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3. ATRAVESSAMENTOS DO PENSAMENTO: UM TENTATIVA DE

4.1. As vozes dos corpos que importam

Para Renata Carvalho, atriz protagonista do monólogo “O Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu”, espetáculo censurado em algumas cidades do Brasil, diretora e travesti,

membra do Movimento Nacional de Artistas Trans (MONART) e ativista do manifesto Representatividade Trans, afirma que “representatividade é o ato desse Corpo Trans estar presente”33 (CARVALHO, 2018). É compartilhando dessa ideia que peço mais uma licença para iniciar a célula mais importante desse trabalho. Durante o processo da pesquisa, pude acompanhar de perto e de longe o trabalho desenvolvido pela banda As Bahias e a Cozinha Mineira, sendo plateia em shows, conversando informalmente com as integrantes e assistindo e ouvindo diversas entrevistas e falas em eventos que Assucena e Raquel participaram. As linhas a seguir são uma transcriação das falas das artistas interagentes dessa pesquisa e elas estarão em itálico.

Em entrevista para João Campos34, em 2017, Assucena Assucena relembra que

ao passo que a gente transicionava, a gente já acessava os palcos. Então, o palco foi uma coisa muito natural. Quando a gente se encontrou na faculdade, inclusive, ainda em processo de transição, começamos a fazer shows. A transição acontece junto com o processo artístico. A gente poderia não ser trans e estar com visibilidade pelo simples fato de sermos artistas, mas pelo fato de sermos trans essa visibilidade fica mais evidente. É muito fácil você se render e ceder o seu espaço para o ‘fazimento’ da sociedade. E, a partir do momento em que você diz que não vai se render e reivindica o seu espaço, isso é resistir.

Para Raquel Virgínia, enquanto travesti negra,

o racismo no Brasil é mais sofisticado, enquanto a transfobia é mais grosseira. As pessoas riem descaradamente na minha cara pelo fato de eu ser trans do que elas descaradamente são racistas. Lembro-me, quando criança, de quando assistia as novelas da Globo sobre escravidão, ficava indignada e questionava o porquê das empregadas serem todas negras. Não dá mais para você assistir uma novela e ver um núcleo de pessoas negras. Em todos os núcleos precisa ter pessoas negras. Não é um avanço ter um núcleo de artistas negras, pois em todos os núcleos há pessoas brancas.

Sobre o processo criativo, Assucena relembra que

o fato da gente ser trans potencializou uma discussão quando a gente apresentou uma arte com uma densidade histórica e artística. Muitas pessoas questionavam se as canções eram nossas, duvidando da nossa capacidade de compor músicas com qualidade técnica e poética. As trans sempre apareciam na televisão de forma jocosa, engraçada. Lógico que era também um papel de resistência. No entanto, era lugar comum e esses estereótipos vão nos estigmatizando. Eu acho que o mundo não está preparado para receber a 33 Em texto manifesto publicado no Facebook, disponível em: https://bit.ly/32RDrmW

gente, ele já não foi preparado para nos receber. É tanto que a gente já cresce tendo de ‘ir para o armário’, tendo que nos esconder a todo momento. E, na medida em que você ‘bota a cara no sol’ você se apresenta pro mundo e diz: eu existo. E isso é ser humano e fazer a minha humanidade. Há muita beleza nesse ato, em você olhar e saber que você está ali e que tem pessoas como você no palco, na universidade, na televisão. Antes a trans só tinha o espaço da marginalização social dos viadutos, das periferias, e não mais - queremos entrar na universidade e ser vistas.

Em entrevista para o programa Estação Plural35, veiculado na TV Brasil, em junho de 2017, rememorando o tempo em que a conexão entre elas foi feita - enquanto estudavam História na Universidade de São Paulo (USP) e tinham o mesmo apelido de “bahias”, pois Assucena é de Vitória da Conquista (BA) e Raquel paulistana, tendo residido muitos anos em Salvador antes de ingressar na universidade - Raquel lembra que

gostava mais da vida universitária do que da sala de aula em si. A banda, naquele momento, era uma válvula de sonho, uma oxigenação da vida e me dava mais coragem para viver. Quando entrei na USP, ela me chocou pesadamente, principalmente no primeiro semestre do curso, quando discute- se sobre Brasil colonial, escravidão e racismo - pois também participava do movimento negro na universidade. Aquele movimento de ver na sala de aula a branquitude discutindo temas da negritude e as faxineiras, em sua maioria negras, precisando jogar lixo no corredor da universidade para que os alunos parassem de discutir temas da negritude sendo brancos, foi chocante. Nesse momento me dei conta: a Universidade de São Paulo é isso. E eu não conseguia frequentar a USP, estava sempre fora da sala de aula.

Para Assucena,

a aproximação com amigas do movimento feminista foi um sustentáculo ideológico. Lembro-me de quando comecei a transicionar, elas me davam roupas, maquiagens e, além de tudo, falávamos muito sobre feminismo. Era um suporte emocional.

Raquel relata que essas experiências vividas na universidade reverberam na carreira artística e diz que

fizemos uma reformulação em nossa equipe e decidimos que contrataríamos mulheres negras e mulheres ou homens trans para ocuparem os cargos de produção de campo, holding, técnico de som. Acho que estamos em um momento que não apenas precisamos discutir a representatividade, como também precisamos discutir a proporcionalidade, pois isso facilita o diálogo. Acredito que há algumas medidas que são emergenciais. Por exemplo, ir a 35 Disponível em: https://bit.ly/2yKo6Zp

um evento em que vamos nos apresentar e vermos mulheres trans trabalhando na recepção, percebemos que o evento tem um posicionamento político e não serei a ‘animação’ dos cisgêneros. Pois tenho muito receio de virar a vênus hottentote36, o espetáculo exótico. Então, quando você entra em um evento

desses a sua postura já é outra.

Sobre a censura nos meios de comunicação de massa e em ambientes digitais online, Assucena relembra que

tivemos problemas com o clipe de “Apologia às Virgens Mães”, dirigido por Jaloo, por mostrar seios femininos, uma questão de misoginia. Essa desconstrução precisa ser feita. Existe uma prisão com o corpo feminino. É tão díspares que é impressionante não parecer absurdo a foto de um peito masculino e ser quando se trata de um corpo feminino. A desigualdade está pelo tamanho do absurdo de ser comum apenas um corpo masculino mostrar- se despido.

Para Raquel, o movimento de vigília nas redes sociais é

um pacto entre as pessoas preconceituosas que denunciam e aceitam a denúncia de certos conteúdos. Precisamos ter a consciência de que estamos sendo vigiadas o tempo todo.

Assucena, ao falar sobre o apagamento dos corpos dissidentes, relata que para muitas pessoas,

uma mulher que mostra os seios não pode existir. Eu lembro que a primeira vez que saímos na Folha de São Paulo foi um espanto, pois tínhamos como objetivo de pauta a divulgação do disco “Mulher” e que duas travestis estavam à frente da banda, mas nos deparamos com comentários do tipo: “demônio”, “se me dessem esse disco eu jogaria no lixo”. Isso mostra que essas pessoas não tinham nenhum conhecimento a respeito do que somos, da nossa história. O sistema permite nossa existência porque sabe que não somos antinaturais, mas existe uma delimitação. Foucault fala disso em “História da Sexualidade” - podemos existir, mas onde? Na rua, no cabaret, debaixo do viaduto à meia luz, dentro de termos pornográficos. Não se pode falar de travesti em uma mesa de família porque não convém. Precisamos normatizar a nossa vivência. Lembro-me que uma das coisas que mais me deu força durante a transição foi uma amiga que me levava para a sua casa para jantar com a avó, festas de família. Uma amiga me convidando naturalmente como amigas fazem. Porém, tratam-nos, em maior parte, como um corpo não familiar.

36 Em referência a Sarah "Saartjie" Baartman, a mais famosa de ao menos duas mulheres negras do povo khoisan que foram

Em uma reflexão breve sobre as estéticas do corpo e dos símbolos das vestimentas, em entrevista para o canal PAPO137, Raquel diz que

o que não é o seu espelho, as pessoas acham feio, acham estranho e recusam. Quando as pessoas têm uma tendência revolucionária, o novo pode ser sempre assimilado também. Eu, como uma mulher trans, a minha roupa tem tudo a ver com a minha postura no meu dia a dia. Uma grande parte do nosso tempo artístico é discutindo o figurino. Queremos fazer música com uma liberdade plena e interseccional com os espaços e todos os tipos de artes possíveis.

Para Assucena,

a forma com a qual você se veste está totalmente integrada com o status quo, com a cultura, com o que você pensa, com o que você quer dizer. A música e a moda conversaram e continuam conversando o tempo todo, a ponto de não sabermos quem influencia quem. Isso é novidade, gera linguagem e movimento.

Sobre o processo criativo do conceito do primeiro disco lançado pela banda, intitulado “Mulher”, em 2015, em entrevista para o canal Show Livre38, Assucena relata que aconteceu de forma natural

quando fomos ouvir o disco “Fatal”, da Gal Costa, surgiu o embrião da música “Apologia às Virgens Mães”, que depois eu desenvolvi e fiz a canção. O disco é composto por canções que relatam o cotidiano do universo da mulher e percebemos que havia uma intersecção de conteúdos, não necessariamente de formas. Chegamos a discutir, por vezes, palavra por palavra das canções. Elas estão ali não por acaso para a escolha das histórias e narrativas. Ouvindo o disco de Gal, aprendemos a como compor uma obra, pois o disco tem um sentido estético de uma obra. Então, a música não é entretenimento. Ela é também entretenimento. Enxergamos o disco como uma obra de arte. E, partir para essa contemplação estética, foi um foco nosso. Nesse sentido, a música popular brasileira nos apresentou mestras e mestres incríveis, como Gal Costa, Elza Soares, Elis Regina, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Milton Nascimento, em O Clube da Esquina.

Sobre a composição do primeiro single do CD, “Apologia às Virgens Mães”, Assucena relata que ela foi a primeira que nasceu no processo criativo do disco a partir de

uma conversa minha, da Raquel e do Rafael Acerbi sobre Teoria da História e é uma canção que tem uma divagação sobre o tempo, sobre uma intersecção 37 Disponível em: https://bit.ly/2XXuGsq

de tempos que se cruzam, usando metáforas do cotidiano da mulher como ponto de cruz, como amamentação e uma crítica à hegemonia do pensamento que aloca a mulher apenas como mãe ou como santa, enquanto as profanas são jogadas ao léu. Lógico que o feminismo está mudando isso, trazendo um novo tipo de pensar, uma liberdade comportamental, uma revolução dos costumes, propondo-se a pensar o corpo de uma outra maneira. E, o movimento LGBT deve muito ao movimento feminista nesse sentido. Essa é uma canção que louva a mulher, independente dela ser santa ou profana porque se Jesus Cristo, que foi o filho da santa, foi crucificado na cruz, quem dirá os filhos da puta.

Ainda sobre o disco “Mulher” (2015), em entrevista para o canal Tropi.Press39, Assucena atenta para o fato de

ser um disco lírico, em princípio. E, dentro desse lirismo e de quem o produziu, há uma questão política importante colocada e percebemos, depois do processo de criação, que não havia ali a imagem da mulher sexualizada, não que a autossexualização do corpo feminino seja um problema, pois o corpo é dela e pode fazer o que quiser com o seu corpo, o problema é a objetificação do corpo feminino. Então, é uma obra que expressa sentimentos.

Para Raquel, como a gente se deu essa liberdade de criar e respeitamos o

repertório que tínhamos à nossa conjuntura, as pessoas que entram em contato com o nosso trabalho se identificam com as pautas de gênero e raciais presentes na obra. Continua muito difícil, nos espaços privados, competir com as dinâmicas da produção de arte no país. O espaço público, nesse caso, é muito importante para pressionar os espaços privados a repensarem as suas posturas diante de todas as diversidades. Esse movimento é importante, reconhecer o espaço público como uma ágora de discussão política.

Segundo Raquel,

é ótimo que os preconceituosos vejam que estamos na praça, que eles estejam na praça também, e que o debate aconteça na praça pública, pois isso é humano. Quando você leva a discussão para os espaços públicos, você está sendo generoso em vários sentidos - com o artista, com o público, com a humanidade, pois mais gente está tendo contato com a linguagem e isso é importante, principalmente quando essa linguagem pretende discutir questões essenciais para o convívio público. Então, se nos meios hegemônicos como a rádio e a TV não há essa discussão, vamos para os espaços públicos.

Para Assucena, em entrevista para o Programa Metrópolis40, veiculado na TV Cultura, em fevereiro de 2016,

a arte tem o movimento de trazer à tona e talvez generalizar com certa velocidade certas discussões que são invisibilizadas. Os termos transexual e travesti querem dizer a mesma coisa, mas há um recorte de classe na 39 Disponível em: https://bit.ly/2K843Yn

utilização. A palavra travesti é sempre marginalizada, assim como quem é travesti e conceitualmente usada apenas para se referir à prostituição. É importante começarmos utilizar politicamente o termo é importante, pois a diferença é de auto identificação, pois 90% das travestis estão renegadas aos espaços de marginalização da noite. Enfrentar o dia, enquanto corpo travesti, é um desafio, pois os olhares pontiagudos te levam para dentro do quarto. Então, a visibilidade dos nossos corpos é importante. Acredito que, embora algumas trans queiram fazer a cirurgia de redesignação sexual e outras não, isso não determina o que é ser transexual, pois essa dicotomia é uma construção social. A roupa nos reveste como uma segunda pele. Tanto é que a diferença entre um bonequinho de um banheiro feminino para um masculino é a roupa e isso é uma dimensão sintomática.

Sobre a concepção do disco “Mulher” (2015), Assucena, em entrevista para a Trip TV41, afirma que

o nome veio de um entendimento mútuo da naturalidade desse nome, que é uma palavra que nos toca diretamente, nos atinge diretamente, por isso nos constitui. Não está só na roupa ou no corpo, está na identidade. É uma forma de expor essa natureza que é nossa.

Partindo para uma reflexão sobre a transgeneridade, Raquel afirma que

várias pessoas que são trans crescem achando que são homossexuais, pois nas casas e nas famílias isso não é uma possibilidade. Eu só descobri essa possibilidade quando adulta. É uma transformação muito delicada e por isso a visibilidade é importante. É um movimento que, dadas as devidas proporções do que acontece ou não na história, é recente. Sempre existiu travesti e transexual ocupando os espaços, mas sempre de forma pejorativa e jocosa. Agora que estamos aparecendo como pessoas que produzem linguagem e arte, travesti entrando na faculdade em primeiro lugar. Todos esses movimentos são recentes e precisamos conquistar nossos espaços com tranquilidade para não enlouquecer.

Em documentário42 produzido pela própria banda, Assucena afirma que

é necessário dizer que a política e a militância permeiam o nosso disco, mas não é o centro da obra. Porém, por ter duas travestis na linha de frente, o preconceito do lado de lá vem a todo momento. É uma questão de visibilidade e representatividade.

Para Raquel,

41 Disponível em: https://bit.ly/2JXqqzg 42 Disponível em: https://bit.ly/2Gn0g8r

enquanto mulher trans negra, eu tenho que responder a muitas violências cotidianamente. Nossa mensagem é a poesia em português e a resistência. Em entrevista para o canal Me Salte43, Raquel diz que

ter atitude é não deixar o mundo resolver as coisas por você, é não deixar que tudo que está dado esteja dado. Por ser uma travesti negra, existe uma força grande que eu trago por ser, muitas vezes, pessoa única nos espaços que eu convivo. Então, mesmo quando estou com muitas pessoas negras, geralmente eu sou a única travesti negra. A mesma coisa acontece em outros lugares. Isso não me orgulha, isso me preocupa porque eu fico pensando onde estão as outras travestis negras. E a resistência está aí - no momento em que eu consigo enxergar que eu sou uma figura estranha em meio às outras pessoas. As pessoas se enxergam nas outras e, geralmente, a gente gruda em quem a gente mais se parece fisicamente

Para Assucena,

a nossa atitude é “botar a cara no sol”, é tornar-se um eu positivo no mundo. A música tem o poder de difusão de ideias, além da questão artística. E, nisso ela ganha um papel social importante que é propagar ideias pela liberdade comportamental e pela revolução dos costumes. E acho que trazemos isso em nossas composições, em nossas críticas e até quando a gente fala de amor, quando queremos ser amadas porque é um ato político também uma travesti ser amada e amar, e lutar por outras dignidades porque nos colocam em um espaço de marginalidade social, como o da prostituição e não é só esse o nosso lugar. Nós vamos para esse lugar se quisermos, mas a maioria das travestis não tiveram opção nessa vida. Você vê travestis nas universidades, nas recepções de hospitais, em outros empregos que não a prostituição? Não. As pessoas tratam a transgeneridade como uma degradação moral do ser.

Durante a Semana Internacional de Música de São Paulo de 2016, Assucena e Raquel participaram, juntamente com Linn da Quebrada, Liniker, Lineker e Jaloo, da mesa “Liberdade de gênero na música”44, mediada por Djamila Ribeiro. Para Raquel,

as questões de gênero na música são delicadas e estão cada vez mais em evidência, principalmente por conta da cena que emerge nos tempos em que estamos vivendo. Essa cena não é, necessariamente, a indústria cultural ou o show business que resolveu ficar ‘bonzinho’ e dar espaço para nós. Estamos aqui porque, primeiro, temos muito talento como muitas outras pessoas e, segundo, porque existe uma pressão de muitas pessoas para que estejamos aqui. Ainda assim, os desafios não são menores por isso. Pelo contrário, os desafios são grandes porque tudo o que estamos conquistando e vamos conquistar está sendo a base de pressão. Esse ano, inclusive, em um balanço pessoal, foi o que mais tive destaque profissionalmente como artista e foi o

43 Disponível em: https://bit.ly/2u8f7z5 44 Disponível em: https://bit.ly/2XY4bmU

ano que mais sofri violências, não só na rua como também nos ambientes do show business e na indústria cultural .Precisei ouvir de homens (cis) que eu precisava saber qual era o meu tamanho e respeitá-lo e o meu tamanho (para eles) era menor do que o deles. E, claro, que manter um projeto que traz duas travestis na linha de frente de forma deliberada, no país que mais mata travestis e mulheres negras, não é uma tarefa fácil. Por isso, nosso trabalho é muito potente. Nessa discussão, precisamos não apenas festejar os louros, mas também colocar em evidência as contradições disso tudo. Fazer com que nosso projeto se propague é um desafio cotidiano. É importante também discutirmos as questões raciais, pois muitas vezes as pessoas optam em conversar com a Assucena, enquanto travesti não negra, sobre questões financeiras dos projetos que são encabeçados por mim, pois se recusam a negociar ou serem orientados por uma pessoa negra. O show business e a indústria cultural nunca foi menos racista do que qualquer outra estrutura.

Assucena relata que

o ano em que lançamos o disco Mulher, em 2015, foi um ano em que as pautas de debates de gênero começaram a emergir de forma poderosa. Nesse mesmo ano em que lançamos o disco “Mulher”, Elza Soares lança “A mulher do fim do mundo”, Ava Rocha traz “Ava Patrya Yndia Yracema”, Liniker aparece como uma grande surpresa, Linn da Quebrada, MC Sofia e Jaloo. Acredito que 2015 e 2016 foram anos que eclodiram debates que já existiam, mas nós que estamos a curta distância não conseguimos enxergar o que representa esse momento. Como historiadora, acredito que conseguiremos enxergar o que foi esse momento muito mais à distância, teremos algumas apurações sociológicas desse processo de reconhecer a arte como catalisadora de sentimentos do mundo e de processos históricos e sociológicos. Nossa obra não é um disco político em si, ele é político porque qualquer pessoa é um ser político, mesmo quando se fala ou não, pois existem decisões e escolhas