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3. ATRAVESSAMENTOS DO PENSAMENTO: UM TENTATIVA DE

3.4. Identidade e representatividade trans e travesti: uma nova pauta política

A representatividade LGBT tem sido pauta frequente na sociedade e nos meios de comunicação, pois tem sido cada vez mais necessário combater o preconceito, a homofobia, transfobia e qualquer outro tipo de violência, moral ou física, dos direitos LGBTs - visto que o Brasil é o país que mais mata transexuais.

Antes de discutir a representatividade midiática de tais atores sociais, faz-se necessário elucidar algumas questões inerentes às causas LGBTs como as relações de gênero, identidade e sexualidade. Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p. 14) afirma que “identidade de gênero e orientação sexual são dimensões diferentes e que não se confundem” entendendo que uma pessoa pode ou não se identificar com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer. As pessoas LGBT estão inseridas na cultura da Teoria Queer, sendo preciso identificar que,

16 Lésbicas, gays, bissexuais, travestis/transexuais e intersex. 17 Lésbicas, gays, bissexuais, travestis/transexuais e queer. 18 Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

19 Lésbicas, gays, bissexuais, travestis/transexuais, queer e intersex.

queer é tudo isso: é estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito da sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis e drags. É o excêntrico que não deseja ser ‘integrado’ e muito menos ‘tolerado’. Queer é [...] um jeito de pensar que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do ‘entre lugares’, do indecível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina. (LOURO, 2016, p.7-8).

A partir dessas diferenciações e reflexões, pode-se perceber que o movimento LGBT vem ganhando mais espaço nos meios de comunicação. No entanto, a visibilidade dessas pessoas na mídia de massa ainda é tímida, sendo necessária uma discussão e investigação aprofundadas para entender como os grandes veículos de comunicação retratam temas da comunidade LGBT, em especial da cena musical, seja no âmbito local, nacional ou global.

A famosa anedota de que algo não noticiado pela imprensa é como se não tivesse ocorrido, tornando-se um não-acontecimento, demonstra e sugere a necessidade de investigar e discutir a visibilidade e representatividade na sociedade em que vivemos (COLETTO, 2012). Histórias comuns de personagens de determinadas realidades locais não são as principais pautas dos grandes veículos de comunicação. Para Luhmann (2005,p. 15), “aquilo que sabemos sobre nossa sociedade, ou mesmo sobre o mundo no qual vivemos, o sabemos pelos meios de comunicação”. Logo, perceber e questionar os assuntos e acontecimentos retratados pelos meios de comunicação, em especial os grandes jornais, os telejornais da TV aberta, as famosas revistas em circulação, como também a mídia local, é buscar o sentido da representatividade na mídia – tendo como ideia central o retratar algo para o tornar visível. E, na música, a lógica não destoa tanto da mídia tradicional de massa.

Ao reparar num breve panorama histórico imprensa, perceberemos que o jornalismo brasileiro frequentemente vinculou a homossexualidade à perversão e ao delito. No Brasil, o Correio Braziliense foi o pioneiro da imprensa nacional, tendo sua primeira publicação veiculada no ano de 1808. Desse período até o início da década de 1960, a homossexualidade era tratada pelos veículos de comunicação de acordo com a ideologia de cada época. Um caso curioso que ganhou notoriedade nacional no início do século XX foi a prisão de Febrônio Índio do Brasil, acusado por estupro a um menor de idade e condenado como “louco moral” em 1927. Outra figura importante desse período é o jornalista e dramaturgo João do Rio (1881-1921), nascido no Rio de Janeiro, foi um dos principais elementos na história da crônica jornalista brasileira, apresentando em seus textos elementos homoeróticos, retratando a vida carioca na passagem do século XIX para o século XX. Durante muito tempo João do Rio foi perseguido e ridicularizado publicamente por escritores e jornalistas que expunham sua homossexualidade.

Apesar disso, tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras e colaborou, durante sua carreira de jornalista, em jornais como O Paiz, Gazeta de Notícias, O Dia e O Correio Mercantil. Além disso, foi o fundador da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) e do jornal A Pátria. Em seu enterro, milhares de pessoas compareceram para prestigiar o jornalista.

A década de 1960 foi marcada pelo início da conhecida imprensa gay – feita por homossexuais para homossexuais. Por esse período, temos registros de jornais e periódicos como O Snob, criado pelo pernambucano Agildo Guimarães, erradicado no Rio de Janeiro, onde lançou a considera primeira publicação abertamente homossexual divulgada no Brasil, em 1963. O periódico teve sua circulação encerrada em 1969 e, durante sua publicação, os leitores tinham acesso a conteúdos de moda, cultura, fofocas, concursos, entrevistas e reportagens. Apesar de ser um periódico carioca, O Snob conseguiu articular uma rede nacional com várias cidades, firmando-se como o principal meio de expressão homossexual do país na época. Era marca do jornal o uso da ironia e do sarcasmo, típicos da comunidade homossexual, utilizando uma linguagem diferenciada dos meios de comunicação de massa da época, com um vocabulário de gírias e adjetivos para “os entendidos”. Conforme o slogan do periódico, O Snob é “um jornal informativo para gente entendida. Um jornal para gente do bem. Um jornal para você que é de bom gosto”.

Anterior ao periódico, podemos perceber a articulação de vários grupos que começaram a se reunir com o objetivo de articular uma rede de pessoas interessadas em lutar pelos direitos e pela identidade dos homossexuais no país, como é o caso da Turma OK, criado por 11 amigos em 1961 e até hoje em atividade, sediado na Lapa, no Rio de Janeiro – responsável por eventos como Musa do Inverno, Lady OK, Mister OK e Rainha da Primavera. Curioso observar que, por essa época, a identidade dos homossexuais era fortemente influenciada pelos movimentos contra culturais americanos, que já falavam abertamente sobre o assunto e defendiam a identidade gay, desde a década de 1950. No Brasil, apesar de não se falar em uma identidade gay, grupos como a Turma OK, Carimbos, Intocáveis e Noturnos do Subúrbio foram importantes para o início de uma discussão e a construção dessa nova identidade. É interessante observar que a representação da identidade homossexual no Brasil, tanto pela mídia de massa quanto pela imprensa gay, era marcada pelas percepções de gênero da época, muitas vezes fixas demais.

Outro periódico da época é o jornal Os Felinos, criado por um dos integrantes de O Snob, Hélio Gato Preto. Insatisfeito com o posicionamento rígido dos colegas de redação, Gato Preto passou a questionar as discriminações de homossexuais afeminados, sendo um dos responsáveis pelo olhar mais crítico que proporcionou a imprensa homossexual da época se

interessarem mais pelas teorias de gênero elaboradas pelo movimento feminista e pelo movimento gay dos Estados Unidos e da Europa.

Conforme afirma Flávia Péret (2011, p. 18), “as primeiras publicações no país voltadas especificamente para homossexuais eram feitas de maneira artesanal, mimeografadas e distribuídas ou trocadas entre pessoas das diferentes turmas”.

Em 1969, o levante de Stonewall eclodiu, sendo um marco importante na história do movimento gay americano. Um grupo de homossexuais, lésbicas e travestis costumava frequentar o bar Stonewall Inn, em Nova York. O bar era frequentemente alvo de batidas policiais e na noite de 28 de junho de 1969 foi quando teve início um confronto tenso entre as pessoas que frequentavam o local e a polícia. Durante a intervenção policial, um grupo de travestis reagiu e deu início a um conflito que durou quatro dias, com apoio de moradores, homossexuais e lésbicas que frequentavam o bar ou moravam nas redondezas. O levante de Stonewall ficou conhecido no mundo inteiro e foi o propulsor da criação do Gay Liberations Front, primeiro grupo organizado para lutar pelos direitos de homossexuais e da identidade gay. Mas demorou um certo tempo até que as notícias do levante reverberassem no Brasil. Por aqui, nessa época, vivia-se em um clima de tensão também por parte da força militar com a ditadura e a censura. A falta de informação e a alienação marcaram a década de 1960 no Brasil e o AI- 5 instaurou um clima de tensão no país.

Em 1968, foi criada no Brasil a Associação Brasileira de Imprensa Gay (ABIG) e o Le Femme, encabeçadas pelos jornalistas Anuar Farah e Agildo Guimarães. Em 1976, os dois jornalistas também criaram o jornal Gente Gay – primeiro periódico impresso e distribuído em bancas, com caráter mais informativo. Outro periódico da época foi O Okeizinho¬, um boletim informativo da Turma OK. Por essa época, fora do eixo Rio-São Paulo, há registros de vários jornais e fanzines gays, produzidos de forma artesanal e distribuído entre a comunidade e os grupos especializados, como é o caso do Little Darling, em Salvador.

A década de 1970 trouxe uma mudança significativa para a imprensa homossexual, que passou a ser fortemente influenciada pela imprensa alternativa no Brasil. Com o clima da ditadura ainda instaurado no país, a conhecida “imprensa nanica” – nome dado por causa do tamanho tabloide das publicações – denunciava as violações dos direitos humanos e criticavam fortemente as ações políticas e econômicas dos militares.

Visivelmente influenciados pelas ideias da contracultura, jornais como O Pasquim (1969-1991), Flor do Mal (1970), Bondinho (1972), Ex (1973), Beijo (1977) e Lampião da Esquina (1978-1981) desenvolveram projetos editoriais e gráficos que marcaram a história da imprensa brasileira e abriram espaço para que a sexualidade fosse, aos poucos, incorporada ao

vocabulário de jornalistas e leitores. Embora o Lampião da Esquina militasse de modo explícito a favor dos homossexuais, publicações como Beijo e Flor do Mal, antes mesmo do surgimento do Lampião, já refletiam o desejo de colocar em prática o ideário da contracultura e falar da sexualidade mais abertamente. (PÉRET, 2011, p. 35)

Ainda segundo a autora, outra publicação alternativa que fez sucesso na época foi o Jornal Dobrabil, um fanzine criado pelo poeta Glauco Mattoso, com circulação entre os anos de 1977 e 1981, no Rio de Janeiro. Uma das seções mais conhecidas do fanzine era a “Galeria Alegria”, que abordava de forma mais explícita a questão da homossexualidade, lido por importantes figuras como Carlos Drummond de Andrade, Tom Jobim e Caetano Veloso.

Por essa época, também se destaca o jornal Última Hora, quando o jornalista Celso Curi, ao retornar para São Paulo de sua viagem para Munique, em 1974, passa a editar o “Segundo Caderno”. Dois anos mais tarde, em 1976, o jornal inaugurou a famosa “Coluna do Meio”, conhecida como o primeiro espaço da grande mídia a abordar de forma explícita os interesses da comunidade homossexual. Além do Última Hora, Celso Curi também contribui para o Aqui São Paulo, onde fez a primeira declaração pública de homossexualidade do artista Darcy Penteado, um dos fundadores do Lampião da Esquina. Por esse trabalho, o jornalista foi ameaçado de morte por alguns leitores e processado por atentado ao pudor pelo uso de linguagem vulgar, encerrando a “Coluna do Meio” antes mesmo do fim do processo, em 1979. O Lampião da Esquina talvez seja a publicação mais conhecida na imprensa gay, por ser o primeiro jornal a ter circulação nacional. Em abril de 1978 foi publicada a edição zero do jornal, tendo como manchete de capa o processo sofrido por Celso Curi. Por essa época, o AI- 5 instaurava um clima violente e de forte repressão contra os jornais, jornalistas e artistas. Vários jornalistas foram presos e torturados, periódicos foram severamente recolhidos e bancas foram explodidas por venderem publicações consideradas subversivas. Fazia parte do corpo editorial21 do Lampião da Esquina o jornalista e pintor Adão Costa, o jornalista Antônio Chrysóstomo, o jornalista e tradutor Clóvis Marques, o poeta e jornalista Francisco Bittencourt, o jornalista e escritor Gasparino Damata, o advogado e jornalista João Antonio Mascarenhas, juntamente com o jornalista e escritos Aguinaldo Silva, o antropólogo Peter Fry, o artista plástico Darcy Penteado, o escritor e jornalista João Silvério Trevisan e o crítico de cinema Jran-ClaudeBernardet.

Segundo Péret (2011), “a proposta do Lampião era, da ótica da contracultura e da imprensa alternativa do período, abordar não apenas temas gays, mas também assuntos

21Conforme pode ser visto na edição zero, digitalizada e disponibilizada pelo Grupo Dignidade, disponível

polêmicos ligados a grupos minoritários, como o feminismo e a questão racial” (p. 49). Ainda segundo a autora, durante os três anos de publicação do jornal, foram veiculadas 36 edições, entre 1978 a 1981. E, apesar de possuir uma tiragem significativamente alta para um jornal alternativo – entre 10 e 20 mil exemplares –, com distribuição nacional e vendas em bancas, diferentemente de outras publicações da época que eram distribuídas de forma clandestina, o periódico foi muitas vezes alvo de inquéritos policiais. Além disso, nessa época não havia uma publicidade voltada para o público gay e os poucos anúncios que geravam uma renda para o jornal eram, em sua maioria, de boates e saunas gays. Apesar de ser uma publicação abertamente distribuída nas bancas de várias cidades do Brasil, notava-se um certo desconforto e desconfiança na comercialização do período, tanto por parte dos jornaleiros que nunca deixam os exemplares expostos, quanto por parte dos compradores que, muitas vezes, sentiam-se constrangidos ao serem expostos comprando o Lampião.

O Lampião da Esquina refletiu outras cisões que faziam parte do cotidiano e das pautas de discussão do movimento gay brasileiro. É preciso lembrar que sua criação se deu quase paralelamente ao surgimento do primeiro grupo oficial de discussão dos direitos gays no Brasil, o Somos, fundado em 1979, em São Paulo. (PÉRET, 2011, p. 58-59)

Após vários inquéritos policiais e algumas crises ideológicas entre os integrantes do Lampião, o jornal teve sua produção e circulação encerrada em 1981. No entanto, é interessante observar que várias figuras que integravam o conselho editorial do jornal também participavam do grupo Somos, o que criava e fortalecia convergências de pensamentos e lutas para os anos seguintes.

Para Flávia Péret, é importante destacar que

durante os três anos que foi editado, O Lampião mobilizou a opinião pública para a discussão de temas antes invisíveis na grande mídia. Ao colocar em pauta a homossexualidade, reivindicando, com base na pluralidade de visões e opiniões, um olhar mais atencioso e crítico para a questão, o jornal ampliou o debate acerca dos direitos gays no país e se firmou como importante marco da imprensa alternativa no período da ditadura militar. (PÉRET, 2011, p. 60).

Além da imprensa homossexual, é importante destacar as publicações lésbicas que marcaram história no jornalismo alternativo brasileiro. Ao longo da história, as mulheres lésbicas foram excluídas da vida política, acadêmica e social, e suas reivindicações começaram a ganhar notoriedade e visibilidade na imprensa só a partir da segunda metade do século XIX, com o surgimento de periódicos voltados a esse público.

Apesar de não ser o objetivo da pesquisa mapear as publicações voltadas para o público LGBT ao longo da história, fazer um apanhado panorâmico possibilita conhecer os caminhos percorridos por essas pessoas na luta por seus direitos e visibilidade. No caso das mulheres lésbicas, nota-se aqui um cenário mais complexo do que a imprensa homossexual. Ao olharmos a história, percebe-se que as mulheres sempre foram excluídas pela sociedade e não foi diferente com as lésbicas. No Brasil, o primeiro periódico criado e editado por uma mulher data de 1852, chamado Jornal das Senhoras. Segundo Péret (2011), a publicação tratava de assuntos relacionados à educação e à emancipação das mulheres. Mais tarde, ainda segundo a autora, foi outro jornal começou a ser editado por uma mulher no Rio de Janeiro, em 1862, O Belo Sexo, e em 1888, em São Paulo, foi criado o jornal A Família que reivindicava o voto feminino e o direito de ingressar na universidade.

O grupo Somos, já citado anteriormente, também era composto por algumas poucas mulheres. Uma figura importante para o surgimento e a continuidade da imprensa lésbica no Brasil é a paulistana Míriam Martinho, integrante do núcleo Lésbico Feminista (LF) que fazia parte do grupo Somos. Apesar do Lampião da Esquina ter sido um importante periódico na luta e no engajamento gay no Brasil, ele era feito exclusivamente por homens. Essa foi uma das razões para que as mulheres lésbicas se reunissem e criassem no Grupo Lésbico Feminista, responsável por fundar o informativo mais conhecido da história lésbica do país, o Chana com Chana, em 1981. Nesse mesmo ano o grupo se desfez e Rosely Roth, Míriam Martinho e Eliana Galti fundaram o Grupo de Ação Lésbico-Feminista, mais conhecido como Galf. AS integrantes eram as responsáveis de difundir o informativo Chana com Chana em congressos pelo país e em bares e boates de São Paulo. O Ferro’s Bar, localizado no bairro do Bixiga (SP), era um importante ponto de encontro de lésbicas e um dos locais em que elas podiam comprar o fanzine Chana com Chana. Em julho de 1983 os seguranças do estabelecimento tentaram impedir a entrada de lésbicas e a venda do periódico, chamando a polícia para auxiliar na operação. A reivindicação do estabelecimento, sustentado principalmente por clientes lésbicas, era que elas não vendessem mais o informativo no bar. Por isso, o Galf se reuniu e organizou uma “invasão” ao Ferro’s Bar, em agosto do mesmo ano. A imprensa deu grande repercussão ao fato e depois disso o movimento do bar aumentou e as mulheres conseguiram o direito de continuar vendendo o Chana com Chana, que foi publicado até o ano de 1987, quando o Galf se transformou na ONG Rede de Informação Um Outro Olhar.

Outros periódicos, em formatos diversos, foram lançados após esse período. Mas é interessante observar que há uma certa resistência masculina nessa caminhada. E, se para as

mulheres cisgêneras a luta foi mais difícil, as mulheres transgêneras também foram alvo ainda mais atingidos pela sociedade.

Durante a pesquisa, não foram encontrados registros no Brasil de uma imprensa trans ou travesti. Ao tratar dessas pessoas, é preciso também olhar para a história. Vale salientar que os termos, assim como a história, vêm mudando com o passar dos anos. Segundo a professora Jaqueline Gomes de Jesus (2018), em dossiê publicado pela Revista Cult , há uma mistura de fascínio e abjeção na relação da sociedade brasileira com as travestis e mulheres transexuais. A professora destaca que no Brasil acontecia vários bailes de travestis no século XIX, quando os marinheiros aportavam no Rio de Janeiro e não havia mulheres para eles se divertirem, recorrendo aos “homens travestidos”. Outro fato histórico do país destacado por Jesus é a visita da famosa artista e cantora francesa Coccinelle, em 1962. Ela foi a primeira mulher transexual a ter seu casamento reconhecido pela igreja católica em 1960 e era famosa mundialmente por integrar a trupe oficial da casa noturna Carrousel de Paris. Nesse episódio, a euforia dos cariocas, cidade onde Conccinelle ficou hospedada, foi contida pelos bombeiros, pois as pessoas curiosas queriam ver de perto a artista, causando grande tumulto.

Por esse período, o Brasil já apresentava uma cena artística de pessoas trans. O Teatro Rival era um dos palcos em que “artistas transformistas” (como eram reconhecidas as artistas que hoje são chamadas de dragqueen) se apresentavam, mesmo após a ditadura de 1964 – com a condição e que essas artistas não transitassem fora dos palcos “montadas” para não serem confundidas com mulheres cisgêneras. Foi nesse período que surgiram nomes hoje conhecidos pela história, como Rogéria, Jane Di Castro, Claudia Wonder, Brigitte de Búzios, Cláudia Celeste e Camille K., que buscavam na arte uma nova possibilidade de exercerem sua cidadania e identidade trans. Apesar da história mostrar que pessoas trans e travestis existem desde muito tempo, só no ano de 2018 que aconteceu a Primeira Marcha do Orgulho Trans, na cidade de São Paulo.

Para Jaqueline de Jesus, a introdução e popularização dos conceitos de “transexualidade” e “transgeneridade” no contexto brasileiro vem introduzindo uma pauta necessária a ser discutida pelos movimentos sociais na construção de uma militância voltada a promoção de iniciativas institucionais inclusivas, como é o caso da política do nome social e da ideia de visibilidade dessas pessoas, seja na mídia ou na sociedade m geral. Além disso, ela destaca a emergência do transfeminismo que vem estimulando novas discussões sobre os direitos das mulheres, como a autonomia de mulheres trans e travestis diante de outros movimentos sociais, a luta pela despatologização, a diversidade sexual e de gênero de pessoas

trans e travestis, o reconhecimento da infância e da adolescência trans, a reparação dos déficits educacionais, a inserção no mercado de trabalho e a representatividade nas artes e na política.