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2. O que é um videojogo Indie?

2.1 As várias culturas Indie

Considerando a escrita literária uma atividade maioritariamente desenvolvida por um indivíduo, pode parecer evidente que toda a literatura pudesse ser vista como Indie. Desta forma se a literatura é algo que pode ser desenvolvido na sua quase totalidade de forma não colaborativa é também uma das formas de expressão em que o conceito de autor, de que falaremos mais detalhadamente no próximo capítulo, é mais explícito e reconhecido. A maior parte da literatura chega ao público através de uma editora que faz a sua impressão em massa, marketing e distribuição em lojas. Isso acontece normalmente por meio de contractos que vinculam um autor a escrever uma série de livros para essa mesma editora (Thielen, 2012) que pode eventualmente condicionar a independência criativa da escrita através da imposição de diretrizes. Paralelamente, a existência de publicações produzidas de forma mais artesanal e financiadas pelos próprios autores7 mostram-se como formas de publicação mais diretamente Indie. Com a progressiva democratização dos meios digitais e dos eBooks essas convenções têm evoluído, sendo que muitos autores optam por publicar os seus livros em formato digital. Dessa forma podem ser vendidos em sites próprios ou nas lojas de distribuição digital como Amazon,

iTunes e Google Play, num processo semelhante à distribuição digital de

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música, cinema e videojogos. Pode-se utilizar também serviços como o Blurb8,

com impressão on demand, em que cada cópia comprada na página Web é impressa e enviada ao respetivo comprador. Neste formato encontra-se literatura de todos os tipos desde romances históricos a ficção científica ou banda desenhada. Os seus criadores poderão ser considerados escritores Indie mas, nestes casos, o termo é diretamente aplicável quanto à forma de distribuição e não ao seu conteúdo. A literatura é uma das formas de expressão que acarreta menos custos diretos em termos de produção e isso leva a que a imaginação dos seus criadores não experiencie limites e possa abordar as temáticas mais variadas. Assim na literatura cada escritor apresenta-se, de forma independente, como o responsável pelo conteúdo criativo do texto criado sendo portanto diretamente reconhecido como seu autor (Magill, 1974). Quer isso dizer que, neste contexto, Indie é sobretudo uma indicação de uma forma de distribuição.

No que toca à produção musical o termo Indie é bastante utilizado. O princípio de independência é o mesmo do anteriormente falado, a música de um artista ou banda deve ser criada, gravada, produzida e distribuída de forma independente das grandes editoras estabelecidas (Wells & Raabe, 2006, p.2). Durante as décadas de 80 e 90 várias editoras tais como a 4AD (1980) e a Domino Records (1993), consideradas elas próprias Indie, ganharam popularidade considerável através do seu catálogo musical de bandas que se tornaram referências como os Sonic Youth, Pixes, entre muitas outras.

Simultaneamente, a evolução tecnológica permitiu uma progressiva facilidade na gravação de elevada qualidade a partir de meios mais acessíveis a músicos com estúdios caseiros (Simmons, 2009). A internet surge ao mesmo tempo como uma forma de divulgação e distribuição direta de conteúdo que se torna exponencialmente mais vasto e abrangente (Peitz & Waelbroeck, 2005, p.363). Apesar disso esse termo também é utilizado como referência a um género ou derivação dos vários géneros existentes e encontra um maior realce no Rock (Indie Rock). Essa utilização transmite uma ideia de um tipo de sonoridade

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característica dentro de um género sendo associada a bandas como os Smiths,

Arcade Fire, Artic Monkeys ou Radiohead, independentemente do tipo de

editora que possa fazer a sua distribuição e da situação contratual da banda. Encontram-se aqui semelhanças à classificação de videojogos e estúdios de videojogos como Indie em que não é só o modelo de produção como também o tipo de conteúdo produzido que os enquadra nesta tipologia.

A produção de cinema também emprega o mesmo carácter de dualidade entre forma de produção e género/estilo na utilização do termo Indie. Existem produtoras e distribuidoras independentes de cinema e até distribuição própria, principalmente se tivermos em conta os conteúdos que hoje em dia são criados diretamente para Web. Apesar disso o lançamento de filmes nas salas de cinema é maioritariamente associado à produção ou distribuição de grandes estúdios ou subsidiárias dos mesmos. Fora desse modelo o lançamento em sala é maioritariamente local ou limitado ao circuito dos festivais de cinema. Nos anos 90 vários filmes Indie como El Mariachi (Rodriguez, 1992) Pulp

Fiction (Tarantino, 1994) e The Big Lebowski (Coen, 1998) alcançaram um

sucesso comercial considerável. Alguns estúdios independentes responsáveis por produções bem-sucedidas acabaram por ser comprados e absorvidos por outros de maior dimensão o que levou à criação de subsidiárias como a Fox

Searchlight Pictures (1995), a Focus Features (2002) ou a Warner Independent Pictures (2003) que continuaram a caracterizar-se por ter um foco mais Indie

(Andreas, 2006).

A partir da análise de alguns dos filmes Indie de maior sucesso em termos de bilheteiras (Reynoso, 2013) percebemos que em termos gerais têm em comum sobretudo narrativas de temática mais realista, pessoal ou contida. Pode-se alegar que isso deriva diretamente de uma falta de recursos/meios comparativamente com produções de maior orçamento que acaba por resultar num estilo próprio identificável. Mais uma vez entra-se no campo de utilizar o termo Indie como uma forma de estilo simultaneamente associada a uma produção com meios limitados.

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Também aqui, o progresso tecnológico em termos informáticos e a gravação em formato digital vieram a permitir uma autonomia muito maior dos autores que agora podem, de facto, não depender obrigatoriamente de uma grande produtora para conseguir produzir e divulgar o seu trabalho.

Tendo em conta o modelo de cinema independente, Geoff King identifica três critérios distintos que podem daí ser transcritos na definição de videojogos Indie. Partindo das posições dos seus criadores quanto à sua localização relativamente à indústria, as suas opções formais e estéticas e a sua relação com a envolvente sociocultural, política e ideológica (2005).

Pode-se por outro lado constatar que o termo “filme independente” é aceite de uma forma geral por críticos, criadores e espectadores como forma e tipo de produção maioritariamente livres de interferências externas. Outra caracterização um pouco mais subjetiva define-o como sendo todo o filme que questione a produção mainstream, seja pela sua qualidade económica, tecnológica ou cultural. Eric Zimmerman considera que esta ideia pode ser igualmente aplicável ao campo dos videojogos (2002).

Segundo Jahn-Sudmann, a comparação entre cinema e videojogos independentes é díspar no que toca ao tipo de conteúdo. Se no contexto cinematográfico os criadores independentes procuram distinguir-se da restante indústria a partir de imagens e temas provocadores, por exemplo com violência excessiva, nos videojogos isso já acontece na sua vertente mainstream. Em videojogos de grandes estúdios como GTA V (Rockstar Games / Take Two Interactive, 2013) o foco é precisamente a violência e criminalidade e, além disso, é facilmente verificável, empírica e estatisticamente, que a maioria dos videojogos mais populares tem por base conteúdos violentos (Statista, 2015). A distinção trazida pelos criadores independentes tem assentado diversas vezes como uma forma de oposição, num tratamento diferente ou mesmo na ausência de violência (Sudmann, 2008).

Podemos assim verificar que, de uma forma geral, o termo Indie é predominantemente utilizado com o duplo sentido de “forma de produção” e “conteúdo/estilo” nas várias formas de cultura e entretenimento. Se cada meio

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tem as suas características e especificidades quanto a estilo, já na relação tradicional que as indústrias criativas partilham com os seus criadores, da música ao cinema, literatura e videojogos, existem fortes semelhanças. De forma muito sintética, os criadores/autores produzem conteúdos criativos e negoceiam acordos de distribuição e financiamento com produtoras ou editoras em troca de royalties (Zimmerman, 2002). É igualmente comum, em todas estas indústrias, uma evolução e fragmentação dos suportes de distribuição e da forma como fruímos de cada uma destas experiências (Simmons, 2009).