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3. ATRAVESSAMENTOS DO PENSAMENTO: UM TENTATIVA DE

3.2. Comusicação: a música sob uma perspectiva comunicacional

Em quais ocasiões e circunstâncias, a música se faz presente? Essa é uma daquelas perguntas para a qual as respostas são subjetivas. Para algumas pessoas, a música surge em momentos de fruição, relaxamento. Para outras, é a companhia perfeita para dirigir ou caminhar. Em alguns momentos, a música surge e, junto com ela, vem uma lembrança/memória afetiva. Seja em casa, no percurso do trabalho ou em shows, trata-se de um produto cultural simbólico multifacetado que está presente na realidade de todos nós. Mas, o que seria música? A música é meio, mensagem ou mídia? Ela é também comunicação? Por que os estudos em comunicação ainda, de certa forma, não dão tanta importância às lógicas da indústria fonográfica? Essas são questões propulsoras para tentar compreender a complexidade dessa forma de expressão multifacetada, convergindo-se em mídia, meio e mensagem - o que designo como comusicação.

Em entrevista para o Canal Brasil5, o compositor e cantor Paulinho Moska conceitua a música como “silêncio”. Para Moska, “música é fundamentalmente pausa. Depois, harmonia, melodia e ritmo. Mais do que fundamentalmente, ritmo é alternância de pausas” (MOSKA, 2018). Compreendo que a linguagem ocupa um lugar privilegiado na tradição ocidental do discurso e acredito que a música é um conjunto complexo construído a partir dos elementos mencionados por Moska, acrescentando a ideia de Finnegan (2012, p. 19), de que “de certa maneira, deveria parecer óbvio que para analisar a palavra cantada precisamos entendê-la como performatizada, encenada por meio da voz – afinal, o canto é em si próprio entendido como um marcador de “performance”.”.

Partindo para uma abordagem filosófica da música,

então, uma canção – ou um poema oral – tem sua verdadeira existência não em algum texto duradouro, mas em sua performance: realizada em um tempo e espaço específicos através da ativação da música, do texto, do canto e talvez também do envolvimento somático, da dança, da cor, de objetos materiais reunidos por agentes co-criadores em um evento imediato. [...] uma canção, que em termos de sua letra e melodia escritas poderia parecer a “mesma”, pode ser realizada de diferentes maneiras em diferentes performances. A performance cantada é evanescente, experiencial, concreta, emergindo na criação momentânea dos participantes. (FINNEGAN, 2012, p. 23-24)

Ao tentar resgatar parte da história da música brasileira, percebi em movimentos como a bossa-nova e o tropicalismo uma forte influência da identidade nacional. Na década de 1960,

por exemplo, o tropicalismo trouxe para o cenário musical brasileiro influências do rock, que era visto por muitos como uma vertente musical alienada e estrangeira, criando um embate com a MPB (música popular brasileira), em especial com a bossa-nova. De lá para cá, o mercado fonográfico sofreu várias reconfigurações quanto à sua lógica e funcionamento no tocante ao fazer e trabalhar com música. Hoje, vemos emergir no cenário nacional artistas que levantam questões identitárias diferentes das décadas passadas, quando o nacionalismo era uma pauta fortemente reivindicada. Além das configurações do mercado fonográfico, a emergência de pautas como identidades de gênero vêm sendo os gatilhos da criação de muitas artistas.

O setor fonográfico talvez seja um dos mais complexos sistemas comunicacionais existentes, movimentando um mercado global. O movimento de globalização vem reconfigurando a indústria fonográfica. Não me interessa aqui reescrever a história da indústria fonográfica brasileira, pois acredito já serem fatos postos e muito bem detalhados por várias pesquisadoras e pesquisadores, como Marcia Tosta Dias (2008), Jairo Severiano (2017), Ricardo Marques Sastre (2016), Eduardo Vicente (2000) e Leonardo de Marchi (2008). Mas, se tentarmos traçar uma breve linha histórica panorâmica da indústria fonográfica, perceberemos que a produtificação, ou seja, a transformação de algo (uma ideia, um objeto, um corpo etc.) em produto que gera lucro, da música vem se dando de formas diferentes com o passar dos anos e das circunstâncias históricas e econômicas do país. Décadas atrás, quando vimos surgir os primeiros LPs, a música ocupava um lugar elitizado na sociedade, estando muitas vezes restrita aos lares da classe média alta que possuía poder aquisitivo para possuir uma vitrola e ouvir artistas em suas casas, ou aos que possuíam TV e assistiam aos grandes festivais de música, como os da Record e da Manchete, por exemplo. Nessa mesma época, o rádio também ocupava um lugar de destaque na veiculação e disseminação da música brasileira. Anos depois, os discos de bolacha foram reduzidos em outras mídias como a fita K-7 e, mais tarde, o CD. Os aparelhos de som tornaram-se mais populares e acessíveis a outras camadas sociais. Logo veio um novo processo global, agora conectando as nações através da internet. A produção musical passou a migrar dos dispositivos tradicionais para habitar as nuvens digitais online. E isso causou uma grande crise da indústria fonográfica, como poderemos ver mais adiante.

Se para algumas pessoas da área essa modernização global trouxe consequências negativas para o mercado fonográfico, ocasionando o possível fim dos discos/álbuns como formato primordial, em detrimento da pirataria, para outras, esse movimento vem mostrar outras possibilidades no fazer música, tarefa até pouco tempo estritamente mediada pelos grandes conglomerados de empresas fonográficas que detinham o poder da linha produtiva

global, possibilitando agora uma maior disseminação da produção independente. Se até pouco tempo atrás os discos (CDs e LPs) eram o principal formato para disseminar produtos musicais, hoje as plataformas streaming (como o Spotify) vieram para ressignificar o consumo e a relação da sociedade com a música.

Encarando-a como produto cultural simbólico multifacetado que carrega em si uma complexidade epistemológica tanto diante dos seus conceitos imbricados, quanto diante dos instrumentos como corpo, performance e canção no processo do “fazer”, analisando de forma exploratória o seu papel frente à representatividade trans e travesti no cenário brasileiro contemporâneo, compreendo que

a música é assim um eterno fluir, um vir-a-ser de representações que obtemos em determinados momentos de contemplação sonora. O ser da música sempre nos escapa, devido a sua constante nadificação dada pelo cogito reflexivo, pela consciência. A nossa audição, o nosso juízo nunca será o mesmo e, sobretudo, o conhecimento que supostamente acreditamos ter de uma determinada música. (ARAÚJO, 2013, p. 647).

Assim, tendo como interagentes os processos de produção, criação, circulação e divulgação da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, que tem à frente duas travestis ocupando o lugar central do palco e da visibilidade, percebo que a música, enquanto prática social e produto cultural simbólico imbricado, constrói narrativas e cria dinâmicas sociais, possibilitando que corpos dissidentes possam expressar, através da arte, a afirmação e fortalecimento de identidades na sociedade midiatizada contemporânea por meio de estratégias sensíveis.

Muito antes de se inscrever numa teoria (estética, psicologia etc.), a dimensão do sensível implica uma estratégia de aproximação das diferenças - decorrente de um ajustamento afetivo, somático, entre partes diferentes num processo -, fadada à constituição de um saber que, mesmo sendo inteligível, nada deve à racionalidade crítico-instrumental do conceito ou às figurações abstratas do pensamento. (SODRÉ, p. 10-11, 2006).

Logo, o termo comusicação surge de forma embrionária a partir do entendimento de que a música emerge como um expoente de troca comunicacional e de afetos de forma abrangente, desde a performance das artistas até as canções de suas obras, dialogando direta e indiretamente com a representatividade e o protagonismo no cenário social atual de pessoas LGBT e, mais especificamente, com a “categoria” mais negligenciada e marginalizada que são

as travestis e pessoas transexuais6. Assim, acredito ser necessário questionar e analisar como podemos abordar a música, dentro do cenário contemporâneo, sob o olhar comunicacional, pois carrega em si complexidade epistemológica, sendo, muitas vezes, seu estudo restrito aos campos das artes e sociologia.

Tendo em mente que as artes têm em si a possibilidade de um movimento de trazer à tona e, de certa forma, generalizar certas discussões que são invisibilizadas pela mídia, percebe- se na música, por uma perspectiva comunicacional (comusicação), o poder não apenas de agenciar, mas de fazer circular e estabelecer trocas de ideias com muita velocidade, sendo necessária uma análise que possa trazer à tona inquietantes e contemporâneas questões fundamentais para a compreensão do processo em sua totalidade.

Por que a música, apesar de ser considerada por muitos como um dos universais da vida humana, seria um produto cultural diferenciado no processo de mundialização da cultura? Talvez esse seja um questionamento propulsor para uma reflexão acerca das inúmeras possibilidades que a música, enquanto produto cultural simbólico, proporciona ao ser tocada, ouvida e sentida. Se no fazer artístico a música pode se desdobrar em uma complexa rede de especialistas, ela termina por existir numa experiência coletiva. E, aqui, a música mostra suas múltiplas facetas, agregando texto, performance, canção, melodia e outros elementos que se misturam simultaneamente numa experiência única.

Para Marcia Tosta Dias, a complexidade desse processo de mundialização da cultura promovido pela música se dá por suas particularidades socioculturais. Para a autora, “a música tem se apresentado como importante elemento de expressão cultural em várias sociedades, aparecendo sempre circunscrita a espaços sociais e políticos definidos” (DIAS, 2008, p. 27). É nessa perspectiva que proponho aqui refletir sobre esse elemento complexo que vem deslocando as pautas de discussões sobre gênero, sexualidade e identidades emergentes na atualidade. Mas, o que seria a música? Qual o seu papel frente a essas discussões?

Até chegar a essas respostas, é preciso rever e refletir sobre os estudos já bem estruturados em torno do que conhecemos como “indústria cultural”, conceito elaborado por T. W. Adorno e M. Horkheimer na “Dialética do Esclarecimento” (1985). Para Marcia Tosta Dias (2008), se em muitas análises sobre a música (e, consequentemente, sobre a indústria fonográfica) os pressupostos metodológicos de Adorno e Horkheimer são considerados limitadores, são eles também que abriram, de certa forma, reflexões acerca do assunto,

6 De acordo com os dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é o país que registra o maior número de assassinatos de

LGBTs nas Américas, com a ocorrência de 445 mortes por motivação homofóbica em 2017 – 1 a cada 19 horas (sendo 42,9% pessoas trans)

apontando algumas direções sobre a importância de atentarmos a esse elemento complexo deixado de lado por muitas pesquisas dos meios de comunicação.

Uma das questões essenciais dos Estudos Culturais é o advento da chamada sociedade de massa. Mattelart e Neveu (2004) fazem um apanhado histórico dos estudos culturais, apontando que um dos maiores contribuintes nas pesquisas foi Richard Hoggart7, fundador do Centre for Contemporary Cultural Studies, em 1964, na Universidade de Birmingham. Os estudos feitos pelo Centro, inicialmente, se apoiam nas ideias etnográficas de Hoggart sobre a classe operária. Hoggart observa que o processo de urbanização e o prolongamento da escolarização dos jovens afetaram os referentes culturais da sociedade, sendo criadas subculturas. Outro processo que afetou esses referentes foi o da desindustrialização (anos 1980), contribuindo para o surgimento de subculturas (de jovens) que buscavam referência na classe operária. Nesse ponto, Hoggart faz uma relação entre a mídia, a construção de estereótipos e a política como fatores que influenciam diretamente o surgimento de subculturas. Os estudos de Hoggart também ser caracterizaram pela tentativa de compreensão das formas como as classes operárias apropriaram-se dos produtos da cultura de massa em ascensão, em relação às formações culturais populares das quais a cultura de massa também se apropriou na produção de suas mensagens.

Outras pesquisas vão suceder em relação às subculturas, como é o caso dos estudos que buscam compreender a “relação dos jovens dos meios operários com a instituição escolar” (MATTELART e NEVEU, 2004, p. 67). Um dos estudiosos de referência é Paul Willis, que afirma que os “boyzinhos” reivindicavam valores operários na escola quando agiam de forma agressiva e recusavam-se a fazer parte de certos grupos sociais e de comprometerem-se com os estudos. Posteriormente, Stuart Hall desenvolve estudos sobre a percepção da mídia pela sociedade, principalmente sobre a televisão, chegando a concluir que o entendimento da mensagem transmitida pela mídia audiovisual passa por um processo de decodificação e uma única mensagem pode ser compreendida de forma diferente por cada um dos “telespectadores”, pois fatores culturais vão influenciar diretamente nessa percepção e entendimento da mensagem. É nesse contexto em que as pesquisas vão se preocupar em estudar como o consumo da sociedade de massa vai ser alterado a partir dos meios de comunicação e como esses meios vão “dar nexo a um tecido social em formação” (BRITTO, 2009, p. 120). Para Britto, uma das contribuições dos Estudos Culturais foi perceber que a partir das mediações sociais, as pessoas

7 Autor de The Uses ofLiteracy: AspectsofWorking-Class Life (1957), traduzido para português em 1973 (As Utilizações da

Cultura – aspectos da vida da classe trabalhadora, com especiais referências a publicações e divertimentos; Editorial

se “relacionam” com a comunicação de massa, estabelecendo negociações simbólicas a partir da oferta proposta pelos veículos, mas também de sua visão de mundo, de seus hábitos e crenças, ou seja, de sua cultura” (BRITTO, 2009, p. 128)

Posteriormente, de acordo com Martino (2012), a partir das ideias de Adorno e Horkheimer, o conceito de indústria cultural surgiu para estudar as relações entre Modernidade e cultura. Para Adorno e Horkheimer, “a cultura era o lugar de resistência contra a técnica” (MARTINO, 2012, p. 48), enquanto a Modernidade pretendia transformar essa cultura através da técnica. Para a Modernidade, essa transformação significava a liberdade, ao passo que os dois autores viam nessa mudança a dominação através da indústria cultural.

Para Adorno e Horkheimer, “na indústria cultural, o lucro orienta a produção, e o espaço da criação individual é eliminado em virtude da lógica da produção coletiva” (MARTINO, 2012, p. 49), na qual os produtos simbólicos fabricados têm vida curta, pois é preciso ter uma rotação no mercado para que o público não se canse de um determinado produto. Exemplo prático dessa ideia seria a indústria fonográfica que constantemente lança novos produtos midiáticos para a massa, visando apenas o lucro.

Depois da indústria cultural, a cultura erudita (ou alta cultura) e a cultura popular são apropriadas pelo mercado, que gera produtos palatáveis e de fácil consumo, sem a sistematicidade da cultura erudita ou a energia das práticas populares, resultando em produções para um público médio, muito parecidos, gerando a cultura de massa. Segundo Martino (2012), a indústria cultural produz bens simbólicos eruditos “nas formas simples e fáceis da cultura de massa” – a chamada midcult (MARTINO, 2012, p. 50). Um exemplo prático da midcult seria a produção em série de obras (ou parte delas) do Beethoven, passando a falsa ideia para a cultura de massa do conhecimento de sua produção, como no caso da Nona Sinfonia que se apresenta em formas compactas, dando a impressão de conhecerem toda a composição.

A modernidade trouxe consigo a mercantilização dos produtos midiáticos. Transformados em mercadorias, os produtos midiáticos passam a ocupar o imaginário das pessoas como algo a ser necessariamente consumido. Diferentemente do pensamento de Adorno e Horkheimer, para Walter Benjamin, o momento de admiração de uma obra de arte é revestido pela “aura”. No entanto, com a Modernidade, essa “aura” foi perdida na medida em que as obras iam sendo reproduzidas em grande escala e ganhando o mesmo valor que as originais. Mas, para Benjamin, essa reprodução também poderia significar uma maior valorização da obra original, pois as pessoas, ao estarem diante de uma cópia, desejaria ver a original.

Quando Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985) criaram o conceito de Indústria Cultural eles apontaram as diversas transformações que o mundo moderno e capitalista trazia para a sociedade. Esses teóricos abordavam a conversão da cultura em mercadoria, em que apenas o lucro do que era produzido importava.

Como diz Rudiger (2005, p. 138), a expressão Indústria Cultural designa “uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no mercado” Sendo assim, todo tipo de arte é abarcado dentro desse conceito. Música, literatura, teatro, todos esses segmentos seriam “vítimas” do olhar voltado para o lucro. No entanto, percebo que diversos grupos artísticos alternativos vêm ganhando notoriedade, como é o caso da cena LGBT.

Essa produção em massa de cultura faz com que a população se deixe levar através do que os meios de comunicação em massa disponibilizam no momento. Se o que está “em alta”, por exemplo, é o sertanejo universitário ele será consumido até o seu esgotamento ou até que surja outro produto para ser vendido. O que não é consumido por todos, constitui-se numa alternativa aos produtos de plástico são deixados de lado.

Ao longo dos tempos, o consumo de bens simbólicos vem sendo mudado. O que antes estava ao alcance apenas da classe burguesa, hoje, com o processo de digitalização, é cada vez mais fácil ter acesso a obras de artes, músicas, apresentações teatrais etc. A música, por exemplo, passou pelas fases da valorização do ao vivo, depois, com a Indústria Cultural, teve seu processo de materialização com a produção de long play (LP) até chegar à digitalização, com a disseminação do MP3. Hoje, com a crise da indústria fonográfica, o “ao vivo” volta a ter sua maior valorização, pois é por meio desse segmento que artistas e gravadoras passam a obter seus maiores lucros. No entanto, o que para uma parcela da classe artística é negativo, para outra, esse processo de digitalização veio para proporcionar uma democratização da produção artística, pois “a proliferação de serviços de download gratuito de arquivos musicais” emerge como “uma alternativa de divulgação para artistas independentes que buscam um lugar ao sol” (HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2011, p. 5).

Para não entrar em colapso, a indústria fonográfica busca alternativas para conquistar clientes no meio digital, ofertando produtos midiáticos digitais e sempre buscando por novidades e outras alternativas para obter lucros. Vendo tal valorização do “ao vivo” e declínio das vendas de CDs e DVDs, as gravadoras passaram a investir em contratos artísticos nos quais pudessem ter participação nos lucros de bilheterias.

No entanto, a cibercultura possibilita que grupos artísticos alternativos ganhem espaço e notoriedade. É por meio da internet que muitos artistas disponibilizam seus trabalhos para que

o público conheça sua arte, seja música, teatro, dança, literatura etc. Mas, ao mesmo tempo em que essas artistas buscam notoriedade utilizando o espaço virtual, elas também buscam participar de festivais, que da mesma forma, divulgam seus editais através do ciberespaço.

Interessou-me, aqui, refletir como a música, o texto e a performance operam em conjunto, sem atribuir prioridade a uma ou a outra. Levando em consideração que a música é encarada por muitos pesquisadores da comunicação como mero produto cultural, proponho ampliar essa noção para mergulhar na interseccionalidade8 desse elemento tão difundido em nossas culturas, conseguindo ser (trans)locada pelas análises sobre entretenimento, ato político, comunicação, mediação e midiatização. Percebendo que muitas análises sobre a música priorizam o aspecto verbal das canções, frequentemente vista como a junção entre música e poesia (tomadas como artes distintas), descubro os pressupostos de lugar privilegiado que a linguagem ocupa na longa tradição ocidental do discurso acadêmico a fim de encarar a música como um elemento performatizado, entendendo que a encenação vocal é um marcador de performance e não pode, por si só, esgotar as outras dimensões imbricadas no fazer artístico.

Em um primeiro momento, ao ouvirmos uma música, certamente vamos centrar nossa atenção à letra (ou canção). A partir daí, caso essa música seja conhecida para nós, ela nos proporcionará uma série de sensações que podem ir desde um mero momento de fruição, a uma lembrança afetiva, uma memória histórica, euforia, raiva, alegria etc. No entanto, essa mesma música pode ser sentida por nós de maneiras distintas, em ocasiões distintas. O ouvir música desdobra-se em diversas faces, podendo ser em nossa casa, no trajeto da escola ou do trabalho, em uma loja, um consultório médico, na rua, em um show. Cada uma dessas possibilidades pode fazer com que a gente seja afetado de forma distinta ao nos conectarmos com a mesma música. É aqui que percebo que não basta à música uma categorização fechada de mídia, produto cultural, meio ou mensagem,

o desafio epistemológico e metodológico da Comunicação enquanto praxis social, entretanto, é suscitar uma compreensão, isto é, um conhecimento e ao mesmo tempo uma aplicação do que se conhece, na medida em que os sujeitos