.

Susana Finquelievich (2009) aponta uma série de direitos dos cidadãos na sociedade

da informação: direito a participar da SI; a dispor de meios de aprendizagem sobre as técnicas

e conhecimentos tecnológicos e organizacionais associados à informática; direito de ter acesso comunitário às ferramentas; a estabelecer redes eletrônicas comunitárias; a acesso à informação pública; de ser consultado pelos governos sobre as decisões e planos referentes à cidade e à qualidade de vida de seus habitantes, dentre outros.

Práticas comuns utilizadas por governos para recadastramento de eleitores, por exemplo, como escâner de retina ou impressão digital, requerem maior controle e segurança de dados para que não caiam em mãos erradas, como de empresas seguradoras de saúde, ou mesmo empresas privadas, as quais podem utilizá-los para seleção de profissionais ou segurados (questões éticas). E como confidencializar 100% de tais informações? Como o governo pode garantir que os dados obtidos com essas práticas permaneçam em sigilo? As administrações municipais necessitarão de recursos materiais e de pessoal suficiente para garantir que o voto e as informações do cidadão sejam secretos, que o processo se dê de forma transparente, objetiva, eficiente. Há que se pensar nos dispêndios de manutenção, aquisição de equipamentos, atualizações. Além do cidadão ordinário, quem pagará por todo esse investimento será a iniciativa privada, muitas vezes dominada pela ideia megalomaníaca de crescimento a qualquer custo.

A aplicação das TIC´s nos processos eleitorais é simples consequência do mundo desenvolvido e seu aperfeiçoamento ocorrerá paulatinamente, variando conforme o quanto cada país pode investir em tecnologia e em relação às idiossincrasias de cada nação e de sua forma particular de entender e praticar a democracia (KIM, 2002, pp. 107-118).

O princípio igualitário uma pessoa, um voto pode ser comprometido caso a votação via TIC´s não seja amplamente regulada e fiscalizada. Questão de difícil solução, já que a universalização do acesso também parece ser insuperável.